Edição 245 | 26 Novembro 2007

“Esse livro do Dawkins é uma auto-ajuda para ateus inseguros”

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IHU Online

No ponto de vista do filósofo Luiz Felipe Pondé, Deus, um delírio, de Dawkins, não passa de um libelo político. Ele explica o motivo: “Não há idéias novas no sentido da biologia darwinista ou sua concepção cosmológica; sua intenção é convencer a neo-esquerda (mistura de iluminismo anti-clerical + foucaultismo das minorias oprimidas) de que o darwinismo não tem a política ‘de direita’ do darwinismo social, mas sim é uma teoria que liberta do medo da opressão metafísica de uma autoridade louca como Deus”. A entrevista, exclusiva, foi concedida neste final de semana, por e-mail, à IHU On-Line. Pondé não acha necessária uma explicação que polarize fé e razão no sentido “esclarecimento x escuridão”. Essa postura, dispara, “é para iniciantes que acreditam na utopia racionalista moderna”, e completa: “Esse livro do Dawkins é uma auto-ajuda para ateus inseguros”.

Pondé leciona no Programa de Estudos Pós-graduados em Ciências da Religião e do Departamento de Teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),  na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e na Escola Paulista de Medicina (UNIFESP), além ser professor convidado na Universidade de Varsóvia em 2007.  Mestre em História da Filosofia Contemporânea pela USP e em Filosofia Contemporânea pela Université de Paris VIII, França, é doutor em Filosofia Moderna, pela USP, e pós-doutor, pela Universidade de Tel Aviv, Israel. Escreveu O homem insuficiente (São Paulo: EDUSP, 2001); Crítica e profecia, filosofia da religião em Dostoiévski (São Paulo: Editora 34, 2003); e Conhecimento na desgraça. Ensaio de epistemologia pascaliana (São Paulo: EDUSP, 2004). No livro No limiar do mistério. Mística e religião (São Paulo: Paulinas, 2004), organizado por Faustino Teixeira, Pondé publicou o artigo “O método de Deus”. Na edição 133 da IHU On-Line, de 21-03-2005, cujo tema de capa foi Delicadezas do mistério. A mística hoje, Pondé concedeu com exclusividade a entrevista “A mística judaica”. À IHU On-Line concedeu, também, as entrevistas “Parricídio, niilismo e morte da tradição”, quando falou sobre Dostoiévski, na edição 195, de 11-09-2006, e “A fé é dada pela Graça”, na edição 209, de 18-12-2006.

IHU On-Line - Poderia explicar com detalhes sua idéia de que o livro de Dawkins não passa de um libelo político? O que quer dizer com isso?
Luiz Felipe Pondé -
Não há idéias novas no sentido da biologia darwinista ou sua concepção cosmológica; sua intenção é convencer a neo-esquerda (mistura de iluminismo anti-clerical + foucaultismo das minorias oprimidas) de que o darwinismo não tem a política “de direita” do darwinismo social, mas sim é uma teoria que liberta do medo da opressão metafísica de uma autoridade louca como Deus. O ateu pode sair do armário, como ele diz, e será feliz. Essa idéia é melhor apresentada por gente como Nietzsche, Rosset , Gracian , e todos os trágicos, sem a tentativa de cooptar os pequenos desejos de felicidade banal da gente contemporânea. Seu iluminismo é aquele que pensa que a confessionalidade atéia nos deixa mais felizes. Por definição, não levo a sério ninguém que associa suas idéias e venda
de alegria, mesmo que supostamente dolorida.

IHU On-Line - Vivemos numa época na qual se corre o risco de abandonarmos a crença em Deus para abraçarmos uma crença antropocêntrica? O que isso demonstra a respeito de nossa sociedade?
Luiz Felipe Pondé -
Nada além da tendência do pecado (falando teologicamente). Do ponto de vista judaico, pecar é errar o alvo: queremos acertar o alvo de sermos o centro do mundo e independentes de Deus, mas acertamos o alvo da coisficação (em hebraico clássico, 'morte = o ques'... coisa, objeto...). Historicamente, o antropocentrismo é figura de nosso banal desespero em termos de um cérebro que pensa mais do que agüenta e, por isso, acaba buscando formas que o acalmem. Teologicamente, é  idolatria. Filosoficamente, o antropocentrismo é simples empobrecimento epistêmico, Deus é o melhor de todos os conceitos, e o contato com Ele nos torna mais inteligentes. A prova é que o antropocentrismo foi obrigado a cair no Dawkins político e as variadas formas de auto-ajuda. Pessoalmente, só respeito a filosofia trágica, além, é claro, aquela que dialoga com Deus. Quanto à nossa socidedade, talvez uma coisa boa fosse pararmos
de pensar em termos político-sociais. O futuro do antropocentrismo é a mania de políticas públicas + publicidade auto-ajuda. Isso é matemático.

