Edição 242 | 05 Novembro 2007

Os caminhos da ciência e da tecnologia no mundo nanoscópico

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III Ciclo de Estudos Desafios da Física para o Século XXI: o admirável e o desafiador mundo das nanotecnologias

Docente na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Instituto de Física Gleb Wataghin, o físico Peter Schulz afirma que “se a nanociência e a nanotecnologia cumprirem 20% das promessas veiculadas teremos já incríveis avanços na medicina, economia de combustível, novas melhorias nas tecnologias de informação, e preservação do meio ambiente”. E completa: “Precisamos, no entanto, desenvolver uma cultura científica na sociedade para que essa, como um todo, possa discutir melhor a conveniência dessas mudanças tecnológicas. Estamos acostumados a considerar que qualquer mudança tecnológica é um progresso. Não necessariamente, a questão nuclear é um exemplo de quão complexo é o debate em torno de novas tecnologias”. As declarações podem ser conferidas na íntegra na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line. O Prof. Dr. Schulz é o palestrante desta semana, em 07-11-2007, do III Ciclo de Estudos Desafios da Física para o Século XXI: o admirável e o desafiador mundo das nanotecnologias, com o tema Os caminhos entre a ciência e a tecnologia no mundo nanoscópico: seus precursores e as perspectivas futuras. Este Ciclo é pré-evento do Simpósio Internacional Uma sociedade pós-humana? Possibilidades e limites das nanotecnologias, que se realizará de 26 a 29 de maio de 2008, na Unisinos.

Graduado e mestre em Física pela Unicamp, Schulz doutorou-se em Física, pela pela Unicamp, com doutorado-sanduíche na Universidade Autônoma de Madrid (UAM), Espanha, com a tese “Tunelamento em Heteroestruturas de Semicondutores”. É pós-doutor pelo Max Planck Institut Für Festkoerperforschung, em Stutgart, Alemanha, e livre-docente pela Unicamp.
Entrevista com Peter Schulz

 A nanociência e a importância de uma cultura científica na sociedade

IHU On-Line - Quais são os atuais caminhos entre a ciência e a tecnologia no mundo nanoscópico?
Peter Schulz –
Em primeiro lugar, eu gostaria de chamar a atenção ao que significa o mundo nanoscópico. Trata-se de manipular de modo controlado, aproveitando fenômenos físicos, químicos e biológicos, objetos com dimensões da ordem de até um bilionésimo de metro. Um bilionésimo de metro é o comprimento de 10 átomos de hidrogênio em fila.

Existem atividades em várias frentes. A mais conhecida talvez seja a pesquisa e desenvolvimento em torno das tecnologias de informação. Aqui, eu me refiro aos esforços na continua miniaturização de circuitos integrados (microprocessadores e chips de memória). O contínuo desenvolvimento dos circuitos baseados em silício já chegou à escala nanoscópica, pois, atualmente, as dimensões características dos dispositivos gravados nos chips são de apenas algumas dezenas de nanômetros. Por outro lado, existe um esforço intenso para achar substitutos a essa tecnologia, ou seja, tentar construir uma eletrônica baseada em moléculas. É a chamada eletrônica molecular, que permitiria diminuir as dimensões dos componentes de um fator 10.

Além disso, existem produtos já disponíveis no mercado (que é da ordem de dezenas de bilhões de dólares) baseados em nanopartículas, principalmente na indústria química, meio ambiente e medicina. Nesse último item, merecem destaque os chamados remédios inteligentes, que reconhecem as células doentes e tem uma ação seletiva muito mais eficaz.

IHU On-Line - E quais seriam os maiores desafios que se apresentam nesse campo do conhecimento?
Peter Schulz –
É difícil responder, pois, se estamos no limiar de uma verdadeira revolução tecnológica, não é possível prever os desdobramentos pontuais mais inovadores. Um exemplo interessante (que também se insere no contexto da pergunta acima) é a busca de substitutos eficientes para as atuais lâmpadas para iluminação pública. Aqui, teríamos possivelmente a contribuição de diodos emissores de luz baseados em nanotubos de carbono. 

Na construção da nanociência em si, existe o desafio da interdisciplinaridade, que é a característica principal dessa atividade. Aqui, vale lembrar uma estudiosa da interdisciplinaridade, Julie Klein , que destaca que qualquer atividade interdisciplinar incorpora uma rede complexa de fatores históricos, sociais, psicológicos, políticos, econômicos, filosóficos e intelectuais. Independentemente da opção de que essa atividade torne-se uma instrumentação de curto prazo ou uma reconcepção a longo prazo, do modo que aprendemos e conhecemos de resolver problemas e respondemos questões, o conceito de interdisciplinaridade é um importante meio de resolver problemas que não podem ser tratados usando métodos ou abordagens singulares.

