Edição 242 | 05 Novembro 2007

Filme da semana: Querô, de Carlos Cortez

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IHU Online

O filme comentado nessa edição foi visto por algum(a) colega do IHU e está em exibição nos cinemas de Porto Alegre.

Ficha Técnica:
Nome:
Querô
Nome original: Querô
Cor filmagem: Colorida
Origem: Brasil
Ano produção: 2006
Gênero: Drama
Duração: 90 min
Classificação: 14 anos 

Sinopse:
Querô (Maxwell Nascimento) é filho de uma prostituta que se matou com querosene pouco depois de ele nascer. O garoto cresce numa pensão e nas ruas do porto de Santos. Na Febem, descobre o inferno.

O diretor e roteirista Carlos Cortez não precisou fazer muitas modificações na obra original ao adaptar para as telas o romance Querô – Uma reportagem maldita, de Plínio Marcos, de 1976. Embora o livro tenha sido escrito há mais de 30 anos, a situação que ele retrata – o menor abandonado – não mudou muito nessas décadas. O comentário é de Alysson Oliveira e publicado no www.cineweb.com.br, 13-09-2007.

Menor abandonado, uma situação atual

Querô (Maxwell Nascimento) é um adolescente órfão, que vive de um lado para outro, perdido pelas ruas próximas ao porto de Santos. Filho de uma prostituta (Maria Luisa Mendonça), ele desconhece o pai. A mãe suicidou-se quando ele era bebê tomando querosene - daí vem o apelido do garoto. Depois de apanhar muito nas mãos da dona de uma pensão (Ângela Leal), ele foge.
Querô vive de expedientes e envolve-se em pequenos roubos. Quando vai parar na Febem, explode toda sua revolta contra o mundo e ele se transforma. O menino sofre nas mãos dos colegas de instituição e do carcereiro (Milhem Cortaz), o que só aumenta o seu ódio.

Fora das grades, Querô encontra apoio em Gina (Claudia Juliana), que o leva a uma igreja evangélica. Ele se apaixona pela sobrinha do pastor, Lica (Alessandra Santos). Porém, o rapaz vive num mundo marcado pelo determinismo. Por mais que ele tente fugir da marginalidade, não consegue.

Querô mostra um universo típico de Plínio Marcos, com criaturas solitárias, vivendo à margem e esquecidas por todos. São ladrões, traficantes e prostitutas que não têm perspectivas na vida. Cortez filma tudo isso com honestidade, sem nunca olhar com superioridade ou julgar esses personagens.

Enfim, o filme conta a história do garoto criado na marginalidade e que reage com violência à violência do mundo.

O destaque no elenco premiado é o protagonista Maxwell Nascimento, que foi selecionado numa oficina realizada com adolescentes e crianças pobres de cidades da Baixada Santista (SP). O trabalho com esses jovens teve uma repercussão tão positiva, que até hoje o projeto é mantido, com realização de cursos profissionalizantes e outras atividades.

“Tem uma frase do Plínio Marcos de que eu gosto muito - ele dizia que nem Deus olhava por seus personagens. E, ao mesmo tempo que são esquecidos, e ferozes, eles são também humanos e é essa humanidade que o Plínio buscava e que eu busco também no Querô”, afirma Carlos Cortez, segundo reportagem de Luiz Carlos Merten, publicada no jornal O Estado de S. Paulo, 14-09-2007.

Para Luiz Carlos Merten, crítico de cinema do jornal paulista, “Querô prossegue com um discurso que já estava em outro lançamento recente do cinema brasileiro. Cidade dos homens, de Paulo Morelli, mostra dois garotos e sua relação com uma paternidade que é real e também metafórica, porque permite ao diretor discutir não só meninos de rua, mas a orfandade de um País carente de autoridade. Querô substitui o pai pela mãe, essa mãe mítica que o garoto busca e à qual se entrega, em final controverso”.

Quem melhor a representa é Maxwell Nascimento, o Querosene do título, filho de prostituta (Maria Luisa Mendonça) criado no submundo em torno do porto de Santos. “Sua história, comenta  Sérgio Rizzo, crítico de cinema do jornal Folha de S. Paulo, 14-09-2007, não é apenas sua, pois equivale poeticamente à pequena tragédia de muitos outros, mas sem que o filme se preocupe em salientar essa obviedade, restringindo-se a mergulhar apenas no pântano de seu protagonista. Assim, o discurso de denúncia é substituído, com imensa vantagem, pela eficácia natural do microcosmo que permite entender melhor o todo.”

Cerca de 1.200 garotos das comunidades mais pobres da Baixada Santista foram testados e 200, selecionados para participar das oficinas que não eram só de interpretação. Novo processo de seleção resultou na escolha dos 40 jovens que integram o elenco de Querô.

“Aqueles jovens eram amadores selecionados para atuar no filme”, informa Gilberto Dimenstein, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 03-06-2007. “A maioria deles vivendo na invisibilidade e na fronteira da marginalidade da periferia de Santos. Passaram por cinco semanas de oficinas diárias, em dois períodos, para que aprendessem a se expressar, soltando o corpo e, depois, a fala. Foram convidados a vivenciar as dores dos personagens, que, na verdade, eram as suas próprias. Meteram-se, involuntariamente, numa espécie de psicodrama. Descobri que todo esse processo ficou gravado em horas e mais horas de vídeo, material condenado ao esquecimento. Podemos ver como eles, nos primeiros dias, estavam duros, desconfiados, presos, tímidos e cabisbaixos. Vamos sabendo como não se sentiam reconhecidos em quase nenhum espaço, imaginando-se soltos ao vento, sem nenhuma perspectiva, divididos entre a remota possibilidade de serem jogadores de futebol e o nada remoto risco de se envolverem em algum tipo de marginalidade.”

Segundo Dimenstein, “o pior dos nossos desperdícios é o de talentos - deixamos de ter pessoas que brilham para nutrir indivíduos que matam ou se matam”.
 
E o jornalista narra:

“O ator principal, Maxwell Nascimento, disse-me que, antes de atuar no filme, não sabia o que faria no futuro, mas, nas entrelinhas, admitia que o presente já lhe estava, inexoravelmente, reservando o pior futuro. ‘É como se, vivendo num ambiente sem opção, eu não tivesse nenhuma opção.’ Maxwell ganhou, em 2006, o prêmio de melhor ator no Festival de Cinema de Brasília”.

E num artigo publicado igualmente no jornal Folha de S. Paulo, 28-05-2007, o jornalista escrevia:
“A mudança de Maxwell foi tão visível que sua mãe, Maria Nilza, teve uma estranha reação ao ser informada de que o filho passaria a ganhar um cachê. ‘Não precisa pagar. Isso que vocês fizeram já está bom’.”

Enfim, como comenta Contardo Calligaris, psicanalista, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 20-09-2007, “a qualidade humana da experiência narrada e a maestria de quem narra fazem com que uma história nos prenda, por ela se tornar, por assim dizer, universal (ou quase). Nesse caso, pode acontecer, ‘de brinde’, que seu pano social de fundo nos deixe indignados”.

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