Edição 242 | 05 Novembro 2007

Prefeituras ainda liberam loteamentos na região do Sinos

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IHU Online

Apenas o município de São Leopoldo chegou a tratar os dejetos de aproximadamente 80% de sua população, nos anos 1950. Hoje, apenas 20% do resíduo doméstico é tratado, lembra Rafael José Altenhofen, biólogo e coordenador da UPAN (União Protetora do Ambiente Natural). “Como se vê, não foi falta de conhecimentos, de tecnologia, ou mesmo de recursos, mas sim de vontade e prioridade política”, reitera.



Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Altenhofen destacou a necessidade de preservar os banhados para manter a manutenção da qualidade e quantidade da água do Sinos, responsabilidade da legislação federal, estadual e municipal. No entanto, ele chama a atenção para o número de loteamentos que são liberados nesses ecossistemas, por órgãos estaduais e municipais. “Todos os dias, e agora mesmo, na bacia Sinos, há dezenas de empreendimentos que estão aterrando, metro a metro, hectare a hectare, os elementos mais importantes de que o Sinos dispõe para sua sobrevivência. Isso tudo sob as barbas de uma legislação que as torna, em teoria, intocáveis”, destaca.

Altenhofen já concedeu outra entrevista à IHU On-Line, em 19-10-2006, intitulada “O desastre ambiental no Rio dos Sinos”. O material está disponível no sítio do IHU (www.unisinos.br/ihu). Ele também participou do evento IHU Idéias, no Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

Eis a entrevista:

IHU On-Line - O incidente que ocorreu no Rio dos Sinos no ano passado deixou trágicas conseqüências. Quais foram os impactos mais problemáticos?
Rafael José Altenhofen -
Os impactos sofridos pelo Sinos vêm ocorrendo há muito tempo. A mortandade ocorrida há um ano talvez tenha sido a maior, mas não foi a única, e apenas serviu com indicador de que a qualidade das águas chegou a um ponto extremo, letal. Os peixes mortos, fazendo uma analogia, são como um termômetro marcando mais de 40ºC de febre, ou seja, a situação é de risco de morte, mas o que devemos temer não é a temperatura da febre, e sim o que a está causando.

Além dos peixes, temos toda uma fauna e flora aquática afetada em tipologia e proporção que provavelmente nunca venhamos a saber, visto que sequer conhecemos todas as espécies que existem no Rio. Metais pesados, presentes, rotineiramente, no Sinos em proporções muitas vezes acima das permitidas, e que, por ocasião da mortandade, chegavam a ser de mais de 200 vezes o permitido para alguns compostos, ficam depositados no leito do Rio, por tempo indefinido, entrando na cadeia alimentar e afetando diferentes espécies, inclusive os seres humanos que beberem suas águas e comerem seus peixes.

IHU On-Line - Nos mutirões de limpeza no Rio dos Sinos, quais são as coisas mais surpreendentes que vocês encontraram no Rio?
Rafael José Altenhofen -
A quantidade e variedade de resíduos sólidos jogadas no Sinos é enorme. Pode se encontrar de tudo no Rio, mas é claro que os materiais encontrados são essencialmente os sólidos flutuantes, ou cujo volume não é totalmente encoberto pelo Rio. Já encontramos desde sofás de quatro lugares, camas, fogões, carcaças de automóveis e motocicletas, bicicletas, animais mortos – cães, porcos, cavalos - até um cadáver humano.

O tipo de material depende de muito fatores; então, podemos ter resíduos industriais - jogados por empresários que querem se livrar de terem que dar um destino adequado aos mesmos -, animais, utensílios e resíduos domésticos jogados por moradores próximos ao Rio, peças e carcaças de veículos, materiais de desmanche e até corpos, jogados por quem usa o Rio para se livrar das provas de um crime, e assim por diante. Inclusive a estátua original em homenagem ao imigrante alemão, datada de 1924, erigida em arenito, na Praça do Centenário - hoje Praça do Imigrante -, em São Leopoldo, foi jogada no Sinos por partidários da “campanha de nacionalização”, em 1945, na época da Segunda Guerra Mundial, e continua até hoje no fundo de seu leito. O conceito é sempre o mesmo: “o rio leva embora”. Como se esses materiais fossem levados para uma outra dimensão que não a do nosso planeta.

IHU On-Line – O Rio dos Sinos já possuía problemas muito antes da mortandade dos peixes, no final do ano passado. Por que as melhorias na área avançam lentamente?
Rafael José Altenhofen -
A falta de prioridade política às questões ambientais reflete-se diretamente na escassez de recursos destinados à recuperação do Rio dos Sinos. Essa não priorização pelos governantes tem conseqüências também na ausência de envolvimento da população, motivada, principalmente, pela falta da informação e de políticas públicas de formação para uma tomada de consciência ambiental. Da mesma forma, gera conseqüências negativas nos diferentes órgãos públicos, cujas áreas de atuação são diretamente relacionadas à temática, ocasionando desarticulação intersetorial e desmantelamento de suas estruturas.

Com isso, os colegiados como os comitês de bacia hidrográfica – em nosso caso o Comitesinos (Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos)–, que são a base da gestão participativa e integrada dos recursos hídricos, se vêem às voltas com o desafio de articular a população neles representada, fazer diferentes setores dialogarem, e definirem os rumos da sustentabilidade do uso das águas, tendo que “chorar migalhas” financeiras para sua operacionalização, que deveriam – mas quase sempre não o são – ser aportadas, em prazo e quantidade suficientes, pelo governo. Com tal cenário, é fácil compreender o motivo de as melhorias andarem a passos lentos e a degradação de maneira acelerada e crescente.

