Edição 243 | 12 Novembro 2007

Rosa Grings

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Foi através de um professor de Física que Rosa Grings, 58 anos, passou a se interessar por esta área. Ela iniciou a carreira de professora em 1974, na Escola Pio XII, em Novo Hamburgo, seu município de origem. O entusiasmo sempre foi uma marca forte em Rosa. E, na sua primeira experiência como professora, reabriu o laboratório de Física, até então desativado. Desde 1976, ela integra o corpo docente da Unisinos, onde já lecionou Matemática, mas, atualmente, se dedica apenas à Física. Ao assumir a coordenação do curso de Licenciatura em Física, com a fusão dos Centros 6 e 7, ela conseguiu grandes conquistas como, por exemplo, triplicar o número de alunos. Em entrevista à revista IHU On-Line, Rosa destacou aspectos marcantes da sua vida. A perda do seu pai e o nascimento da sua irmã são os principais deles. Confira, a seguir, a entrevista:

Origens – Nasci em Novo Hamburgo. Até os 12 anos, eu era a única filha entre dois guris, um mais velho e outro mais novo. Eu sempre quis ter uma irmãzinha, o que foi acontecer quando eu já tinha 12 anos. Quando eu tinha quatro anos, os meus pais foram morar em Dois Irmãos para assumirem a administração de um restaurante que era de um parente. Ficamos cinco anos em Dois Irmãos e, quando voltamos para Novo Hamburgo, meus pais colocaram uma padaria.

Infância – O que me marcou na minha infância foram as brincadeiras com os meus irmãos, Roberto e Ricardo, onde eu era a minoria e eles sempre saiam vencendo. O meu irmão mais velho gostava de “aparecer”. Numa noite, não tinha energia elétrica em casa e nós estávamos sozinhos, porque a mãe e o pai trabalhavam no restaurante. Acendemos uma vela, e o meu irmão passava a manga do pijama sobre a chama da vela, se exibindo para nós, até que ela pegou fogo. Eles também me faziam muitas cócegas, até que um dia eu caí de cima da cama e abri a cabeça.

Perda - Nós perdemos o pai muito cedo. Eu e meus irmãos éramos adolescentes, e a minha irmã tinha cinco anos. Foi uma coisa inesperada, e, de certa forma, eu fui ser mãe da minha irmã. A perda do nosso pai foi mais uma razão para nós batalharmos juntos pela sobrevivência.

Padaria – Meus pais começaram fazendo pão em um forninho, nos fundos de casa, para poder construir a padaria e fazer o forno industrial. Toda a família trabalhava junto; a mãe fazia pão junto com o meu pai, e os meus irmãos vendiam. E eu tinha que limpar a casa e ajudar a cozinhar. Quando a gente já tinha o prédio, com a padaria funcionando, eu fui balconista na padaria. Hoje, a padaria ainda existe, mas não é mais da família.

Escola - Eu comecei a minha escolarização em Dois irmãos, no Colégio Imaculada Conceição. Quando voltamos para Novo Hamburgo, eu tinha nove anos e dei continuidade aos meus estudos. Sempre fui muito estudiosa e nunca fui reprovada. No primário e secundário, na maioria das vezes, eu tinha aula de tarde, e trabalhava de manhã. O científico cursei à noite, pois trabalhava todo o dia. Quando estava na Faculdade, muitas aulas eram à tarde e eu tinha que sair um pouco mais cedo para poder voltar a trabalhar. Lembro de um professor que se invocava quando eu saia mais cedo. Uma vez ele chegou à minha frente com uma régua e ameaçou: “Hoje, tu não vai sair mais cedo”. Mas eu realmente tinha que sair, não era porque eu queria.

Física – Gostei muito de um professor de Física que eu tive no Colégio 25 de Julho, em Novo Hamburgo, no Científico, atual Ensino Médio. Ele era uma pessoa que tinha muita experiência de laboratório de Física e gostava de fabricar as coisas. Quando fazia a instalação de um aquecedor de água no telhado da sua casa, caiu, entrou em coma e faleceu. Eu fui para a área da Física incentivada por ele.

Trabalho - Eu trabalhei na padaria e estudei até me formar em Física na Faculdade de Filosofia e Letras, antes de se chamar Unisinos, em dezembro de 1973, aos 24 anos. Em março de 1974, eu comecei a lecionar. A primeira escola onde eu lecionei foi o Pio XII, de Novo Hamburgo. Entusiasmada, ainda nas férias eu fui à escola olhar o laboratório, que estava fechado. Ninguém usava o laboratório e eu comecei a usar. Por alguns meses, dei aula de Matemática e Física na escola São José, em São Leopoldo, e na escola técnica Liberato Salzano, substituindo professores. Não fiquei muito tempo nas escolas, porque eu recebi um contrato do Estado para lecionar no 25 de Julho, a escola em que eu tinha estudado. No 25 de Julho, tinha um professor que, às vezes, não ia dar aula. E, como eu morava na outra quadra, às vezes, iam de manhã cedo me tirar da cama para eu ir substituí-lo. Fiquei lá por aproximadamente quatro anos, e também no Pio XII. Mas, ao mesmo tempo, eu comecei o mestrado em Engenharia Metalúrgica, na UFRGS.

