Edição 241 | 29 Outubro 2007

Perfil Popular - Adelina Ana de Negri Boff

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IHU Online

Há sete anos, Adelina Ana de Negri Boff se dedica ao trabalho na Residência Conceição, casa dos jesuítas que trabalham na Unisinos, além da sua família. A infância no interior, em Rolante, foi privada de luxos, mas Ana lembra com muito orgulho da simplicidade em que cresceu. Mãe de um casal de filhos, Ana tem quatro netos que são seus grandes presentes, e ela faz tudo por eles. Em entrevista à revista IHU On-Line, Ana se revelou uma avó “coruja”, falou da perda do seu pai e revelou o seu grande sonho.  Confira, a seguir, a entrevista:

Origens e infância – Adelina Ana de Negri Boff, 60 anos, passou a infância no interior do Estado, em Rolante, seu município de origem. “Morei lá até os sete anos, e minha infância era gostosa, a gente gostava de brincar nos balneários da cidade. Tinha uma relação muito boa com o meu irmão e a minha irmã, e eu era uma criança diferente de hoje, porque tudo estava bom e bonito”, conta.  Ana define sua infância como simples, porém ótima, “e que tenho lembranças boas”, afirma.

Família – O pai de Ana trabalhava na Souza Cruz, empresa de seleção e plantio de fumo para fabricação de cigarro. Sua mãe era costureira. “Mais tarde, meu pai foi para Maquiné, perto de Osório, onde morei até os 17 anos”, conta ela. A família de Ana não era rica, mas ela destaca que nunca passaram por necessidade. “O pai sempre trabalhou e não se sabia o que era passar dificuldade”, salienta.

Casamento e estudos – “Gostava de estudar, mas estudei apenas até o 1º ano do 2º Grau, e ainda morava em Maquiné. Depois, eu casei, com 17 anos.” Ana comenta que não deu continuidade aos estudos porque seu pai não deixava os filhos saírem de casa para estudar fora, e ela teria que ir para Osório, onde, na época, o 2º Grau era mais forte. “Aquilo ali já barrou a vida da gente. Concluí aquele 1º ano do 2º Grau e pronto.”

Trabalho – De Maquiné, Ana foi morar em Santa Cruz do Sul. “Nós tínhamos comércio de frutas e verduras, e eu ajudava meu marido, Geraldo, que viajava para levar as cargas para empresas e trazia frutas e verduras para a gente distribuir no comércio.” Ana conta que, mais tarde, seu marido ficou doente, o que comprometeu o trabalho. “Ele teve problema no coração e já não podia mais viajar. Devido à saúde dele, a gente não pôde mais trabalhar”, comenta.

Mudança para São Leopoldo – “De Santa Cruz, como os negócios não estavam mais como a gente almejava, e a gente teve que vender casa, vender tudo, por problemas financeiros. Minha filha veio pra cá estudar e o meu filho tinha uma loja de cópias na Unisinos, e nos convidou para vir também. A gente veio e começou a trabalhar com ele”, conta Ana sobre sua mudança para São Leopoldo, há 11 anos.

Residência Conceição – Enquanto trabalhava na loja de cópias, Ana conheceu o Padre Sebaldo Schuck, que morava na Residência Conceição, casa dos jesuítas que trabalham na Unisinos. O Padre Sebaldo trabalhou durante muitos anos no setor de Suprimentos da Unisinos, e, atualmente, reside em Salvador do Sul. “Ele conhecia uma das funcionárias da loja de cópias e precisava de alguém para ajudar uma cozinheira na praia, e eu disse que eu iria. Fiquei um mês inteiro fora de casa, o que nunca tinha feito, sem conhecer ninguém, apenas o Padre Sebaldo”, conta. No ano seguinte, Ana foi novamente para Tramandaí auxiliar como cozinheira. Foi desta forma que Ana conheceu todos os padres da casa, que gostaram do seu trabalho e a convidaram para passar a trabalhar com eles na Residência Conceição. “Depois de tantos anos, a primeira vez que trabalho fora é agora. Já estou a sete anos trabalhando na casa e é minha primeira experiência como empregada. É bom, é gratificante e dignificante”, destaca Ana. Ana chega ao trabalho às 06h e sai às 15h. Seu trabalho consiste em fazer o café da manhã, ajudar na lavanderia e na rouparia.

