Edição 239 | 08 Outubro 2007

Perfil Popular - Antoninha Della-Méa Lima

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IHU Online

Há 17 anos, Antoninha Della-Méa Lima se dedica ao trabalho com crianças e adolescentes na ONG do Círculo Operário Leopoldense, na Vila Paim, em São Leopoldo. Além disso, ela atua como Promotora Legal Popular, auxiliando mulheres vítimas de violência doméstica. A rotina pode, às vezes, ser cansativa, e afastá-la de momentos de lazer. Mas o impressionante é que ela faz tudo isso aos 61 anos de idade. E o melhor: ainda não pensa em parar. Confira, nesta edição, a entrevista concedida por ela à revista IHU On-Line:

Origens – Descendente de portugueses, por parte de pai, e italianos, por parte de mãe, Antoninha Della-Méa Lima nasceu no interior de Tupaciretã. Ela conta que seu pai era pecuarista e a sua mãe era dona-de-casa. “Tenho dois irmãos, mas, do meu pai, sou filha única. Minha mãe era viúva e já tinha dois filhos. Minha irmã, a Libânia, já é falecida, e  Alberi, meu irmão, mora em Cruz Alta.”  Com 61 anos, Antoninha é a mais nova dos três irmãos. Na infância, o contato com eles foi restrito, por causa da diferença de idade. “Meu irmão está com 78 anos, e minha irmã era dois anos mais velha que ele.”

Infância – Embora trabalhasse muito no campo e na lavoura, Antoninha afirma que sua infância foi boa. “Com nove anos de idade, eu tirava leite das vacas. Mesmo trabalhando, a gente fazia muitas brincadeiras. A gente era muito arteiro, de subir em árvores. Eu brincava com os filhos dos vizinhos. A gente ia na aula juntos, estudava longe de casa, tinha que caminhar um bom pedaço para chegar”, conta. O que mais marcou a vivência de Antoninha no interior foi colher a fruta da árvore e comer. “Hoje, a gente não vê mais isso. Tem muita criança que não sabe que o leite vem da vaca. A gente tinha uma vida muito saudável, porque tinha muita fartura de alimentos naturais, nada era industrializado. Além disso, não tinha a violência que tem hoje, dava até para dormir com a porta aberta.”

Estudos – “Comecei a trabalhar com nove anos em casa, para ajudar os meus pais. Como era interior, a professora vinha de um município, ficava hospedada na casa de um morador e dava aula em uma escolinha municipal do interior. Eu tinha sete para oito anos, quando eu comecei na escola para me alfabetizar.” O período de escola foi marcante para Antoninha que sempre gostou de estudar, principalmente matemática. Ela estudou até o Magistério, o que hoje é chamado de 2º Grau. Não chegou a fazer faculdade, primeiro porque não havia universidade onde morava, depois porque casou e vieram os filhos. “O estudo é fundamental na vida de qualquer pessoa. Se fizesse faculdade, seria na área do Direito, porque sou apaixonada por Direito. Acho que a Lei, sendo bem interpretada, é tudo. E o nosso país tem carência de bons advogados, principalmente na área da mulher e na área da criança”, revela.

Casamento – Aos 22 anos, Antoninha casou-se. Ela conta que não era um sonho, mas a união já dura 40 anos. “Não sou da idéia de que é necessário casar. Acho que se é para casar hoje e separar amanhã é melhor não casar. Eu acho que ambos têm que avaliar se é aquilo que querem. Comigo, foi o que eu quis e deu certo. Se não desse, teria separado, tranqüilamente.” O segredo para ter felicidade na vida a dois é o respeito. “No momento que perder o respeito, tem mesmo que se separar, de preferência, enquanto há alguma amizade”, avalia. 

Filhos – Antoninha tem três filhos: Leandro, de 30 anos; Sandro, de 33; e Alex, de 38. Orgulhosa, ela fala da independência deles. “O meu filho mais novo não quis fazer faculdade, mas tem negócio próprio, em São Leopoldo. O mais velho é psicólogo e vereador em Cruz Alta. O do meio trabalha na Prefeitura de São Leopoldo e faz Publicidade e Propaganda na Ulbra, em Canoas. Eles representam tudo para mim, e todos os dias eu agradeço a Deus por eles”. 

Mudança para São Leopoldo – Antoninha morou no interior de Tupaciretã até os 15 anos. “Depois, fui para Cruz Alta, para terminar os estudos. Meus pais moravam em Cruz Alta, mas meu pai continuava tendo terras em Tupaciretã. Ficava lá e cá, como se diz.” Há 33 anos, Antoninha mora em São Leopoldo, na Vila Campina. Ela explica que a mudança teve origem com o seu marido. “Ele sempre trabalhou em oficina mecânica. Logo depois que a gente casou, moramos em Erechim. Como lá o serviço estava complicado, ele optou por ir morar em Novo Hamburgo, porque a sua mãe morava na cidade. Morei seis anos lá, em casa alugada, porque nosso poder aquisitivo não dava para comprar terreno. Aí, optamos por São Leopoldo, que era mais barato.”