Irmã-aluna – A minha irmã é enfermeira. Eu fui professora dela, e não aconselho que os irmãos mais velhos sejam professores dos mais novos. Ela sofreu muito, porque os colegas queriam que ela pegasse as provas para levar para eles. Além da pressão dos colegas, eu cobrava muito dela para que ela fosse uma excelente aluna. Foi uma experiência um tanto dramática.

Unisinos - Entrei para a Unisinos em 1976, dois anos depois de formada no curso de Física, dando aula de Matemática no Colégio Anchieta, porque a Unisinos tinha uma extensão lá. Comecei com a Matemática e depois fui para a Física, que foi me envolvendo, até que deixei a Matemática. A Unisinos sempre foi a minha segunda casa. Quando era o tempo dos módulos, eu tinha 10 módulos, que era o máximo que podia ter. No início dos anos 1990, na época do Collor, em que muitas entidades entraram em crise econômica, inclusive a Unisinos, os professores de Física foram incentivados a procurar algo fora da universidade, já que todos iam tendo menos módulos. Então, para que a gente continuasse com o mesmo padrão de vida, era preciso procurar alternativas. E eu fiz concurso para a Liberato Salzano, passei e fui chamada. Mas nunca saí da Unisinos, só diminui a quantidade de módulos. Atualmente, tenho duas turmas do curso de Física, cerca de 35 alunos, e cinco turmas dos cursos de Engenharia. Sempre dei aula nas Engenharias, desde que foi criado o primeiro curso de Engenharia tradicional aqui. Também dei aulas nos cursos de Geologia, Arquitetura e Biologia, ou seja, em todos os cursos que tinham Física no seu currículo.

Reconhecimento – Uma coisa muito boa e interessante de ter para lecionar Física é um laboratório para fazer experiências. Então, em 1987, foi criado um grupo na Física que desenvolveu todo um material para que o professor pudesse construir junto com os seus alunos um laboratório alternativo, com material de baixo custo e de fácil obtenção. O material didático produzido foi publicado na forma de “Cadernos de física e Instrumentação”, abrangendo ciências e as diversas unidades da Física.  Na época em que o Governador do Estado foi o Collares , a Secretária de Educação Neuza Canabarro  implementou um projeto chamado Melhoria da Qualidade de Ensino, no 1º e 2º graus. A Física da Unisinos participou deste projeto e o material que produzimos foi para todas as escolas públicas do Estado. A gente trabalhava bastante a questão da formação do professor de Física nesta época e divulgávamos o nosso trabalho através de cursos de aperfeiçoamento, encontros e palestras para professores e alunos. O período marcou pela quantidade de trabalho e pelo retorno de se sentir gratificado em fazer alguma coisa para melhorar o ensino.

Coordenação – A união dos Centros 6 e 7 marcou muito a minha vida na Unisinos. A Física, a Matemática e a Estatística pertenciam ao Centro 6 e as Engenharias ao Centro 7. Quando o Centro 7 foi extinto, os cursos oferecidos lá passaram a fazer parte do Centro 6. Então, houve um impasse sobre a coordenação do curso  de Física. Alguém deveria assumir para fazer essa transição e eu assumi, naquela época. Não estava preparada, mas foi muito gratificante. Quando eu assumi, nós não tínhamos nem 100 alunos no curso e conseguimos triplicar este número. Fiquei cinco anos e meio na coordenação e, nesse período, fizemos a reformulação curricular. Sempre estivemos entre os melhores cursos de Física do Rio Grande do Sul e até do Brasil. Foi muito trabalhoso, sofrido, mas valeu a pena.

Família - Não sou casada nem tenho filhos. Minha irmã Regina é como se fosse minha filha. E ela tem dois filhos que são como se fossem meus netos. Nós fizemos um sobrado com dois apartamentos, um para ela e um para mim. A minha mãe mora comigo, e aí nós ficamos sempre juntas.

Sonho – Gosto muito de viajar. Há dois anos, fui ao Chile e adorei. Mas o meu grande sonho é conhecer alguns países da Europa, especialmente Áustria, Itália, Alemanha e França.

Momentos marcantes – O momento mais triste foi quando eu perdi o meu pai, na adolescência. E o momento mais feliz foi o nascimento da minha irmã.

Lazer – Gosto de ler e assistir a filmes. Um livro que me marcou quando eu li, ainda adolescente, foi O cortiço, de Aluísio Azevedo. Se eu não tenho nada para fazer, assisto a um filme atrás do outro. Quando o tema trata de conflitos humanos, em geral, me emociono. Não há um filme em especial. Só não gosto de filme de violência. Não vou muito ao cinema, costumo assistir a filmes em casa.

Política brasileira – Eu resumo em uma frase: estou decepcionada com o que está acontecendo. Corrupção sempre teve e acho que sempre vai ter. Acho que isso é uma coisa da natureza humana, que agora está aparecendo mais. A solução está no povo, na educação, que é a base de tudo. No momento em que nós tivermos um povo mais educado, mais consciente do seu papel, o país pode mudar.

Instituto Humanitas Unisinos – É fantástica a divulgação dos vários campos do saber e a integração das pessoas que se interessam por esses campos, através das palestras. Por exemplo, os eventos sobre nanotecnologias estão relacionados com a Química, com a Física, com o Direito, com a Ética e várias outras áreas. Todas elas se integram, focando um tema de diversos pontos de vista. A revista IHU On-Line tem matérias sobre Economia, Política, tudo o que interessa. Então, eu acho muito bom, e espero que continue.

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