Edição 239 | 08 Outubro 2007

Jacobina: eternizada pela população de Sapiranga, no Vale dos Sinos

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

IHU Online

No dia 20-10-2007, o Instituto Humanitas Unisinos – IHU exibirá o filme A paixão de Jacobina, de Fábio Barreto, que faz parte da programação do evento Formação sócio-político-econômica-cultural do Rio Grande do Sul: Olhares da produção audiovisual sobre o Rio Grande do Sul. Para debater sobre o tema, estarão presentes as Profa. Dra. Marines Kunz, da Feevale, e a Profa. Dra. Flávia Seligmann, da Unisinos. O encontro está marcado para as 8h30min, na sala 1G119.

Jacobina sempre despertou comentários, sentimentos e curiosidades à população de Sapiranga. A família Mucker se tornou um mito na localidade do Vale do Rio dos Sinos, Rio Grande do Sul, sendo alvo das mais variadas interpretações. Em alguns locais da cidade, a memória de Jacobina permanece viva. De acordo com Daniel Gevehr, doutor em História pela Unisinos, tanto os monumentos quanto a nomeação de lugares da localidade associadas ao passado dos Mucker “podem ser entendidos como uma necessidade que essa comunidade teve (e ainda tem) de ressignificar os Mucker de acordo com os interesses de cada época e contexto”, explica. Para ele, a construção do imaginário da população local se deu “através de uma ampla teia de processos de significações, que tem na historiografia, na literatura, na imprensa, no cinema e na arte”.

Daniel Gevehr é graduado, mestre e doutor em História, pela Unisinos. Ele produziu a tese intitulada “Pelos caminhos de Jacobina: memórias e sentimentos (res)significados” .

IHU On-Line - Como o senhor define Jacobina?
Daniel Gevehr –
Primeiramente, acredito que não possamos definir Jacobina, mas sim buscar compreender como a líder dos Mucker  foi representada em diferentes momentos, desde o período do conflito, que teve seu desfecho em 1874, até os dias atuais. Ao longo desse período, percebemos que Jacobina  foi inicialmente representada como alguém cujas características morais estavam associadas ao fanatismo religioso e aos acontecimentos que levaram à criação de dois grupos na Antiga Colônia Alemã de São Leopoldo : de um lado, estavam os Mucker, liderados por Jacobina, e do outro estavam seus combatentes, representados principalmente pela Igreja e pelas autoridades policiais da época. Nesse sentido, Jacobina teve sua imagem denegrida até praticamente meados do século XX, quando se inicia uma nova fase de estudos sobre o tema, a partir dos quais surgem novas obras que procuram rediscutir o conflito e também o papel desempenhado por ela nesse contexto. Foi principalmente na passagem do século XX para o século XXI que Jacobina tomou posição de destaque nessa história, quando o cinema a reapresenta ao público (ainda que de forma ficcional). Foi também nesse momento que Jacobina foi ressignificada pela própria comunidade sapiranguense (local onde ocorreu o conflito), que tomou a personagem como ícone de desenvolvimento do turismo histórico-cultural, o que se tornou evidente através da criação do roteiro turístico Caminhos de Jacobina.

IHU On-Line - Como se deu a construção do mito de Jacobina e da Família Mucker? Que razões apontam para a sua preservação no imaginário da população local?
Daniel Gevehr -
A construção do mito Jacobina se deu – e ainda se dá – através de uma ampla teia de processos de significações, que tem na historiografia, na literatura, na imprensa, no cinema e na arte, seus veículos de difusão. Tanto os Mucker quanto sua líder Jacobina foram alvos de múltiplas interpretações, que tiveram esses veículos como meios de difusão de idéias e ideologias que, por sua vez, acabaram contribuindo para a construção dos imaginários sociais sobre os Mucker. Através da análise desses diferentes meios de difusão se torna perceptível como, desde o final do século XIX até os dias atuais, a imagem dos Mucker passou por diversas transformações. Se, num primeiro momento, esses foram representados como fanáticos e culpados pelo conflito, aos poucos a sua imagem foi sendo cada vez mais associada à posição de vítimas das circunstâncias e da incompreensão da sociedade de seu tempo. No entanto, a revitalização do mito Jacobina se deu principalmente no início desse século, quando o cinema a coloca como personagem de destaque nas telas das salas dos cinemas brasileiros. A partir de então, Jacobina se torna uma personagem de visão nacional, e não apenas regional, como fora até então.
 