IHU On-Line - Como você percebe a aplicação da legislação ambiental na região? Ela tem sido eficaz?
Rafael José Altenhofen -
Nossa legislação ambiental ainda carece de certos avanços técnicos e práticos, mas da maneira como está, caso fosse eficazmente aplicada, resolveria boa parte dos problemas do Rio dos Sinos. O grande problema então está em sua aplicação, que é realmente falha, esbarra em questões burocráticas e de falta de estrutura e aparelhamento dos órgãos competentes, quando não é sobreposta por interesses partidários ou econômicos.

Temos um verdadeiro jogo de empurra na responsabilidade de sua aplicação e fiscalização, sem falar na omissão por parte dos órgãos competentes. Atualmente, por exemplo, todos sabem da importância vital que as áreas úmidas (banhados) têm para a manutenção da qualidade e da quantidade das águas do Sinos. Também é sabido que as mesmas são protegidas por legislação federal, estadual e, em muitos casos, municipais. Mesmo assim, continuam sendo liberados aterros e loteamentos nesses ecossistemas, por órgãos estaduais e municipais. Todos os dias, e agora mesmo, na bacia Sinos, há dezenas de empreendimentos que estão aterrando, metro a metro, hectare a hectare, os elementos mais importantes de que o Sinos dispõe para sua sobrevivência. Isso tudo sob as barbas de uma legislação que as torna, em teoria, intocáveis.

IHU On-Line - O senhor percebeu melhorias no Rio, no que diz respeito a cuidados e fiscalização, após o incidente?
Rafael José Altenhofen -
Sim, quando os holofotes e os olhos mundiais se voltaram para esse problema, os responsáveis por sua solução passaram a se mexer. O arroio Portão, por exemplo, está visualmente menos poluído, passou de preto para marrom escuro, o que já é um bom sinal.

O risco de novas grandes mortandades, entretanto, não está afastado, e sua ocorrência ou não dependerá não tanto das ações que já foram tomadas, mas principalmente daquelas que ainda estão por vir. Enquanto isso, somente as chuvas manterão as águas do trecho inferior do Sinos com qualidade mínima suficiente para manter vivos seus peixes e demais formas de vida aquática.

IHU On-Line - O que falta para salvar o Rio, se é que ainda há tempo? Que medidas deveriam ser priorizadas agora?
Rafael José Altenhofen -
Essencialmente, empenho dos gestores públicos, nos três níveis e nas três esferas de governo, que, ao invés de incorporarem e priorizarem as questões ambientais, preferem lembrá-las circunstancialmente e de maneira oportunista – quando da ocorrência de eventos como o da mortandade –, em seus inflamados discursos de palanque, mantendo-se omissos por muitos anos frente ao problema, que começou pequeno e vem crescendo dia a dia.

Dispomos, em nosso País e na nossa região, de todo conhecimento técnico e de boa parte das tecnologias necessários e suficientes para resolvermos os principais problemas do Rio dos Sinos. O município de São Leopoldo é um exemplo disso: embora ainda hoje seja o que mais trate em termos absolutos na bacia, com pouco mais de 20% da população atendida, já chegou a tratar os dejetos de aproximadamente 80% de sua população nos anos 1940 e 1950. Como se vê, não foi falta de conhecimentos, de tecnologia, ou mesmo de recursos, mas sim de vontade e prioridade política. No entanto, ainda há tempo sim de reparar os erros.

Estrategicamente, economicamente e ambientalmente, devemos priorizar medidas que cessem a degradação ambiental, de maneira a mantermos o que ainda resta – enquanto exercício lógico -, como a interrupção da destruição dos banhados e da vegetação ciliar remanescentes no Sinos. Depois disso, devem ser priorizadas medidas envolvendo a coleta e o tratamento dos efluentes domésticos – esgoto cloacal – e a recuperação de áreas degradadas na bacia.

IHU On-Line - Que ações a União de Proteção Ambiental tem realizado para tentar reverter a situação do Sinos?
Rafael José Altenhofen -
A UPAN tem trabalhado em prol do Sinos, acompanhando, incidindo sobre e propondo políticas públicas, além de, por meio de ações, projetos e programas. Para 2008, teremos o lançamento de um livro sobre gestão municipal de resíduos, e a reedição ampliada do livro Os banhados do Rio dos Sinos e por que devem ser preservados. Também estamos em fase final de elaboração do projeto “Banhados Vivos”, visando à preservação e ao uso sustentável desses ecossistemas, e buscando parcerias para implantar a Casa de Cultura Ecológica Henrique Luis Roessler, junto às margens do Sinos, em São Leopoldo.

IHU On-Line - Como o senhor percebe a participação da sociedade e do poder público no caso do Rio dos Sinos?
Rafael José Altenhofen -
Ao poder público cabe o dever de, no mínimo, aplicar a legislação ambiental vigente e nos garantir qualidade de vida. E isso consiste, além de fiscalizar empreendimentos, em fazer seu dever de casa, como por exemplo, preservar banhados e arroios, e tratar o esgoto cloacal urbano, o maior vilão, em volume, do Rio dos Sinos. Por que somente agora começam a ocorrer mobilizações efetivas em torno do tema, quando há décadas técnicos e ambientalistas já alertavam para a situação? Tomara que não seja apenas oportunismo eleitoral.

A sociedade, como um todo, ficou alarmada com a situação do Rio, e até chegou a esboçar algumas reações mais significativas, mas a poeira baixou e, agora, a maioria continua preocupada, mas muito pouco ocupada e pró-ativa frente à questão.

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