Edição 236 | 17 Setembro 2007

Foz do Chapecó: a ditadura contra a população ribeirinha

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IHU Online

Gilberto Cervinski, membro da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), concedeu a entrevista que segue, por e-mail, à IHU On-Line mostrando a realidade dos bastidores da construção das hidrelétricas, de como vive a população ribeirinha e pobre, que sofre as conseqüências das decisões das grandes multinacionais e construtoras.

Cervinski integra o MAB do Rio Grande do Sul e é formado em Agronomia. Confira a entrevista, em que ele afirma: “O problema central da energia no Brasil é de modelo energético, ou seja, precisamos discutir para que e para quem estamos produzindo energia? Quem ganha e quem perde com este modelo energético? Quem está pagando a conta de tudo isso?”.

IHU On-Line - Em que sentido as populações ribeirinhas são mais influenciadas pelas hidrelétricas brasileiras?
Gilberto Cervinski -
Na barranca do rio, há o que chamamos de ditadura contra as populações atingidas por barragens. As famílias atingidas por barragens acabam pagando a conta de diversas formas. Pagamos a conta quando os direitos das populações são negados. Para se ter uma idéia, no Brasil, em média, a cada 100 famílias atingidas por barragens 70 não recebem nenhum tipo de direito, ou seja, grande parte delas acaba sem terra, sem casa e sem trabalho. Por isso, a maior parte acaba indo morar nas partes mais pobres das cidades. Pagamos a conta quando o BNDES e as estatais colocam a maior parte do dinheiro para construir uma hidrelétrica, e quem acaba ficando de dono das barragens são as multinacionais, sem, na maioria das vezes, colocar nenhum centavo do seu dinheiro. No caso da hidrelétrica de Foz do Chapecó , o BNDES está colocando mais de 65% dos recursos necessários, e Furnas  (uma estatal) também está colocando uma grana boa e, no final das contas, quem ficará de dono da hidrelétrica é a CPFL , uma empresa do grupo Votorantim. Pagamos a conta quando o povo brasileiro precisa pagar todo mês uma das tarifas de energia elétrica das mais caras  do mundo, mesmo que tenhamos uma das fontes mais baratas. Para se ter uma idéia, enquanto os grandes consumidores de energia elétrica no Brasil pagam em média R$ 40,00 a 50,00 pelo MWH, o povo brasileiro chega a pagar dez vezes mais do que isso, ou seja, para as multinacionais a energia é a preço de custo, enquanto que o povo paga as tarifas mais caras do mundo. Enfim, os problemas relacionados à questão das hidrelétricas vão além das questões simplesmente ligadas à perda dos direitos. O problema central da energia no Brasil é de modelo energético, ou seja, precisamos discutir para que e para quem estamos produzindo energia. Quem ganha e quem perde com este modelo energético? Quem está pagando a conta de tudo isso? Ou seja, é necessário debater as questões centrais.    

IHU On-Line - Como você vê o projeto de instalação de uma hidrelétrica na Foz do Chapecó? Como fica a situação das populações ribeirinhas, caso o projeto se realize? Se as pessoas forem obrigadas a se retirar do local, para onde vão?
Gilberto Cervinski -
Se o projeto de Foz do Chapecó for realizado, com certeza haverá mais gente morando nas favelas e, se houver uma forte organização dos atingidos, quem sabe teremos algumas famílias que sejam reassentadas. Porém na situação que está hoje (governos, partidos, empresas, judiciário etc., todos favoráveis) a situação é bem mais complicada. No entanto, a sociedade, de maneira geral, precisa entender que a luta dos atingidos é uma luta de toda sociedade, porque toda população é atingida de uma forma ou de outra, como eu já mencionei acima.