IHU On-Line - A paixão pela razão pode ser um elemento explicativo para esse comportamento? Por quê?
Luiz Felipe Pondé -
Só se pensarmos em “razão” no sentido reduzido de causa-efeito empiricamente perceptível e suas funções instrumentais.

IHU On-Line - O niilismo em suas diversas nuances é conseqüência dessa postura fundamentalista atéia que presenciamos?
Luiz Felipe Pondé -
O niilismo ou é aquilo que Nietzsche critica (melancolia covarde de ressentidos sem fé) ou arrogância que vai do cinismo à mentira revolucionária do homem que se auto-funda (a neurose de Adão), niilismo russo descrito por Turgueniev  e Dostoiévski. Acho que o niilismo pode ser um conceito essencial como experiência da transcendência para o nada, aquilo que a razão e a consciência encontram quando operam sua mecânica escatológica cética e percebem o não
fundamento de si mesmas... a experiência do deserto: o olhar no olhos do vazio que nos habita. Nesse sentido, tanto psicológico quanto teológico, é terapêutico.

IHU On-Line - Como podemos compreender o “flerte” de Dawkins com alguns totalitarismos do presente?
Luiz Felipe Pondé -
Nada além da repetição de tentarmos deduzir o mundo e suas múltiplas faces a partir de idéias que algumas pessoas têm em seus escritórios e acham que todo mundo deve se organizar a partir delas. Contra ele, Edmund Burke : temos os sofistas, calculadores da perfectibilidade humana e os economistas. Qualquer um que ache que exista uma lógica da felicidade passível de se formular em duas ideais é totalitário, principalmente quando oferece a ciência como fundamento: quando a ciência sai do laboratório, ela é sempre opressora.

IHU On-Line - O ateísmo chique de Dawkins reedita o embate fé-razão. Por que é importante definir quais dos dois campos está correto na explicação da origem da vida?
Luiz Felipe Pondé -
Não acho que seja necessário uma explicação que opere em uma das pontas. Não partilho da idéia de que exista tal oposição, pelo menos nos moldes de como é colocado (esclarecimento x escuridão, por exemplo, o que é pra iniciantes que acreditam na utopia racionalista moderna). Dawkins não é elegante em seu ateísmo. O darwinismo é elegante em sua tentativa de negar o argumento de Aristóteles ao design inteligente, e acho que devemos enfrentar essa elegância. Nietzsche é um “ateu elegante”, Freud também. Esse livro do Dawkins é uma auto-ajuda para ateus inseguros.

IHU On-Line - Como você, pessoalmente, entende a relação entre esses dois campos? Como complementaridade ou exclusão?
Luiz Felipe Pondé -
Como disse acima, não reconheço essa oposição. Proponho a leitura de Raison et foi, de Alain de Libera : essa oposição é típica das más soluções que a teologia do século XIII em diante deu para a relação com Aristóteles e sua herança medieval dos “filósofos artisans e não teólogos”. Como sempre, como diria Heine sobre os teólogos de sua época, “só se é traído pelos seus, assim como hoje vemos a teologia orar aos pés da sociologia e das modas políticas foucaultianas. Não há oposição entre fé e razão. Há uma relação de trabalho entre elas, ainda mais porque são centros de atividade do mesmo animal, o ser humano.  O fato que alguns homens e mulheres têm fé e outros não é um problema da psicologia e da teologia da personalidade. Quando fé e razão estão postas na mesma pessoa, e aí não falta repertório ou não abunda o medo, o diálogo é sempre rico, mas nem sempre fácil.

IHU On-Line - Qual seria seu contra-argumento à afirmação de Dawkins de que as religiões são nocivas ao bem-estar da humanidade?
Luiz Felipe Pondé -
A filosofia do bem-estar é utilitarismo. A preocupação com o bem-estar leva o homem à burrice e a ontologia da vida como empresa e eficácia. Não há evidências empíricas de que a humanidade sem a fé seria mais feliz. A humanidade é infeliz e, como eu disse antes, não levo a sério filósofos preocupados com o bem-estar na humanidade: afinal o que é isso? Vivemos há
algum tempo já numa filosofia do bem-estar: TV a cabo, liberdades sexuais, suposição democrática, antibióticos. Falta ao bem-estar de Dawkins a sutileza de quem pensa o ser humano como animal ferido que é. Como diria Chesterton , não há problema em não se acreditar em Deus; o problema é que se acaba sempre acreditando em alguma besteira, como, por exemplo, no bem-estar da
humanidade.

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