Edição 243 | 12 Novembro 2007

O “cuidado de si”. O primeiro passo para gerar ações de cuidado entre as pessoas

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IHU Online

Como gerar ações de cuidado num mundo em que as pessoas têm posições ideológicas intensas, que ultrapassam limites e valores que deveriam ser comuns entre todos? A resposta do professor e jornalista Larry Antonio Wizniewsky, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí), é enfática: “basicamente a partir de um contexto muito específico do conceito de ‘cuidado de si’ desenvolvido por Focault”. Cuidar de si, explica, é vital, uma vez que as relações do cotidiano estão marcadas pelas “falências gerais de sistemas educacionais, de segurança e principalmente de cuidados específicos com o outro”.

Nesta terça-feira, 13-11-2007, Wizniewsky comentará o filme As invasões bárbaras, de Denys Arcand, que, para ele, reflete o pensamento negativo do diretor “em relação ao futuro da humanidade”. O IHU já exibiu filmes do diretor, como Jesus de Montreal, em celebração à semana da Páscoa, neste ano. Promovido pelo IHU, o evento desta semana ocorre às 8h30min, na Sala 1G119.

Confira algumas questões que o professor abordará no encontro, na entrevista que segue, concedida por e-mail, à IHU On-Line.

IHU On-Line - Como as relações entre pai e filho, em As invasões bárbaras, nos ajudam a compreender o sentido de cuidado e cuidador na constituição familiar?
Larry Antonio Wizniewsky -
O filme As invasões bárbaras  é uma seqüência do primeiro grande filme do diretor Denys Arcand , O declínio do império americano . Nesse sentido, enfocarei na palestra, em primeiro lugar, os aspectos ligados ao modo como a saúde pública é representada no filme. Logo após, iremos abordar as relações pessoais, uma vez que a relação pai e filho já se mostrava bastante abalada no filme anterior, que travava exatamente os limites entre o idealismo da contracultura e o nascente cinismo da chamada geração yuppie. Na verdade, As invasões bárbaras estabelece uma variedade de diálogos com todos os aspectos da sociedade, enfocando-os sob a ótica de patologias sociais e emocionais. Da falência da saúde pública canadense, passando pela crise dos sindicatos e das relações professor-aluno, o diretor Arcand, conforme suas próprias declarações faz um inventário de todos os fracassos de sua geração, o que dá ao filme um caráter bastante alegórico, e a relação pai e filho, mediada pela doença incurável de um e a aparente frieza de outro podem ser vistas como representações metafóricas do país, o Canadá, que também é em essência um país dividido por duas línguas (francês/inglês) e dois modos bem específicos de gestão social (liberalismo/socialismo). Acrescente-se a isto tudo os efeitos do 11 de setembro e teremos uma obra onde cada aspecto específico remete a outros estratos da cultura e da sociedade.
Remmy , o personagem moribundo, vivido pelo ator Rémy Girard, busca afirmar simultaneamente sua fé nos ideais da contracultura e apazigüar sua relação com o filho, a mulher e a filha que veleja pelo mundo e com a qual ele só mantém contato via internet, após um laptop ter sido providenciado pelo filho tecnocrata, de quem busca reaproximar-se. Uma das patologias sociais mais sensíveis que o diretor aborda é a relação dos personagens com a heroína, vista ao mesmo tempo como dependência letal e um modo mais suave de realizar o ritual de passagem da vida para a morte. Em resumo, todas essas temáticas serão enfocadas a partir da seqüência inicial do filme, que, a partir de um uso muito inteligente da câmara subjetiva, faz do espectador um elemento integrante do caos que dá início ao filme, até o final, com o avião levantando vôo ao som de uma música de Françoise Hardy, que evoca a ida de Remmy para o céu e a nova consciência adquirida pelo filme. A música é um pop brega francês, cujo título pode ser traduzido como “Todos os garotos e garotas da minha idade”.

