Edição 236 | 17 Setembro 2007

Construção de PCHs não substitui hidrelétricas

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IHU Online

Para o professor Geraldo Lucio Tiago Filho, da Universidade Federal de Itajubá, em Minas Gerais, um País como o Brasil, que possui o terceiro maior potencial hídrico no mundo, cerca de 260.000 MW, sempre precisará construir grandes centrais hidrelétricas. Em entrevista por e-mail, à IHU On-Line, ele explica que as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) podem contribuir para o problema energético do País, mas ressalta, que embora sejam construídas todas as PCHs que estão em andamento, “teríamos em torno de 2.500MW, potência inferior à centrais do rio Madeira”. Assim, ele destaca que outras fontes renováveis atuaram de forma complementar na matriz energética nacional. 

Para o futuro, o professor propõe um modelo energético centralizado em cada residência, na qual os moradores se transformariam em geradores independentes. Para viabilizar esse projeto, são necessárias leis adequadas e, principalmente, a “consciência ecológica do consumidor”.

Geraldo Lucio Tiago Filho é graduado e mestre em Engenharia Mecânica, pela Universidade Federal de Itajubá. Cursou o doutorado na Universidade de São Paulo (USP), formando-se em Engenharia Mecânica. Possui especialização nas áreas de PCHs e em planejamento e economia em energia e meio ambiente.

IHU On-Line - Um setor energético baseado, principalmente, em hidrelétricas é capaz de alcançar o desenvolvimento sustentável?
Geraldo Lucio Tiago Filho -
Não. Pois se um país ficasse dependente de apenas uma fonte de energia estaria sujeito às variações de disponibilidade dessa fonte, principalmente como é o caso da energia de origem hídrica, na qual o regime de chuvas pode apresentar grandes variações. Por isso, é recomendável compor a matriz energética com diferentes fontes de energia.

IHU On-Line - Que medidas o senhor aponta para alcançar equilíbrio entre processo tecnológico, competitividade, inclusão social e sustentabilidade, na matriz energética brasileira?
Geraldo Lucio Tiago Filho -
A inclusão social se dá à medida que estabeleça o atendimento do serviço de energia elétrica às comunidades mais carentes e, principalmente, a comunidades isoladas.
A energia elétrica é, por si só, um vetor de desenvolvimento e de melhoria da qualidade de vida e de fixação do homem em seu ambiente de origem. O processo tecnológico é conseqüência do desenvolvimento tecnológico que, por sua vez, se deve à melhoria da qualidade no ensino e dos serviços essenciais, tais como saneamento, comunicações e transporte. Para todos esses agentes, o fornecimento de energia elétrica é essencial.

A sustentabilidade da matriz de energia elétrica se dá em função do uso de fontes renováveis de energia e do uso parcimonioso das fontes fósseis e do uso racional da energia disponibilizada. Tudo depende de desenvolvimento tecnológico, da educação e da disponibilização da informação

IHU On-Line - Como o senhor avalia os investimentos do PAC, destinados à construção das novas hidrelétricas?
Geraldo Lucio Tiago Filho –
É um sinal claro do Governo Federal em promover e proporcionar meios para que o mercado de geração de energia elétrica se estabeleça de vez no Brasil. Mostra que as regras estabelecidas serão duradouras, trazendo tranqüilidade ao investidor.

IHU On-Line - Seis hidrelétricas já tiveram o financiamento aprovado pelo BNDES: Castro Alves, 14 de Julho, São Salvador, Salto do Pilão, Foz do Chapecó e Corumbá III. Como o senhor percebe essas construções? Elas realmente são necessárias?
Geraldo Lucio Tiago Filho
- No Brasil, sempre será necessária a construção de grandes centrais hidrelétricas. Um país que conta com o terceiro maior potencial hídrico no mundo, em torno de 260.000 MW, seria um contra-senso se não fosse lançado mão do mesmo.

O país deverá crescer a uma taxa de 5% ao ano, o que demanda um crescimento no fornecimento de energia elétrica em torno de 4% ao ano. Tendo um potencial disponível como esse, a opção natural é utilizá-lo. Se não fosse utilizado, que outras opções teríamos:  petróleo? Somos auto-suficientes, porém quase todos derivados do petróleo estão dirigidos ao transporte. Nuclear? Essa pode ser uma opção para um futuro próximo. Carvão? Somos pobres e com carvão de baixa qualidade. Outras fontes renováveis de energia como biomassa, PCHs, eólica e outras? As fontes renováveis não convencionais de energia sempre terão uma participação marginal na matriz energética de qualquer país.

