Edição 238 | 01 Outubro 2007

Por uma cristologia em diálogo com a diversidade cultural e religiosa

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IHU Online

Enquanto participava do Fórum da Igreja Católica no Rio Grande do Sul, realizado de 20 a 23 de setembro de 2007, em Porto Alegre, a irmã Lucia Weiler, da Congregação da Divina Providência, respondeu a duas questões para a revista IHU On-Line, que publicamos a seguir.

Weiler é professora na Escola de Teologia e Espiritualidade Franciscana (ESTEF). Graduada em Teologia pela PUCRS, fez mestrado e doutorado em Teologia na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) com a tese Fonte e dinâmica do amor mútuo: uma releitura trinitária a partir da exegese e hermenêutica de Jo 15,9. Em 15-09-2005 palestrou sobre O Concílio Vaticano II e as novas hermenêuticas bíblicas, dentro da programação do evento Concílio Vaticano II – marcos, trajetórias e prospectivas, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU. É uma das entrevistadas da edição 8 dos Cadernos IHU em Formação, intitulado Teologia Pública e no Simpósio Internacional O Lugar da Teologia na Universidade do Século XXI, conduziu a oficina As mulheres seguidoras de Jesus, as mulheres nos sinóticos.

IHU On-Line - Que aspectos da cristologia você considera importantes em vista da vida e da missão da Igreja no Rio Grande do Sul hoje?
Lúcia Weiler -
Contextualizo esta questão dentro da perspectiva bíblica das comunidades joaninas, que, pelas suas características pluriétnicas e interreligiosas, se identificam muito com nossas comunidades eclesiais hoje. A Escritura joanina não oferece muito material para uma reconstrução da prática histórica de Jesus, mas é valiosa como chave de leitura para uma compreensão hermenêutica da práxis de Jesus. Jesus não define, não escreve, não documenta, mas age. Sua prática torna-se então critério ético e hermenêutico. Dentre muitos outros, destaco três aspectos cristológicos importantes:

1. Uma cristologia aberta, em construção de busca constante e de seguimento. Há uma tensão permanente entre Jesus, a Palavra de Deus, projeto de vida encarnada na realidade humana, e a Escritura. Na visão joanina, nenhuma cristologia pode considerar-se pronta, acabada, definida, mas deverá ser sempre uma cristologia em diálogo, acolhedora das surpresas de Deus e aberta aos novos sinais dos tempos. Confirmam isso as próprias palavras de despedida de Jesus no seu discurso antes de partir de volta ao Pai: “Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não sois capazes de as compreender agora. Quando Ele vier, o Espírito da Verdade, vos conduzirá na Verdade plena. Ele não falará por si próprio, mas vos dará a conhecer tudo quanto ouvir e vos anunciará o que há de vir.” (Jo 16, 12-15). Nesta perspectiva, toda pessoa que segue Jesus de Nazaré na força condutora histórica do Espírito da Verdade torna-se contemporânea de Jesus, que aparece numa “fusão de horizontes” como “pré-existente, terreno e exaltado”. 

2. A Palavra, que é vida em Deus, se fez carne e habitou entre nós (Jo 1,14). Jesus Cristo, na perspectiva das comunidades do Discípulo Amado é a Palavra que se fez carne e veio (acampar) armar sua tenda e “habitar” no meio de nós. Ele se apresenta como “EU SOU”, portanto o Deus que caminha com seu povo como Javé se revelara no Êxodo. Sua Pessoa e sua prática, sua vida e missão, isto é, o próprio Jesus de Nazaré, torna-se, assim, hermeneuta de Deus na história humana. Só pode ser compreendido e conhecido no processo dinâmico de busca, de seguimento, como conseqüência da adesão. Adesão e seguimento implicam sempre em rupturas com esquemas religiosos fixistas. Daí a pergunta de Jesus para quem vai ao seu encontro: Quem procurais? Pergunta de Jesus aos primeiros discípulos: Chamado pré-pascal (Jo 1,38). Quem procuras? Pergunta de Jesus à Maria Madalena, primeira discípula: Chamado pós-pascal (Jo 20,15).

A profissão de fé cristológica no Evangelho de João é feita por mulheres, destacando-se principalmente a Marta, da casa de Betânia, comunidade que Jesus amava. Num momento em que as evidências da morte (Lázaro) estavam aí presentes na comunidade, Jesus revela para Marta: “Eu sou a Ressurreição e a Vida: aquele que crê em mim ainda que morra, viverá, e todo que vive e crê em mim não morrerá jamais. Crês nisto?”. “Sim Senhor”, respondeu Marta, “eu creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus, Aquele que vem ao mundo”. (Jo 11, 25-27).

3. Caminho cristológico - Paisagem comunitária - Horizonte trinitário. A intenção cristológica em João é testemunhar que em Jesus de Nazaré e na Comunidade de seguimento se manifesta a Vida do Deus invisível: “Quem me vê, vê o Pai” (Jo 14, 9); “A Deus ninguém jamais viu. Se nos amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós e seu amor em nós é perfeito. Nisto reconhecemos que permanecemos nele e ele em nós: ele nos deu o seu Espírito” (1 Jo 4, 12-13).    Nossa busca e nosso agir serão orientados pelo que vemos de Deus na prática e nas opções de Jesus. Jesus não é outro Deus, Ele é Deus na relação com o Pai e o Espírito. Por isso, a divindade de Jesus se manifesta através de seu amor e obediência filiais ao Pai. Se o Pai é maior que Jesus, não significa uma hierarquia de relações, na trindade. Apesar de todo cristocentrismo joanino, a certeza de que em Deus encontramos o Mistério que é “sempre maior” significa uma abertura para a busca de Deus através de outros caminhos ecumênicos. 
 
IHU On-Line - Que possibilidades decorrem destes dados cristológicos para a prática eclesial?
Lúcia Weiler -
Acolher a diversidade cultural e religiosa presente nas comunidades eclesiais hoje e elaborar uma cristologia em diálogo como essa diversidade. Valorizar mais a sacralidade do corpo na evangelização cristã, evitando os dualismos ainda tão comuns entre corpo e alma, matéria e espírito: “A Palavra se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1.14). Ser mais Comunidade de Seguimento de Jesus enraizada no amor trinitário e evitar modelos eclesiais que estabelecem relações hierárquicas e excludentes. Tecer novas relações igualitárias de serviço no amor até o fim.

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