IHU On-Line - Por um longo período, a população da cidade tinha aversão aos Mucker. Como essa concepção foi construída e que fatos contribuíram para que mudasse ao longo do tempo? A imprensa da época foi a grande causadora da distorção dos Mucker?
Daniel Gevehr -
Vários elementos contribuíram para a transformação da “visão” que os sapiranguenses tinham dos Mucker. Num primeiro momento, temos que destacar a repercussão da obra O episódio do Ferrabraz , de autoria de Leopoldo Petry  , e publicada em 1957. Através de sua obra, o autor procurou rediscutir o conflito, apresentando os Mucker de forma bastante diferente – e não detratora –, como se tinha até então na obra publicada pelo padre jesuíta Ambrósio Schupp  no início do século XX . Já na década de 1970, a historiadora Janaína Amado  lançou uma obra que deu um novo panorama sobre o tema, procurando rediscutir os diferentes fatores envolvidos no conflito. Daí em diante, aparecem vários outros estudos, que, em grande medida, contribuíram para a mudança da imagem que a comunidade tinha dos Mucker.

IHU On-Line - De que maneira os lugares que lembram a memória de Jacobina (a estátua de Genuíno Sampaio , a Cruz de Jacobina  e o cemitério no Bairro Amaral Ribeiro, em Sapiranga) se relacionam com o imaginário social sapiranguense?
Daniel Gevehr -
Os lugares de memória dos Mucker estão diretamente associados aos interesses de se lembrar/esquecer dos fatos que marcaram a história do conflito. No caso da comunidade sapiranguense, observamos que essa procurou eleger determinados lugares para “manter vivo” o tempo dos Mucker. Tanto os monumentos quanto a nomeação de lugares da cidade ou até mesmo de instituições que se associam a esse passado Mucker podem ser entendidos como uma necessidade que essa comunidade teve (e ainda tem) de ressignificar os Mucker de acordo com os interesses de cada época e contexto.
 
IHU On-Line - Sua tese se dividiu em três momentos: de 1903 a 1932, época em que não se falava de Jacobina e dos Mucker; num segundo momento, a partir dessa data, ocorreu o resgate da identidade sapiranguense ligada aos Mucker. E, no terceiro momento, a partir dos anos 1960, eles passam a deixar de ser um tabu para a comunidade. Como o senhor avalia esses três momentos? Qual é o sentimento dos moradores de Sapiranga em relação à Jacobina e a seus familiares, em cada momento?
Daniel Gevehr -
Podemos entender esses diferentes momentos como resultado de interesses coletivos e também de aspirações políticas e de diferentes grupos sociais que contribuíram e manipularam os imaginários sociais sobre os Mucker. Se, num primeiro momento, o Coronel Genuíno Sampaio  é apresentado como o herói, Jacobina é apresentada como a figura do anti-herói, o que nos leva a acreditar na intenção de se construir uma imagem negativa e fanatizada dos Mucker, enquanto enaltece a atuação militar nesse contexto. Além disso, o tema Mucker era algo que se procurava não comentar muito entre os moradores de Sapiranga até meados do século XX, uma vez que sua história ainda provocava sentimentos controversos entre familiares e vizinhos. Porém, a partir das décadas de 1950 e 1960, os Mucker se tornaram um tema que despertava a atenção dos sapiranguenses, o que se observa principalmente através da publicação de diversos artigos sobre o tema na imprensa de Sapiranga, onde o jornal O Ferrabraz imperava, influenciando idéias contrárias aos Mucker. Foi somente na última década do século XX que a comunidade procurou rediscutir abertamente essa questão, tendo em vista a possibilidade de desenvolvimento econômico do município a partir do turismo histórico-cultural. Conseqüentemente, podemos afirmar que essa ressignificação em relação aos Mucker se deu muito mais em decorrência de fatores econômicos e políticos do que efetivamente de uma mudança de pensamento da comunidade.

IHU On-Line - Como o senhor avalia a produção cinematográfica A paixão de Jacobina, produzida por Fábio Barreto? De que maneira o filme contribuiu para a produção da sua tese?
Daniel Gevehr -
Considero que a obra cinematográfica contribuiu de forma decisiva para a difusão da história do conflito no cenário nacional. Reconheço ainda que a cinematografia não tem compromisso com a veracidade dos fatos históricos e não se pretende como uma difusora da história do conflito Mucker. No entanto, percebo que a imagem construída para a personagem Jacobina contribui, mais uma vez, para a construção de um imaginário que apresenta a líder dos Mucker como alguém cujas características psicológicas não conferem com o papel desempenhado por Jacobina no morro Ferrabraz. O filme evidencia a imagem de uma mulher em transe, alheia aos acontecimentos da colônia e despreocupada com os acontecimentos, o que não confere com as narrativas existentes sobre sua atuação no grupo. Além disso, a quebra com a seqüência de fatos e personagens é outro aspecto que precisa ser analisado. Mesmo que tomemos a cinematografia em suas especificidades, acreditamos que essa, ao apresentar “a história da mulher que falava com Deus”, causa uma sensação de realidade no público. Nesse sentido, acredito que A paixão de Jacobina contribuiu para a construção de uma imagem um tanto distorcida da realidade dos próprios colonos do Ferrabraz (que aparecem vestidos com trajes alinhados) e também dos fatos e personagens que estiveram envolvidos com o conflito Mucker.

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição