Edição 241 | 29 Outubro 2007

Resilência não se opõe à teoria de Freud

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IHU Online

“A experiência clínica corrobora que a existência de solidariedade e a construção de redes vinculares podem ser um predecessor de possíveis desenvolvimentos resilientes”, afirma o psicanalista argentino Rubén Zukerfeld, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Ele é membro da Asociación Psicoanalítica Argentina e da International Psychoanalitical Association. Também é professor do Instituto Psicossomático de Buenos Aires e do Instituto Favaloro, supervisor do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Buenos Aires e do Departamento de Transtornos Alimentares do Hospital Rivadavia, fundador da Asociación Argentina de Obesidad e autor de, entre outros, Procesos terciarios - de la vulnerabilidad a la resiliência (Buenos Aires: Lugar Editorial, 2006).

IHU On-Line - Em que sentido a saúde e a recuperação podem ser consideradas um mistério?
Rubén Zukerfeld -
Em um sentido parecido ao que Freud  se perguntava pela escolha heterossexual e pela possibilidade de ser feliz devido ao mal-estar na cultura. A idéia é que existem tantos fatores que vão de encontro àquelas condições que constituem ainda um mistério de como podem se produzir. Por outro lado, a história da medicina, e também a da psicanálise, tem sido tradicionalmente a de investigar por que se adoece e, portanto, há enigmas importantes sobre por que não se adoece e o que é realmente o que cura ou ajuda a recuperar a saúde.
 
IHU On-Line - Como ocorre a passagem da vulnerabilidade para a resiliência?
Rubén Zukerfeld -
Basicamente através da eficácia terapêutica dos vínculos significativos em sua função de apoio e de oferecimento de modelos de identificação. Estes vínculos podem se dar em contextos terapêuticos formais ou em âmbitos informais e aleatórios. A experiência clínica corrobora que a existência de solidariedade e a construção de redes vinculares pode ser um predecessor de possíveis desenvolvimentos resilientes.

IHU On-Line - Quais são os principais potenciais e capacidades para se desenvolver e alcançar níveis aceitáveis de saúde e bem-estar, apesar das adversidades sofridas por uma pessoa, uma família, uma comunidade?
Rubén Zukerfeld –
Resumidamente, seriam a capacidade de ter projetos, de poder expressar os afetos, de bom humor, de buscar ajuda e de autocontrole. Diversos autores têm enfatizado a melhora da auto-estima, o desenvolvimento do pensamento crítico e a criatividade.

IHU On-Line - A resiliência pode ser considerada como uma característica da saúde mental?
Rubén Zukerfeld –
Sim. Mas pode acontecer – e é habitual - que se conquiste saúde mental sem que exista um desenvolvimento resiliente. Uma pessoa que sofreu uma depressão e se curou recuperou a saúde mental sem que isso implique em resiliência. Mas quando se pode determinar que houve um desenvolvimento resiliente, ou seja, um processo de transformação subjetiva, se considera que se obteve saúde mental.
 
IHU On-Line - Na sociedade atual, temos mais ou menos resilientes? As pessoas são mais resilientes com as adversidades hoje?
Rubén Zukerfeld –
É difícil responder rigorosamente a esta pergunta. A única coisa que posso afirmar é que hoje em dia contamos com o conceito “resiliência”, o que permite pensar a adversidade de outro modo e isso influi em qualquer recurso terapêutico que se ponha em jogo, o que não existia em outra época. Mas não se pode comparar “antes” com a atualidade.
 
IHU On-Line - Quais são as características que deve ter o tutor de resiliência? Como diferenciar suas atitudes de atitudes paternalistas? Como não cair em paternalismo?
Rubén Zukerfeld –
O tutor (no sentido dado por Boris Cyrulnik ) é alguém ou algo (por exemplo, uma obra de arte) em que o danificado pela adversidade se apóia (do mesmo modo que literalmente o faz uma planta débil até que se fortaleça). Um tutor não é um padrinho e ele pode ser, por exemplo, um filho do danificado. O paternalismo é um desvio possível, mas não corresponde ao conceito em si.
 
IHU On-Line - Como o senhor percebe a atuação dos profissionais de psicologia acerca do tema da resiliência?
Rubén Zukerfeld –
De três modos distintos: a) um setor que estende excessivamente a terminologia e inclusive a confunde com talentos especiais; b) um setor que o rejeita de modo geral, sem entender bem de que se trata, e o confunde com procedimentos de dominação social; e c) um setor que o investiga com diferentes perspectivas e o põe à prova no contexto da produção clínica e teórica atual. O primeiro setor tende a somar-se sem pensamento crítico a uma espécie de moda e o segundo setor está dominado por distintos prejuízos causadores de obstáculos.
 
IHU On-Line - A teoria freudiana, que estuda as conseqüências das situações traumáticas, não seria contrária à resiliência, que estuda os efeitos “positivos” de uma situação dramática, de sofrimento? Em que sentido o senhor, como psicanalista, a partir do paradigma da resiliência, percebe essa questão?
Rubén Zukerfeld –
As teorias freudianas e seus derivados pós-freudianos têm posto em evidência a eficácia patogênica dos eventos traumáticos. O “paradigma da resiliência” não presume efeitos “positivos” dos mesmos, mas questiona o determinismo lineal que supõe que todo evento destrutivo é traumático e gerará inexoravelmente patologia. Em nossas publicações, o que afirmamos é que, em todo caso, certas condições adversas, quando não existe apoio vincular, geram uma condição de funcionamento psíquico, que consideramos “vulnerável”. Mas vulnerabilidade não é enfermidade e é essa vulnerabilidade o que ocasiona, em determinadas circunstâncias, resiliência, como falamos na pergunta dois. Ninguém duvida do sofrimento nem ninguém duvida da ferida, mas a questão é que esta não se converta em menos-valia. Daí que o desenvolvimento resiliente não questiona as teorias freudianas, mas problematiza certo determinismo ingênuo que, às vezes, existe em alguns âmbitos psicanalíticos e psiquiátricos.

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