Perda – Aos 42 anos de idade, Ana perdeu o seu pai. “A gente sentiu muito, porque ele era daqueles ‘paizão’.” Ele tinha problemas cardíacos, mas a gente nunca imaginava que fosse morrer de repente”. A perda foi muito grande, mas Ana tem boas recordações do pai. “Apesar de ele ser enérgico e não deixar os filhos saírem de casa para estudar, ele era muito bom pai e muito amigo da gente”, destaca.

Filhos e netos – Maribel, hoje com 42 anos, foi a primeira filha de Ana, que engravidou aos 17 anos. Quanto estava com 22 anos, veio o segundo filho, o Giovani, 37 anos. Ana destaca que a maternidade foi uma experiência muito boa e “não deu trabalho, porque tinha a mãe por perto e sempre gostei de crianças. Seguido eu estava ajudando a cuidar dos nenês de conhecidas nossas”, explica. Seus filhos lhe deram quatro netos: Giórgia e Gabriel, de 10 anos, Carmela, de 19, e Pietro, de 11 anos. Ana se define como uma avó coruja e prestativa. “Aquela avó que dá a vida pelos netos. Sou aquela “vózona””.

Sonho – Se fosse mais jovem, Ana gostaria de voltar a estudar, mas agora seus sonhos são continuar trabalhando e ser feliz. Mas há algo que ela considera muito maior: “ter a minha casa própria”. Ana explica que quando morava em Santa Cruz do Sul tinha sua casa, mas agora mora de aluguel. “Teve um problema de saúde com o meu marido, e, como a minha filha não é casada, quase não contava com o dinheiro, porque tinha que ajudar a filha e os netos. Veio de novo um problema de saúde no meu marido, que teve que fazer duas cirurgias de câncer. E isso tudo tem gastos. Então, aquele sonho tu deixa de lado, porque tem que priorizar a saúde”, enfatiza.

Lazer - Na folga, do trabalho, que é de uma hora, Ana aproveita para assistir televisão ou ler uma revista ou jornal. Já os finais de semana ela aproveita para passear. Os roteiros incluem cultura e meio ambiente “A gente gosta de ir à Feira do Livro de Porto Alegre. Meu filho mora em Pelotas e tem conhecidos dele que têm uma fazenda no Chuí. Foi em um passeio até lá que fiquei conhecendo a Reserva Ecológica do Taim e o Mar de Ermenegildo. Gosto muito de curtir a natureza e é bom passear, porque a gente se descontrai”, afirma.

Mãe – A mãe de Ana, Dona Odila, é o seu maior exemplo. “Ela está com 93 anos e é muito lúcida. Se tu conversa com ela, tu não dá essa idade”, conta Ana, orgulhosa da mãe. Ana conta que apesar da idade, sua mãe ainda faz crochê, joga carta e bingo com as amigas e mora sozinha, em Santo Antônio da Patrulha. “Ela tem uma vontade de viver e não admite que seja velha. Ela diz que as amigas dela são velhas, mas ela não.” Ana define a mãe como “um espelho bom para a gente”.

Religião – Católica e fiel às missas, Ana acredita que ter fé “é saber que com tanta coisa que acontece pra ti, tu sabe que Deus está em primeiro lugar, outras coisas vêm depois. Com aquela fé, aquela promessa, tu almeja as coisas e parece que tudo vem”. E o que conquistou com a ajuda de Deus Ana reconhece e dá muito valor. “Se eu não fosse uma pessoa de fé, eu jamais teria voltado a trabalhar. Quando eu vim pra cá, depois de ter que vender tudo, e me privar do que eu tinha, eu entrei numa depressão. Só Deus que me fez levantar a cabeça e me mostrar que não se pode fraquejar.”

Política brasileira – “Podia melhorar tanta coisa. Em primeiro lugar, a saúde. Depois, o ensino”, ressalta Ana.  Ela acredita que as melhorias não estão aparecendo por reflexo de governos anteriores. “Os problemas vieram de um para o outro”, afirma. Ana relaciona a política com uma família. “Se um membro não tem uma ligação contigo, que tu possa seguir adiante, não tem como tu seguir sozinho e manter”, destaca. Ana revela que não está descontente com a política do país, mas esta poderia melhorar. 

Momentos marcantes – Hoje em dia, a minha maior felicidade de Ana são os seus filhos e netos. Algumas tristezas passaram pela sua trajetória, mas ela passou por cima de todas elas.  “A gente lembra de algumas coisas com tristeza, mas tem tanta coisa boa que aconteceu, que a gente deixa vir mais alegria.” Ana reconhece que sempre haverá desafios para enfrentar na vida, mas “a gente consegue superar com um pouco de alegria junto”, conclui.

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