IHU On-Line - No filme, pai e filho se aproximaram após a doença de um deles. Qual é a sua avaliação das reconciliações antes da morte?
Larry Antonio Wizniewsky -
O filme lida com todos os tipos de reconciliações, simbólicas, ideológicas, de gênero, mas insiste na nota de que o balanço de um passado recente não pode ser considerado muito positivo. Por isso mesmo é que iremos ver também algumas cenas de O declínio do império americano, que se passa quando o filho de Remmy ainda é um adolescente e, portanto, em fase de formação de valores, os quais ele rejeitará no filme posterior. O diretor Arcand tem uma visão bem específica neste ponto; basta ver seus filmes Jesus de Montreal e Amor e restos humanos. Ambos misturam elementos de patologias físicas, doenças terminais ou incuráveis com supostas doenças que destroem o tecido social das sociedades, nas quais os personagens transitam. Reconciliações antes da morte e suas possibilidades de articulação com o mundo real, o chamado mundo da vida, talvez seja uma das principais obsessões da filmografia de Arcand. Pessoalmente, entendo que a visão pessimista sustentada no filme reflete um pouco o pensamento negativo de Arcand em relação ao futuro da humanidade em geral. Daí o filme fazer menção sistemática às novas gerações como gerações “bárbaras”.

IHU On-Line - Como o senhor percebe os confrontos ideológicos que ocorrem no mundo, e dificultam essa relação de cuidado e cuidador?
Larry Antonio Wizniewsky -
São relações que dizem respeito essencialmente aos projetos utópicos dos anos 1960, que se revelaram na grande maioria empreitadas fracassadas. Quem cuida de quem no mundo atual é um tema que perpassa a filosofia existencialista de Sartre  e depois vai desembocar em produtos culturais extremamente complexos e multifacetados como é o caso de Cidade de Deus  e do recente Tropa de elite . Por mais estranho que possa parecer, esses filmes articulam-se dentro desta mesma dissolução dos projetos utópicos da década de 1960.

IHU On-Line - De que maneira as relações do cotidiano podem gerar ações de cuidado entre as pessoas?
Larry Antonio Wizniewsky –
Basicamente, a partir de um contexto muito específico do conceito de “cuidado de si” desenvolvido por Foucault  em seus textos sobre a história da sexualidade. As relações de um cotidiano marcado por doenças sexualmente transmissíveis, pirações de todos os tipos e falências gerais de sistemas educacionais, de segurança e principalmente de cuidados específicos com o outro, necessariamente colocam o “cuidado de si” como o primeiro passo para gerar ações de cuidado entre as pessoas. Esses temas estão embutidos na narrativa do filme As invasões bárbaras, que faz menção a todos os aparelhos, ideológicos ou não, de organização social e seus contextos de transformação.

IHU On-Line - A mídia tem alguma preocupação em estabelecer e sugerir ações de cuidado e cuidador com seus leitores? Como o senhor avalia esse tema, nos meios de comunicação?
Larry Antonio Wizniewsky -
Em alguns casos sim, mas são muito raros. Na maioria dos casos, o que temos é uma falsa idéia de cuidado, quando na verdade a intenção é muito mais de tutela e manipulação do que, verdadeiramente, interesse na formação e crescimento dos leitores. O modelo “de rabo preso com o leitor” pode ser bonito, mas é basicamente falso. Em sites e blogs da internet, devido ao intenso diálogo e possibilidades de interação atingidos, esse cuidado é sempre mais qualificado e principalmente mais abrangente. Mas, na maioria das vezes, finge-se uma importância exagerada pelo leitor, como é o caso dos ombudsman, que tecem uma teia fictícia de críticas aos órgãos nos quais trabalham como forma de simular um maior cuidado com o leitor–receptor. A seção de cartas da maioria das revistas brasileiras (Veja, Set, Bizz, Piauí, etc.) é de um ridículo atroz. Na Set deste mês, por exemplo, críticas absolutamente pertinentes à péssima matéria sobre o filme Tropa de elite são tratadas com desprezo e ironia.

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