Edição 241 | 29 Outubro 2007

Professor x estudante: relações de cuidado

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IHU Online

Para a Profa. Dra. Rosane Kreusburg Molina, a relação de cuidado e cuidador, em sala de aula vêm passando por transformações ao longo dos anos. Por muito tempo, explica, os educadores se se ocuparam em compreender como as pessoas aprendiam, e recentemente, passaram a estudar quem são as pessoas que aprendem. Para ela, essa mudança de paradigma é fortalecedora, pois, além de indicar diferenças, “é uma pergunta profundamente humana”.

O filme O paciente inglês, o qual ela comentará na terça-feira, 30-10-2007, no Cinema e Saúde Coletiva II – Cuidado e Cuidador: os vários sentidos dessa relação, “é extremamente rico em evidências de que uma relação de cuidado exige conhecimento mútuo entre pessoas”. O evento está marcado para às 8h30min na sala 1G119, no Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

Filme: O paciente inglês
Gênero: Drama
Tempo de duração: 160 minutos
Ano de lançamento: 1996
Direção: Anthony Minghella
Elenco: Colin Firth, Clive Merrison, Juliette Binoche, Willem Dafne, Julian Wdham, Naveen Andrews, Kevin WhatelyJürgen Prochnow, Kristin Scott Thomas
Sinopse:  Hana (Juliette Binoche) é uma enfermeira que, durante a Segunda Guerra Mundial, cuida de um desconhecido, que teve o corpo completamente queimado quando seu avião foi abatido. Durante uma longa conversa, o paciente inglês conta para sua enfermeira sobre o grande amor correspondido por Katharine (Kristin Scott Thomas), o relacionamento com seu melhor amigo Geoffrey (Colin Firth) e toda a emoção que ele não gostaria de lembrar. Vencedor de 9 Oscar, incluindo Filme e Diretor.

Molina, docente na Unisinos, integrante do PPG Educação, graduou-se em Educação Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e cursou o doutorado em Filosofia y Ciências de La Educación pela Universidad de Barcelona. Confira a entrevista concedida por e-mail, à IHU On-Line:

IHU On-Line - Como o filme O paciente inglês nos ajuda a entender a relação entre cuidado e cuidador?
Rosane Kreusburg Molina -
A relação entre Ralph Fiennes (paciente) e Juliette Binoche (Hana, a enfermeira), para além dos cuidados de saúde e os conhecimentos específicos deles decorrentes, nos brinda uma observação sobre uma experiência de uma boa relação. Uma boa relação, na dimensão educativa, é aquela capaz de construir um ambiente de confiança entre as pessoas que experienciam a situação. Confiança que autoriza os sujeitos diretamente implicados numa determinada ação a trocarem, entre si, informações, histórias, lembranças, ou seja, legitima conhecimentos entre sujeitos. O filme O paciente inglês é extremamente rico em evidências de que uma relação de cuidado exige conhecimento mútuo entre pessoas que, no caso de saúde, estão em relações mediadas por conhecimentos e objetivos de atenção à saúde.

IHU On-Line - Que cena do filme marca essa relação?
Rosane Kreusburg Molina -
Há muitas cenas. O filme explora tão bem a linguagem cinematográfica na dimensão de imagens e sons que praticamente nos transporta às situações vividas pelos personagens. De qualquer forma, eu destaco uma frase, entre tantas que poderiam ser destacadas ao longo dos inúmeros diálogos. A pergunta do “paciente”: “quantas horas dura um dia no escuro?”, feita no momento em que Hana, ocupada com o cuidado, refere-se a um tempo (técnico) de duração e espera.  Hana poderia não ter dado ouvidos, poderia ter respondido qualquer outra coisa, enfim, poderia ter interpretado de várias formas, mas, coerente com a relação respeitosa e ética que naquele momento já estava construída, nada diz: põem-se igualmente a pensar que as noções de tempo e espaço, mais que noções relativas, têm significado humano.

IHU On-Line - Como a senhora percebe o relacionamento entre professores e alunos? Com o passar dos anos, a relação entre ambos ganhou mais liberdade. Isso significou um avanço ou um retrocesso, já que muitos professores reclamam da falta de respeito dos estudantes?
Rosane Kreusburg Molina -
Para mim e, afortunadamente, para muitíssimos educadores, liberdade sempre significa avanço. É a liberdade que favorece, por exemplo, a discussão sobre ou entre as diferentes possibilidades de leitura do nosso mundo. O fato de a liberdade de expressão, por exemplo, favorecer as discussões nos ajuda a compreender as diferenças, a respeitar as diferenças e, conseqüentemente, a estabelecer diálogos mais qualificados e mais éticos entre ou sobre situações ou fatos com os quais pessoas estão em posições ou situações diferentes. Ser professor é estar num lugar social que é diferente do lugar social do estudante. Não creio que seja a liberdade que possa comprometer essa relação. Talvez a relação venha se complexificando por conta de, por razões diversas e próprias do nosso tempo histórico, nos conhecermos, hoje, menos que ontem, tanto como pessoas quanto como grupos sociais.

