Edição 240 | 22 Outubro 2007

Invenção

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IHU Online

Esta nova editoria, semanal, é dedicada à publicação de inéditos de poetas da literatura contemporânea do Brasil, com mais de um livro, ou que recém publicaram suas primeiras obras, ou que publicam em revistas eletrônicas e sites. Poetas que procuram algum sentido de invenção. O nome da editoria é uma homenagem à revista de poesia publicada pelo poeta Décio Pignatari nos anos 1960. Ela apresentou, ao longo de seus poucos, mas importantes números, autores como Paulo Leminski e certamente dialoga com a categoria de “poetas inventores”, criada por Ezra Pound, que seriam os homens “que descobriram um novo processo ou cuja obra nos dá o primeiro exemplo conhecido de processo”.

Em pleno século XXI, a categoria de “inventores”, no entanto, não é a mais interessante para delimitar o trabalho dos poetas. É importante, nesse sentido, lembrar que a palavra “invenção” remete à própria origem da palavra poesia, em grego: poíesis – ação de fazer e criar alguma coisa. Com esta editoria, a IHU On-Line tentará proporcionar ao leitor e à leitora um contato também com poetas emergentes, através de introduções que falam sobre os seus escritos, na tentativa de apresentar um pouco do que se produz hoje no Brasil nesse gênero, como diriam Décio Pignatari e Augusto de Campos, dois dos criadores da poesia concreta, “à margem da margem”. Nesta edição, apresentamos um poema de Armando Freitas Filho.

Armando Freitas Filho nasceu no Rio de Janeiro, em 1940. Autor de inúmeros livros, a reunião de sua obra completa, entre 1963 e 2003, encontra-se no volume Máquina de escrever (São Paulo: Nova Fronteira, 2003). Depois dele, lançou Raro mar (São Paulo: Companhia das Letras, 2005), um dos ganhadores da categoria de melhor de livro de poesia no Jabuti 2007.

Também ganhou o Jabuti de melhor livro de poesia por 3 x 4 (1985) e o Prêmio Alphonsus Guimaraens, concedido pela Biblioteca Nacional, pelo livro Fio terra (2000).

O poeta foi pesquisador na Fundação Casa de Rui Barbosa, secretário da Câmara de Artes no Conselho Federal de Cultura, assessor do Instituto Nacional do Livro, no Rio de Janeiro, pesquisador na Fundação Biblioteca Nacional e assessor no gabinete de presidência da Funarte, onde se aposentou.

De um início marcado pela influência da poesia práxis, Armando enveredou por uma poesia que, a partir de um diálogo com Ana Cristina Cesar, é marcada por imagens de impacto, às vezes revelando uma tensão corporal, outras uma violência que se liga à realidade, sobretudo do Rio de Janeiro, onde o poeta vive. Em contraposição aos poemas que realizou nos anos 1970, influenciados em parte pela poesia marginal, seu verso foi ficando cada vez mais simétrico, e em suas últimas obras, Numeral e Raro mar, ele escreve um work in progress intitulado “Numeral” – indicando um equilíbrio matemático. Nele, se mostra também cada vez mais visível o diálogo de Armando com a poesia de Drummond e de João Cabral, aliando um pathos existencial à construção lingüística e metalingüística de maneira singular. Há no olhar desse poeta uma predileção comprovada pelo que está ausente, mas acaba sempre regressando, seja à memória, seja à escrita, da qual se extrai, em gestos pausados, deslocamentos de espaços, recriação de imagens reais ou fotográficas e de objetos. Armando não foge a temas que poderiam ser considerados banais, querendo atingir um sentido épico – mas a jornada que ele realiza por ambientes ausentes nada mais é do que um novo pathos do sujeito, que se vê impossibilitado de prosseguir em sua rotina de desencavar palavras do nada. O que persegue Armando não é diferente do que um sujeito que busca a reflexão sente: é o entendimento de seus próprios gestos, mas que depende do Outro e da tradição literária.

O poema a seguir, “Para este papel”, que Armando enviou especialmente à IHU On-Line, foi lançado no sábado, dia 20 de outubro, num livro, projetado por Sérgio Liuzzi e com acabamento de Paulo Esteves, com a tiragem de 50 exemplares, numerados e rubricados pelo autor. O livro é feito em papel cristal, com os versos gravados com a caligrafia de Armando, que escreve, na apresentação: “Os poemas foram inspirados por este papel cristal, não só pelo nome mas por sua propriedade”. O lançamento de “Para este papel” ocorreu no POP (Pólo do Pensamento Contemporâneo), no Jardim Botânico do Rio de Janeiro.


  
PARA ESTE PAPEL

Escrito neste papel onírico
feito de vestígios de nuvem
o poema procura não pesar
nem ferir o sono da folha debaixo.
Prefere que transpareça o sonho
a magia que animou a mão
e a elevou, até tocar o céu.


O que pousa nesta página
não marca, nem com a tinta
da pena, a sua face oferecida.
Não marca, mas pretende apontar
o que está atrás da aparência
que o círculo da lâmpada não ilumina
que o aro do sol não queima.

                                               (outono é ponte)
                                               Alice Sant'anna

Estas folhas não numeradas
existem para acolher melhor
qual estágio da expressão?
O do insistente verão que o sol
declama? O da lâmina do inverno?
Ou o das passagens, das pontes
e poentes, do outono e primavera?


A caligrafia busca a beleza
através da letra: traço, volteio
que a mão treinada realiza
dentro da pauta estreita.
Na contramão, a outra, selvagem
tem estilo diferente: livre e preso
no gráfico acidentado dos sentidos.

                                                        
                                               p/Cri

Sua pele, sua palma aberta
aceita minha escrita leve.
Se a força de antes, que calcava
se foi, o que ficou, perto do fim
ainda deseja cobrir, com amor
a distância inconquistável, talvez
por natureza, terra de ninguém.
Que o vento não venha
dar asas às folhas
e não à imaginação, não
as solte dos seus ramos, não
as perca, nem por um segundo
as esqueça, sobre a mesa
sem o peso de um peso de papel.


Não passem, estas páginas, depressa.
Não se perca logo o matiz de sua tez
feito de um flagrante do ar livre.
Fiquem aqui as palavras escritas
resistindo ao desmaio do esmaecer.
A transparência deste papel, pelo
menos, não se rasgará com o tempo.


  

 

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