IHU On-Line - Quais são as conseqüências ambientais, para o ecossistema, de uma hidrelétrica? Como fica o abastecimento de água, principalmente para a população mais pobre?
Gilberto Cervinski -
Veja, esse tema é ignorado pelos construtores e defensores das barragens. Eles evitam aceitar que as barragens causam problemas ambientais, mas nós temos exemplos claros em todo o Brasil, onde comunidades inteiras ficaram sem água, porque as nascentes secaram, comunidades inteiras não têm mais acesso ao lago, porque o lago foi cercado e privatizado, e comunidades inteiras ficaram sem poder pescar, porque não existem mais espécies de peixes. Em outros lugares, as famílias não possuem nem água para beber. Enfim, as conseqüências ambientais se entrelaçam com os problemas sociais, econômicos e culturais que são causados numa região atingida por barragem e o desenvolvimento propagandeado antes de a obra ser construída. Na verdade, acaba tornando-se um grande pesadelo a todos aqueles que continuam morando na região, porque, no final da construção, a região fica mais pobre e com mais problemas. Ou seja, o tal desenvolvimento prometido é uma grande mentira, servindo apenas para ganhar o apoio da população durante o período de construção da obra.

IHU On-Line - Com que olhos o senhor vê a construção de usinas no Rio Madeira?
Gilberto Cervinski -
Os planos das hidrelétricas no Rio Madeira são diabólicos: são projetos que abrirão as portas para a construção de um conjunto de hidrelétricas que ultrapassam mais de 300 projetos dentro da região Amazônica. As hidrelétricas foram pensadas e planejadas para atender aos interesses das maiores multinacionais do mundo. Por isso, vou citar alguns dos interesses que estão escondidos por de trás dos projetos: a) colocar os principais recursos naturais sob domínio e a serviço das multinacionais, principalmente a energia, a água e os minérios; b) gerar energia elétrica a preço de custo para as indústrias eletrointensivas (alumínio, celulose, ferro etc.), ou seja, energia barata para as multinacionais; c) vender energia ao preço mais alto possível ao povo brasileiro – para se ter uma idéia, as duas hidrelétricas vão gerar um faturamento de mais de R$ 500 mil por hora, aos donos das barragens, ou seja, mais de R$ 3 bilhões ao ano; d) vão fazer com que o povo brasileiro pague todos os investimentos e, no final das contas, o setor privado vai ficar de dono das barragens. Para se ter uma idéia, os dois projetos vão custar nada menos que R$ 28 bilhões. Rondônia possui uma população aproximada de um milhão e meio de habitantes. Isso equivale a um investimento igual a R$ 18.500,00 por habitante de Rondônia. Quantos hospitais, escolas, universidades, moradias poderiam ser feitas se o investimento realmente fosse feito para o povo? Além disso, se ganha muito dinheiro com a venda de turbinas (serão gastos R$ 5 bilhões somente em turbinas que serão adquiridas da Alemanha), máquinas e equipamentos. Tudo isso cria uma infra-estrutura de transporte que vai permitir o avanço da soja e da cana para dentro da Amazônia. Penso que poderíamos citar muitos outros interesses e nenhum deles está relacionado com os verdadeiros problemas do povo brasileiro, mas é melhor eu parar por aí. No entanto, é preciso uma grande unidade do povo em torno das lutas. Só assim poderemos mudar e combater esses projetos que não interessam ao nosso País.

IHU On-Line - Qual é a melhor forma de energia alternativa para as populações ribeirinhas, na opinião do MAB?
Gilberto Cervinski -
É evidente que a energia, em primeiro lugar, não pode ser considerada como uma mercadoria. Em segundo lugar, é preciso levar em conta os limites que a natureza nos permite. E, em terceiro lugar, é preciso pensar o que fazer com a energia que já estamos produzindo. Penso que não se trata de encontrar alternativas no atual modelo energético e de sociedade, porque tudo que encontrarmos estará servindo para a acumulação e enriquecimento de uma minoria enquanto o povo está cada vez mais pobre. A questão central é organizar a sociedade, buscar trabalhar para elevar seu nível de consciência política e fazer com que as grandes lutas retomem o cenário nacional, para, a partir daí, pensar em transformar as questões centrais que interessam ao povo deste País.

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