Edição 237 | 24 Setembro 2007

Formação Étnica do Rio Grande do Sul na História e na Literatura

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IHU Online

CICLO DE ESTUDOS FUNDAMENTOS ANTROPOLÓGICOS DA ECONOMIA

“A literatura é a arte e a arte é a parte da História”, diz o professor e jornalista José Hildebrando Dacanal, em entrevista à IHU On-Line por e-mail. Para ele, os romances históricos podem ter uma função crítica em relação à História oficial, mas geralmente eles acabam reforçando-a. 
Sobre o livro Um quarto de légua em quadro, de Assis Brasil, Dacanal destaca a importância que a obra teve na década de 1970, quando foi publicada. Ele explica que Um quarto de légua em quadro foi fundamental para “inserir na tradição ficcional do Estado uma temática diversa da dominante: o espaço geográfico e antropológico da Campanha e da economia do pastoreio”. No panorama atual, ressalta o professor, “não há uma nova geração de ficcionistas que tenham a importância daquela de Assis Brasil”.

José Dacanal é graduado em Letras Clássicas e Vernáculas e Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Dacanal é professor de Literatura aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Na próxima quinta-feira, dia 27-9-2007, o professor estará no Instituto Humanitas Unisinos – IHU, participando do evento Formação Étnica do Rio Grande do Sul na História e na Literatura, com a palestra A canonização dos açorianos. O evento está marcado para às 19h30min, na sala 1G119.

 

Literatura e História: dois caminhos para contar a história do Rio Grande do Sul

Entrevista com José Hildebrando Dacanal

IHU On-Line - O senhor disse, certa vez, que a historiografia gaúcha não passa de um conjunto de obras de repetidores inconseqüentes e colecionadores de datas. Partindo dessa idéia, que mudanças seriam necessárias no campo da historiografia?
José Hildebrando Dacanal –
Eu disse isso por volta do final da década de 1970. De lá para cá, a situação mudou muito. Inclusive, porque foi então que dei início à famosa “Série Documenta”, na qual foram publicados duas dezenas de títulos importantes, alguns deles fundamentais. O que está faltando é uma grande síntese, com uma visão diacrônica e panorâmica. Infelizmente, não acredito que no Rio Grande do Sul exista hoje alguém capaz de realizar tal trabalho. E isto por vários motivos, que não vêm aqui ao caso.

IHU On-Line - Que relações são possíveis traçar entre literatura e história? Os romances históricos têm a função de fazer uma releitura crítica da história oficial?
José Hildebrando Dacanal –
A primeira relação é óbvia: literatura é arte e arte é parte da História. Os romances históricos podem, e às vezes até gerando equívocos, ter uma função crítica em relação à História oficial. Mas, curiosamente, eles não raro reforçam a História oficial. Em um certo sentido, uma obra que em termos artísticos é genial, caso de O tempo e o vento , cria, reforça e oficializa as lendas.

IHU On-Line - Como o senhor avalia a formação étnica do Rio Grande do Sul? O que a imigração de diversos povos significou para o Estado?
José Hildebrando Dacanal –
A formação étnica do Rio Grande do Sul é óbvia: nativos, quase todos massacrados, africanos, que deixaram pouca herança, portugueses, que formaram a classe dirigente do passado, e várias etnias européias, que hoje formam a maioria e tomaram conta de tudo, inclusive dos CTGs . Quanto ao que a imigração de diversos povos significou para o Estado, pode-se dizer que aqui, mais do que em qualquer outro, criou-se um melting pot étnico. Se não fosse a urbanização caótica, o brutal crescimento demográfico entre os miseráveis e os conseqüentes altos índices de criminalidade, o Rio Grande do Sul seria hoje uma espécie de segundo Chile.

IHU On-Line - Qual é a participação dos luso-açorianos no desenvolvimento do Rio Grande do Sul?
José Hildebrando Dacanal –
Eu não sou um historiador. Evidentemente esta participação existiu. Mas a minha visão de Um quarto de légua em quadro é fundamentalmente literária, não entrando em questões históricas propriamente ditas em relação aos açorianos. Na palestra que ministrarei no IHU, comentarei a forma como esta questão é vista por um romancista em um momento histórico específico, isto é, a década de 1970, quando começava-se a perceber que o velho Rio Grande do Sul desaparecera para sempre nas brumas da História.

IHU On-Line - Como o senhor percebeu o trabalho dos romancistas nessa época e nesse contexto? Eles foram fundamentais para reativar o Rio Grande do Sul na História?
José Hildebrando Dacanal –
O meu ponto de vista é o de leitor e/ou crítico literário. Sob este ângulo, Um quarto de légua em quadro tem um enredo extremamente bem montado, e é uma obra que possui relevância no contexto da ficção sul-rio-grandense na segunda metade do século XX. Do ponto de vista da importância que esta obra teve no momento em que foi publicada – tema sobre o qual versa minha palestra -, ela foi fundamental para inserir na tradição ficcional do Estado uma temática diversa da dominante: o espaço geográfico e antropológico da Campanha e da economia de pastoreio. 

IHU On-Line - É possível traçar um contraponto entre a visão de João Borges Fortes e Assis Brasil em relação aos açorianos?
José Hildebrando Dacanal -
Minha análise é apenas literária. Não li Borges Fortes , ainda que possivelmente vénha a lê-lo, por uma questão de estudos genealógicos. Meu foco em relação a Assis Brasil  é: como ele usa a história dos açorianos em sua obra literária com um objetivo ideológico em um momento histórico específico.

IHU On-Line - Como o senhor avalia a maneira de contar a história dos açorianos, nas obras de Assis Brasil?
José Hildebrando Dacanal -
Veja, creio que fui eu o primeiro a escrever um artigo, em 1976 ou 77, sobre Assis Brasil ou, pelo menos, sobre Um quarto de légua em quadro. Na verdade, como toda arte, a ficção é parte do processo histórico. Nesse sentido, tanto Assis Brasil quanto seus pares de geração, refletem ou são produto de um período de intensas e rápidas mudanças históricas, período centrado na década de 1970. Da mesma forma, por exemplo, Pozenato  busca, pela mesma época, na sociedade colonial imigrante clássica, o tema de suas obras, porque não podia,é óbvio, falar sobre seu passado sem centrar o foco sobre a história da imigração. Por outra parte, eu não diria que estes e outros ficcionistas recolocaram o Rio Grande do Sul na História. O que eles fizeram, na verdade, foi tomar como tema de suas obras outros elementos da formação histórica do Rio Grande do Sul que não fossem aqueles da pecuária e da sociedade gerada em torno dessa atividade econômica.

IHU On-Line - Os escritores gaúchos atuais demonstram preocupações em recontar a história nas suas obras de ficção? Qual é a sua avaliação da literatura gaúcha atual?
José Hildebrando Dacanal -
Correndo o risco de desagradar a muitos, eu diria que o panorama atual da ficção no Rio Grande do Sul demonstra uma situação de pouca inventividade e de esgotamento temático. Mas isto não é exclusivo daqui. Contudo, creio que não há uma nova geração de ficcionistas que tenham a importância daquela de Assis Brasil.  

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