Trabalho – Antoninha conta que já trabalhou em vários lugares, como em biblioteca e na diocese de Novo Hamburgo, na coordenação de catequese. Há 17 anos, ela se dedica ao trabalho com crianças e adolescentes, em em turno inverso ao das aulas, na ONG do Círculo Operário Leopoldense, na Vila Paim, em São Leopoldo. A decisão tem influência com o período em que coordenou a catequese. “Por isso, tenho facilidade em lidar com esse público. Na época pensei: vou aceitar o desafio e ver quantos dias eu fico. E estou lá até hoje.” Antoninha explica que o trabalho da ONG é constituído por projetos, além de muita dedicação. “Eu trabalho violência e sexualidade com os adolescentes, às terças-feiras. Debatemos temas como a violência do bairro e fazemos trabalho artesanal, também. Nas quintas-feiras, atendo à comunidade, como Promotora Legal Popular, principalmente mulheres vítimas de violência doméstica. Nesse ano, em função de estar aposentada, eu diminuí 4 horas da carga de 24 para poder fazer outras coisas”, destaca. Ao longo dos anos dedicados à ONG, muitos adolescentes passaram por Antoninha, e a amizade é o que mais marcou. “Gosto muito daquela gurizada. Tenho uma relação de amizade muito grande com eles e eles comigo. Alguns que passaram pela ONG já são pais e mães. Outros não se deram bem na vida, estão presos ou mortos”.

Ensino – Para Antoninha, a qualidade do ensino decaiu muito e ela não vê perspectivas de mudança. “As faculdades só pensam em dinheiro. E, quando o universitário sai, o campo dele é muito limitado. Na escola pública, pela qual a gente briga, os professores são mal remunerados e não têm condições de trabalho. Agora, veio mais essa outra bomba de unir quase 50 alunos em uma sala de aula. Uma secretária de educação dizer que isso é qualidade de ensino é vergonhoso, para a gente que trabalha nessa área”, avalia. 

Promotora Legal Popular – Esta é outra atividade de Antoninha na Vila Paim. Ela conta que o principal no trabalho é poder escutar aquelas mulheres que chegam fragilizadas por causa da violência doméstica. “Elas não têm coragem de sair do relacionamento, muitas vezes, por motivos financeiros ou por causa dos filhos. E a gente tenta fortificá-las”, explica. Segundo ela, São Leopoldo é um município muito carente para atender a essas pessoas. “Se a mulher é agredida, ela não tem para onde ir. Agora, com a Lei Maria da Penha, as coisas estão melhorando, mas ainda tem muito a ser feito. Em primeiro lugar, os juristas precisam ter conhecimento da Lei e querer aplicá-la. As próprias pessoas que estão na Delegacia, além de conhecer a Lei, têm que respeitar as mulheres. Do contrário, elas são vítimas duas vezes: quando chegam em casa e quando vão prestar uma ocorrência. Gosto muito do meu trabalho, e ainda não pensei em parar, mesmo estando aposentada”, avalia.

Momentos marcantes – Ter tido os filhos, que estão bem encaminhados na vida, é o que já aconteceu de mais feliz na vida de Antoninha. “Acho que isso deixa todo o pai e toda a mãe feliz”, completa. Como momento triste, ela relembra o período da Ditadura Militar, “que a gente não podia falar o que sentia. Foi um momento negro da nossa história”. No entanto, Antoninha sente que as tristezas não acabaram junto com a Ditadura. “Quando a gente ouve uma mãe dizer que há uma semana não tem comida em casa para dar para um filho, é muito triste, vivendo em um país como o nosso, que é rico, mas a renda é mal distribuída”, salienta.

Netos – Antoninha tem quatro netos: Priscila, de 17 anos, que estuda na Unisinos; Ernesto, irmão dela, de 8; Carolina, de 14, que está terminando a 8ª série, e Maiara, que estuda na Unisinos e quer fazer odontologia na UFRGS, e “é a neta “emprestada”, “porque quando o meu filho casou, sua esposa já tinha uma filha”, explica. Vó coruja, Antoninha afirma: “Quero muito bem todos os meus netos. E sou mais apegada com a Carolina, porque meu filho morava conosco e ela se criou na minha casa. Ela é a que mais me explora, está sempre me pedindo alguma coisa”, brinca.

Lazer – Passear é a preferência de Antoninha, nos momentos de folga. “Vou a Imbé, no litoral gaúcho, onde temos casa. Às vezes, vou para a serra ou para Cruz Alta, onde mora meu filho. Agora, no feriado, vamos para Nova Palma, no interior do Estado, porque vai ter uma festa da família, realizada de dois em dois anos”. Além de passear, Antoninha comenta que gosta de fazer as limpezas em casa, “que sempre tem precisa fazer”, argumenta.

Sonho – “Ver as minhas netas formadas.” Antoninha destaca que não tem sonhos materiais, porque graças a Deus, já conquistou o que queria. “Tenho casa própria e carro, embora não dirija por medo.” Em relação ao país, ela afirma que tem o grande sonho de vê-lo melhor, com menos injustiça e menos desigualdade. “E que os homens tratem melhor a natureza”, ressalta.

Fé – Antoninha já teve um envolvimento muito forte com a Igreja, o que hoje não acontece mais. “Acho que todo o ser humano tem que crer em um ser superior, mas, para isso, não é preciso estar dentro de uma Igreja, nem escutando um pastor”.

Política brasileira – “A confiança nos políticos está abalada, porque no momento que para governar um país tem que fazer acordo com aqueles que, na época da Ditadura, batiam, é duro.” Além de mencionar o reflexo do Golpe na política atual, Antoninha desabafa: “A política tem momentos sujos. É inadmissível o que acontece no Congresso Brasileiro. Deixam de votar coisas importantes para o país andar, para que as pessoas não passem fome, para ficar discutindo se o Renan Calheiros fica ou não fica. Ou deixem lá ou tirem de uma vez e não fiquem com essa ‘frescura’, com o dinheiro dos nossos impostos”. Segundo ela, a saída para um país melhor está no povo, mas “lamentavelmente, acho que o povo cansou de algumas coisas”. “Esperamos que um dia a coisa mude”, conclui.

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