IHU On-Line - A quais precursores podemos nos referir quando falamos em ciência e nanotecnologia no mundo nanoscópico?
Peter Schulz –
Existem vários. Muitos dos aspectos que hoje constituem a nanociência e a nanotecnologia já foram alvos de intensa pesquisa, mas em contextos isolados. Por exemplo, quando falamos de nanopartículas, estamos nos referindo a objetos estudados há mais de um século, mas eram chamados de colóides (bem, nem todo colóide é nano). Várias possibilidades de aplicação para as nanopartículas já eram pesquisadas há muito tempo, inclusive com aplicações na medicina. Como curiosidade eu posso mencionar um estudo de Albert Sabin  de 1940 sobre o uso terapêutico de nanopartículas de ouro.

Um outro exemplo é a busca de manipulação em escala microscópica e mesmo nanoscópica já na década de 1930 do século passado, quando contatos elétricos podiam ser aproximados e afastados por distâncias controladas de até 1 nanômetro.

IHU On-Line - Que perspectivas futuras se delineiam a partir do desenvolvimento da nanotecnologia?
Peter Schulz –
É muito difícil fazer esse exercício de futurologia. Uma característica fantástica da ciência é que existem os chamados fenômenos emergentes, ou seja, que não podem ser previstos a partir de regras e leis conhecidas. Isso ocorre muito na minha especialidade, a Física da Matéria Condensada. E aqui vai um exemplo: os chamados Mosfets de silício, que são um tipo de transistor com um canal de condução de carga elétrica efetivamente em duas dimensões, ou seja, os elétrons estão presos em um plano. Pois bem, esse desenvolvimento tecnológico permitiu que se fizesse pesquisa básica nesses sistemas físicos em duas dimensões e descobertas fundamentais e inesperadas, como o efeito Hall quântico. E continuam sendo feitas: a mais recente é a obtenção do Grafeno (uma única camada de átomos de carbono, “descolada” de um pedaço de grafite), forte candidato a aplicações em nanoeletrônica.

Uma imagem de fenômenos emergentes é a do futebol. As regras que permitiriam a um grupo de pessoas, que nunca tivesse ouvido falar desse esporte, começar a jogar cabem em uma página. No entanto, em mais de um século, nunca ocorreram dois jogos iguais. Esse conjunto de regras que possibilitam o jogo em si não conseguem prever fenômenos como, por exemplo, aquela fantástica jogada da Marta no último campeonato mundial.

IHU On-Line - Quais serão os principais ganhos à humanidade e, por outro lado, as principais limitações ou embates inclusive tecnológicos e éticos surgidos desse contexto?
Peter Schulz –
Se a nanociência e a nanotecnologia cumprirem 20% das promessas veiculadas, teremos já incríveis avanços na medicina, economia de combustível, novas melhorias nas tecnologias de informação e preservação do meio ambiente. Precisamos, no entanto, desenvolver uma cultura científica na sociedade, para que essa, como um todo, possa discutir melhor a conveniência dessas mudanças tecnológicas. Estamos acostumados a considerar que qualquer mudança tecnológica é um progresso. Não necessariamente, a questão nuclear é um exemplo de quão complexo é o debate em torno de novas tecnologias. A percepção adequada das implicações de novas tecnologias é um assunto considerado ainda muito superficialmente por todos os agentes envolvidos: pesquisadores, imprensas, governos e públicos (o plural é proposital, pois é um problema universal). Nesse cenário, insere-se a necessária discussão ética, pois novas soluções tecnológicas podem representar novas potenciais ameaças ao meio ambiente, por exemplo.

IHU On-Line - Gostaria de acrescentar algum aspecto não questionado?
Peter Schulz –
O desenvolvimento do que eu chamei de cultura científica precisa ter uma componente forte de educação não formal e mecanismos para promovê-la precisam ser fomentados. Uma alternativa são os museus de ciência, que precisam ser estimulados e disseminados por todo o País. No caso específico da nanociência, temos em Campinas a Nanoaventura, que já passeou pelo País afora. Convido a todos passear virtualmente pelo site:  http://www.mc.unicamp.br/nanoaventura/

 

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