Edição 242 | 05 Novembro 2007

Poços artesianos próximos aos arroios podem estar contaminados

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IHU Online

Com o objetivo de avaliar a qualidade dos arroios do município de Novo Hamburgo, entre maio de 2006 e maio de 2007, a Profa. Dra. Da Feevale Míriam de Freitas Soares monitorou o Arroio Pampa, e evidenciou que “não houve significante alteração nas características do Arroio, sendo a principal carga poluidora o esgoto doméstico”. Embora as concentrações de compostos com teores elevados não tenham alcançado o Rio dos Sinos, ela destaca que é possível “o risco de alguma residência ou outro tipo de imóvel usar água de poço artesiano, cujas águas possam estar contaminadas com estas e outras substâncias provenientes do Arroio, por conta de uma contaminação do lençol freático”.



Miriam de Freitas Soares é graduada em Química, pela Universidade Luterana do Brasil, e doutora em Química Analítica, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Atualmente, atua como docente e pesquisadora do Centro Universitário Feevale.

Confira a entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line:

IHU On-Line - Que tipos de compostos orgânicos foram encontrados no arroio Luiz Rau, em Novo Hamburgo, de acordo com as pesquisas realizados?
Míriam de Freitas Soares -
Entre 2004 e 2005, foi realizado um estudo no Arroio Luiz Rau, com o objetivo de avaliar os níveis de contaminação por hidrocarbonetos aromáticos como o benzeno, tolueno, etilbenzeno e xilenos (BTEX), os quais são substâncias orgânicas tóxicas (principalmente o benzeno). Estas substâncias normalmente estão presentes na gasolina e são encontradas em indústrias como as de solventes. O interesse em estudar estes compostos surgiu pelo grau de toxicidade que eles apresentam. São compostos para os quais há limites máximos permitidos em água através da Portaria nº 518 de 2004 do Ministério da Saúde, que estabelece os procedimentos e responsabilidades relativos ao controle e vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade, e através da Resolução nº 357 de 2005 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), que dispõe sobre a classificação e diretrizes ambientais para o enquadramento dos corpos de água superficiais, bem como estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes. Havia ainda o interesse em testar uma metodologia analítica de menor custo capaz de atender aos objetivos analíticos e sem gerar resíduos em laboratório.

IHU On-Line - Ao realizarem o tratamento da água dos arroios e do Rio dos Sinos, as companhias conseguem retirar esses compostos da água, deixando-a potável? É possível recuperar essa água?
Míriam de Freitas Soares -
Na verdade, estes compostos particularmente estudados biodegradam naturalmente, antes de alcançarem um receptor de água, havendo uma atenuação natural da contaminação. Além de microrganismos, outros compostos promovem esta degradação através de processos de oxidação. Podem causar, durante este período em que permanecem na água, danos à flora e, principalmente, à fauna local. Outra questão a ser considerada é a sua solubilidade em água, que é baixa, sendo menor, por exemplo, que a de outros compostos químicos também tóxicos, mas mais comuns, como é o caso dos metais na forma de sais. O problema maior é quando os teores são elevados e não são eliminados até a distribuição, ou são devidos a uma contaminação que tenha ocorrido em um sistema já tratado. Presentes na água para consumo podem causar graves danos à saúde, como a leucemia, que, nesse caso, pode ser causada pelo benzeno. Caso sejam encontrados teores acima dos permitidos pela legislação em uma água que esteja sendo consumida, um sistema de filtros com carvão ativado poderia retê-los, desde que as concentrações não sejam muito elevadas. Não houve evidências através do estudo de que os teores encontrados alcançariam o Rio dos Sinos através deste Arroio.

IHU On-Line - Em alguns pontos, estes compostos tinham teores mais elevados. Quais são os prejuízos para a saúde da população da região?
Míriam de Freitas Soares –
Possivelmente, estas concentrações não alcançaram o Rio. Nos locais específicos, onde se verificou que os teores de alguns deles foram mais elevados, não havia evidências de que a população usasse esta água para algum fim, lembrando que o monitoramento foi realizado na porção urbana do município de Novo Hamburgo. É claro que é possível o risco de alguma residência ou outro tipo de imóvel usar água de poço artesiano, cujas águas possam estar contaminadas com estas ou outras substâncias provenientes do Arroio, por conta de uma contaminação do lençol freático. Neste trabalho, não foram realizados estudos de águas subterrâneas.

