Edição 243 | 12 Novembro 2007

Personagens emblemáticos revelam fatos contemporâneos

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IHU Online

“Os quadrinhos veiculam e condensam as correntes de pensamento contemporâneos à sua produção”, disse Guilherme Caldas, quadrinista, em entrevista à IHU On-Line, por e-mail. Para ele, o segmento já passou por três grandes mudanças que iniciaram nos anos 1960, quando os personagens ganharam mais profundidade, e persistiram na década de 1970, quando figuras como Batman, em O cavaleiro das trevas, ganharam um tratamento gráfico mais elaborado. O ápice da evolução no segmento, se deu com a produção contemporânea, a qual compõe “a linha editorial de selos como Fantagraphics, Drawn & Quarterly e Top Shelf, e que tem seu expoente máximo no trabalho de Chris Ware e sua série ACME Novelty”.

Caldas é formado em Artes Plásticas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Em quadrinhos, ele publicou Comércio, um dos volumes da coleção Mini Tonto. Atualmente, ele é proprietário da Candyland, uma empresa que reúne trabalhos de artistas independentes das áreas de história em quadrinhos, fanzine, arte de rua, design e ilustração. A partir desses trabalhos, a empresa de Curitiba, produz storyboards (seqüência de cenas cinematográficas muito utilizada na publicidade, animação e no cinnema) e animações para produtoras de cinema e vídeo; criação de roupas, ilustrações.

Eis a entrevista:

IHU On-Line - De que maneira os personagens emblemáticos nos ajudam a entender linhas
de pensamento e a desenvolvê-las?
Guilherme Caldas -
Quanto a desenvolvimento, não saberia ao certo, mas, falando de linhas de pensamento, os personagens emblemáticos reúnem e simbolizam os fatos contemporâneos à sua formulação. Tintin, por exemplo, surgiu num semanário católico especificamente para denunciar as mazelas e os vícios do comunismo; já o Príncipe Valente, em sua trajetória de milhares de páginas semanais, usou fatos históricos, como a invasão da Europa pelos hunos como uma metáfora da Segunda Guerra Mundial. O Capitão América foi criado especificamente como
um herói norte-americano, embalado pelo espírito patriótico de uma nação em guerra contra as forças nazi-facistas. Como outras formas de arte e expressão (cinema, literatura, teatro), os quadrinhos veiculam e condensam as correntes de pensamento contemporâneas à sua produção, sendo influenciadas e tornando-se influência destas correntes.

IHU On-Line - O senhor disse que existe uma certa efervescência na produção de quadrinhos brasileiros, ressurgindo nos últimos quatro anos. Como o senhor percebe esse ressurgimento?
Guilherme Caldas –
Atualmente, os quadrinhos têm uma temática mais diversificada, com histórias e estilos muito mais abrangentes. Acho que isso se deve ao maior intercâmbio de conteúdos proporcionado pela internet e pela chamada revolução digital. Hoje, o acesso às formas de produção é muito mais fácil e um artista não precisa dispor de muitos recursos financeiros para se equipar de modo a dar um tratamento profissional a seu trabalho. A melhoria dos programas de tratamento e design gráfico e dos equipamentos permite que o artista tenha maior controle sobre a forma como seu trabalho será veiculado e processado. Sobre a efervescência, só posso avaliar de forma positiva. Acredito na qualidade que surge da quantidade que produzida atualmente.

IHU On-Line - Quais são as principais mudanças na produção de quadrinhos no decorrer das décadas? O que apontaria como novidade?
Guilherme Caldas -
Apontaria entre as principais mudanças a reformulação da figura do super-herói, promovida por Stan Lee , no início da década de 1960, tornando-os personagens com mais profundidade, com tramas pessoais mais elaboradas em suas “identidades secretas”, que corriam paralelamente à sua atuação como herói, influenciando e pontuando as suas aventuras. Exemplo disso é o Homem-Aranha, em que o personagem Peter Parker se vê às voltas com problemas de relacionamento pessoal (namoradas, amigos), tendo ainda que lidar com problemas no seu trabalho de repórter e mesmo com problemas financeiros.
Outra mudança marcante, na minha opinião, foi a promovida por Frank Miller , nos anos 1980, ao reinventar o Batman em O cavaleiro das trevas, trabalho que depois se tornou referência e que foi responsável pelo surgimento do formato Graphic Novel - edições com tratamento gráfico bem cuidado, impressas em papel de alta qualidade, e apresentando histórias com temáticas diversificadas.

Por último, gostaria de destacar a produção contemporânea, que compõe a linha editorial de selos como Fantagraphics, Drawn & Quarterly e Top Shelf, e que tem seu expoente máximo no trabalho de Chris Ware e sua série ACME Novelty. Seu trabalho foi, para mim, a última revelação, numa série de revelações que foram o contato com o mundo dos quadrinhos adultos através da revista argentina Fierro e da brasileira Animal. É um trabalho único na sua qualidade gráfica, na sua concepção e na narrativa, que já gerou uma horda de imitadores, mas que, para mim, ainda não foi totalmente compreendida pelo público e pela crítica atual.

IHU On-Line - Como as histórias em quadrinhos trabalham com a informação? Esse é um meio de comunicação de massa que informa com uma didática diferente?
Guilherme Caldas -
A narrativa dos quadrinhos se dá na interação entre texto e imagem, ou entre o encadeamento de imagens sem texto, na distribuição destes elementos gráficos pela página (impressa,  eletrônica), e ainda nas lacunas entre os diversos momentos da ação, que se dá num ritmo próprio, que pode ser variado e controlado de diversas formas. O importante é frisar que os quadrinhos são um sistema semiótico à parte e devem ser entendidos e trabalhados como tal. 

Com certeza, os quadrinhos podem servir para informar. O formato das histórias servem como uma forma de comunicação abrangente e se presta a usos que vão de revistinhas educativas, voltadas ao público infanto-juvenil, até folhetos, informando procedimentos de segurança em aviões ou a manuais para manuseio de equipamentos ou materiais perigosos.

IHU On-Line - O modelo de fanzine está sendo colocado em xeque?
Guilherme Caldas -
Não sei se o modelo de fanzine está em xeque. O que pode ser colocado em xeque é a postura dos autores que insistem em produzir e pensar em fanzines como se ainda estivéssemos nos anos 1980. E isto serve para a temática e para o modo de produção dos fanzines. O que existe, para mim, é mais um espírito de fanzineiro e isto não tem época, ou seja, não sai de moda. Espírito de fanzineiro é estar sempre disposto a experimentar o novo e o inusitado, é produzir e editar sua produção, sem deixar que percalços, como, digamos, a falta de dinheiro ou de acesso aos processos gráficos, sejam um impedimento. Eventos e premiações que ficam discutindo se esta ou aquela publicação pode ou não ser chamada de fanzine, ou que inventam categorias como Prozine (um fanzine feito de forma “profissional”), são simplesmente ridículos.

IHU On-Line - O que a produção de fanzines na internet significa? Publicado no meio on-line ele acaba perdendo características que adquiriu nos anos 1980?
Guilherme Caldas -
O que a internet traz de mais importante é a possibilidade de se publicar e se divulgar sem gastar um centavo. Pessoalmente, acho chato ler quadrinhos numa tela de computador, mas acho sensacional poder trocar informações e material com um artista, digamos, finlandês, praticamente em tempo real. Quanto às características, acho que o fundamental se mantém. O que vale é a idéia, o conteúdo. Não importa se você publica num blog ou numa folha xerocada.

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