IHU On-Line - Com o dinheiro que será investido nessas hidrelétricas, seria possível investir em energias renováveis? O senhor pode traçar um paralelo financeiro de ambas fontes energéticas? 
Geraldo Lucio Tiago Filho -
Sim. No entanto, o custo das energias renováveis não convencional sempre terá um custo mais alto do que os das convencionais. Aqui, vale lembrar que as grandes hidrelétricas também são fontes renováveis de energia. Também vale lembrar que o País detém todo o domínio tecnológico na construção e fabricação de componentes das centrais hidrelétricas. Além de suprir o País de uma forma limpa de energia, a construção de hidrelétricas é um grande alavancador de empregos e de riqueza no nosso País.

IHU On-Line - Consideradas em uma totalidade, as PCHs com projeto em andamento têm potencial para gerar a mesma energia que as hidrelétricas do Madeira?
Geraldo Lucio Tiago Filho -
O potencial de PCHs ora em construção no País remonta em torno de 1.400 MW, com autorização da Aneel  e com licença de instalação, portanto prontas para serem construídas. Também existem outros 1.100 MW. Ou seja, se forem construídas toda as PCHs ora em condições teríamos em torno de  2.500 MW, potência inferior a centrais do Rio Madeira.
Embora o potencial de PCHs hoje conhecido no Brasil seja em trono de 10.500 MW, e o total estimado em torno de 26.000 MW, o mercado de PCHs é diferente do das grandes centrais hidrelétrica. As PCHs e as outras fontes renováveis não convencionais sempre serão complementares aos das grandes centrais.

IHU On-Line - A construção dessas PCHs poderia auxiliar no problema energético brasileiro? Por que a liberação para a construção de PCHs é tão demorada?
Geraldo Lucio Tiago Filho -
Sim. A construção das PCHs faz parte da solução no atendimento de energia elétrica no País. A demora na “liberação” das PCHs se dá por diferentes fatores. Um deles é que muitos dos empreendedores que já detêm a autorização para construção ainda não conseguem estabelecer uma estrutura empresarial sólida o suficiente para alavancar os financiamentos. Muitos são aventureiros, que viram na obtenção da autorização uma oportunidade de negócio. Eles não estão interessados em construí-las e sim em negociar suas autorizações. Outras razões se devem ao licenciamento ambiental, pois alguns projetos não tendem as especificidades das leis estaduais, que variam de estado a estado.

IHU On-Line - Com a regulamentação das cooperativas de eletrificação rural como permissionárias de serviço público de energia, a construção das PCHs tende a ser agilizada?
Geraldo Lucio Tiago Filho -
Não necessariamente, pois essas empresas compram energia das geradoras a preços bastante vantajosos o que inibe o interesse das cooperativas na construção de PCHs.

IHU On-Line - É possível pensarmos em um modelo energético futuro, em que cada residência tenha sua própria central de energia? Essa proposta poderá ser viabilizada algum dia, e com sucesso?
Geraldo Lucio Tiago Filho –
Sim, e com sucesso. Eu chamaria isso de “universalização da geração”. Porém, não seria possível em “todas” as casas, pois dependeriam do tipo de fonte possível de ser explorada na residência. Nesse caso, para as áreas urbanas as fontes que melhor se adaptariam seriam a solar e a eólica. Já na área rural seriam as fontes possíveis de serem utilizadas, como a solar, a biomassa, a eólica, e a micro PCH.

Não há problemas técnicos, pois a tecnologia para tanto já existe é de conhecimento do setor. O que moveria um projeto desses seria a consciência ecológica do consumidor.
O único problema é legal. Deverá haver uma lei que desse direito a qualquer gerador independente que utilizasse energia renovável, com pequenas potências, em interligar na rede. Seria obrigatório que o sistema de geração seja provido de sistemas de proteção de forma a não incorrer em riscos técnicos e à segurança da linha de transmissão. O usuário/gerador poderia vender o excedente de energia.

O balanço seria feito através de dois medidores: um marcaria quantidade de energia consumida na casa,  e o outro mediria a quantidade de energia entregue pelo sistema à linha de transmissão de energia elétrica. Se houver um saldo positivo para o usuário/gerador, esse receberia pela energia entregue à concessionária uma tarifa intermediária entre a de geração e a de distribuição, de forma a incentivar o autogerador. A compra do excedente energético, pela concessionária de distribuição de energia elétrica, seria compulsória. Porém, tudo isso ainda é muito utópico! Há algumas experiências incipientes na Europa, mas ainda nada que possa ser considerado como modelo.

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