IHU On-Line – O que a senhora encontrou no Arroio Luiz Rau?
Míriam de Freitas Soares -
Os estudos limitaram-se a avaliar as condições da água em relação aos BTEX. A nossa proposta foi medir as concentrações de BTEX em alguns pontos ao longo do Arroio Luiz Rau, e escolhemos aqueles com alto tráfego de veículos e os próximos a postos de combustíveis, tentando relacionar a presença destes compostos a fontes dos mesmos, neste caso, a gasolina. É claro que quando encontramos em um determinado ponto, próximo a um posto, um elevado teor de um destes compostos, acreditamos ser proveniente deste tipo de estabelecimento. Não sei se ocorre fiscalização nos postos de combustíveis. No entanto, sabe-se que investigação de passivo ambiental é um item importante para a avaliação e a prevenção de contaminações em um posto. O artigo terceiro, parágrafo único da Resolução nº 273 de 2000 do Conama estabelece que, previamente à entrada em operação e com periodicidade não superior a cinco anos, os equipamentos e sistemas de armazenamento e distribuição devem ser testados e ensaiados para a comprovação da inexistência de falhas ou vazamentos.

IHU On-Line - Como está ocorrendo o monitoramento químico no Arroio Pampa? Como a senhora avalia as águas desse arroio? Nesse um ano após a mortandade dos peixes, houve melhoras no arroio?
Míriam de Freitas Soares -
O monitoramento do Arroio Pampa durante a nossa pesquisa, que é o trabalho de mestrado de Carlos Augusto do Nascimento, visa à classificação do Arroio  segundo a Resolução nº 357 do Conama. Além de pontos ao longo do Arroio desde sua nascente até sua foz, monitorou-se um ponto no Rio dos Sinos, à montante da foz do Arroio Pampa, distante aproximadamente 1,5 Km do ponto de captação de água da Companhia Municipal de Saneamento de Novo Hamburgo (Comusa). O monitoramento ocorreu entre maio de 2006 e maio de 2007, através de nove coletas. Com exceção de uma ou outra coleta em relação a um ou dois pontos no máximo, os demais resultados mostraram que não houve significante alteração nas características do Arroio, sendo a principal carga poluidora o esgoto doméstico. Os órgãos ambientais responsáveis pelo monitoramento e fiscalização das condições do Arroio possivelmente estão empenhados nas obrigações que lhes compete.

IHU On-Line - Que soluções a senhora apontaria para diminuir a poluição nos arroios?
Míriam de Freitas Soares -
Sem dúvida, as soluções para diminuir a poluição passam por programas de educação ambiental, cujas propostas não devem se limitar a documentos que visem a atender interesses que não os da população e do ambiente em questão, lembrando-se, neste caso, que a maior parte da poluição é gerada por esgoto doméstico. Acrescentam-se ainda programas de saneamento previstos para atender aos problemas ambientais atuais, prevendo sua alteração de acordo com as alterações previstas, como aumento da população e o conseqüente aumento de demanda de água, tratamento de esgoto, crescimento industrial  etc. É claro que, além disso, o monitoramento em intervalos curtos de tempo por parte das empresas de seus efluentes, contribuirá para que haja diminuição da poluição, sem contar com a fiscalização por parte dos órgãos ambientais.

IHU On-Line - Como desenvolver um monitoramento ambiental eficaz?
Míriam de Freitas Soares -
Para um monitoramento, é importante conhecer previamente as condições da bacia a ser monitorada a fim de estabelecer que critérios mostrarão o perfil e verdadeiras condições daquele ambiente. Assim, há um levantamento a respeito das indústrias que atuam no entorno da área estudada, da vegetação, da população e sua condição de vida, das condições meteorológicas, da topografia, etc. Além disto, deve-se fazer previsão de como e onde realizar os ensaios, bem como definir como os resultados serão tratados.

IHU On-Line - De que maneira as empresas devem agir para que os resíduos industriais utilizados na fabricação de seus produtos não tenham um impacto tão ofensivo ao meio ambiente?
Míriam de Freitas Soares -
Fazendo uma avaliação da sua produção e daquelas etapas que podem contribuir com a poluição. Uma vez identificadas, investir na sua eliminação e/ou controle. É necessário explorar ao máximo a utilização de tecnologias limpas. Os resíduos devem ser avaliados, tratados e eliminados adequadamente. Se reutilizados, o impacto deve ser avaliado durante e após sua utilização. Muitos resíduos usados como matéria-prima geram produtos de degradação mais perigosos que os próprios precursores.

IHU On-Line - Como garantir a qualidade ambiental na região, uma vez que os arroios e boa parte do Rio dos Sinos já estão contaminados e degradados?
Míriam de Freitas Soares -
Não permitindo que a poluição aumente por conta do descaso e por achar que o problema não é seu. É um problema da população, do Município, do Estado. É difícil imaginar algo que possa em pouco tempo despoluir um corpo d’água como Rio dos Sinos, considerando suas dimensões. Em relação aos Arroios, é menos difícil. No entanto, muitas são ainda as dificuldades por justamente terem pequenas dimensões em relação a uma quantidade tão grande de poluição que recebem. Alguns poluentes até podem diminuir a ponto de manter uma qualidade razoável, mas outros não.

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