IHU On-Line - Como essa relação de cuidado e cuidador se dá nas salas de aula? Há diferenças no ato de cuidar nas escolas públicas e privadas?
Rosane Kreusburg Molina -
Não vejo que possa haver diferenças entre escolas públicas e privadas no que se refere às ações inerentes à docência. As diferenças, obviamente, se localizam nos contextos e nos processos de trabalho, porque instituições educativas, nesse caso, públicas e privadas, têm identidades, propósitos e compromissos próprios, portanto, diferentes.
Para tratar sobre a relação, cuidado-cuidador, em se tratando de professores e estudantes, vou recorrer, sem reducionismos, a uma frase sobre a qual converso muitas vezes em sala de aula: “É saudável cuidar das idéias dos outros e das próprias idéias”. Ou seja, de uma forma muito simples e, portanto, facilmente inteligível, a relação entre pessoas, que se dá numa sala de aula, sempre que mediada pelo conhecimento, exige cuidado, reflexão, vigilância epistemológica e, sobretudo, escuta: consigo e com cada estudante interlocutor.

IHU On-Line - O que falta para fortalecer os laços de afetividade e cuidado entre professores e alunos?
Rosane Kreusburg Molina –
Primeiro, não estou segura que seja possível generalizar que haja essa fragilidade. Nos casos em que esses vínculos não estejam suficientemente estabelecidos, é bom que se avalie o que está ocorrendo. Hoje, por razões bastante conhecidas, as condições sociais, nas quais grande número de professores trabalha, são adversas às exigências da profissão docente. Construir laços de confiança e de afetividade que favoreçam o exercício das nossas capacidades de escuta e de reflexão exige conhecimento, estudo, enfim, competências teóricas que, por sua vez, exigem condições materiais e temporais que os professores têm cada vez menos.

IHU On-Line - Que políticas públicas são necessárias para intensificar a relação dos professores com a escola como um todo?
Rosane Kreusburg Molina -
As políticas educacionais, para falar das políticas diretamente implicadas com os processos escolares, por si só não têm esse alcance. Muitas vezes, têm essa pretensão, mas, por um lado, a relação dos professores com as comunidades escolares e com a vida das escolas está situada no contexto da prática e não no contexto da formulação das políticas. Por outro lado, os formuladores das políticas educacionais ao formulá-las, raramente se preocupam em considerar o que fazem e o que sabem os professores que trabalham nas escolas reais. Portanto, o que podemos reivindicar, como categoria profissional, é que políticas educacionais legitimem as reivindicações de tempos qualificados nos espaços concretos de trabalho para os professores estudarem, dialogarem, avaliarem e dimensionarem suas ações concretamente situadas.

IHU On-Line - O professor deixou de lado a função de ensinar (conteúdos) para agir mais como um cuidador e um conselheiro dos alunos? Como a senhora percebe as mudanças nessa relação, ao longo do tempo?
Rosane Kreusburg Molina -
Aqui, penso que vale lembrar que a escola - invenção da modernidade - talvez seja, entre todas instituições, da qual segue-se “cobrando” que cumpra o que prometeu ao ser concebida – produzir e transmitir conhecimentos – e que também dê conta de tudo mais que se identifica como “demanda” social, até os tempos atuais. Normalmente, admitimos as mudanças sociais e, conseqüentemente, admitimos novas relações nos núcleos familiares, por exemplo. Ora, a escola segue sim produzindo e transmitindo conhecimentos, mas de outra forma. Por que de outra forma? Porque somos outros sujeitos, tanto professores como estudantes, e porque temos demandas subjetivas diferentes das dos tempos passados. Ser professores, conselheiros e cuidadores é situar a docência em tempos e espaços produtores de novas narrativas. Refiro-me às narrativas da escola, dos docentes e dos discentes, sobretudo das crianças e dos adolescentes.

IHU On-Line - Que atividades ou situações podem contribuir para fortalecer essa relação?
Rosane Kreusburg Molina -
As relações entre pessoas são relações de aprendizagem. Vale dizer que não ocorrem naturalmente, ou seja, são relações de aprendizagens quando há essa intencionalidade. Tanto no campo da saúde quanto no campo da educação é difícil dizer onde está o limite do lugar de quem ensina para o lugar de quem aprende sempre que uma relação esteja pautada pela pergunta: quem é o sujeito? Com quem estou dialogando? Por muito tempo, nós, educadores, nos ocupamos em estudar e compreender como as pessoas aprendem para, muito recentemente, nos ocuparmos também em estudar e compreender quem são as pessoas que aprendem. Penso que essa nova pergunta é fortalecedora das relações de aprendizagens porque, além de significar as diferenças, é uma pergunta profundamente humana. 

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