Edição | 18 Mai 2015

Francisco, o primeiro entre iguais

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Alfredo Culleton

“Aproveito a oportunidade para registrar um breve testemunho sobre as dificuldades que o então padre Jorge Bergoglio se viu chamado a enfrentar e o fez à sua maneira. Ele viveu como religioso o período mais obscuro e violento da historia argentina: a ditadura militar de 1976 a 1983”, testemunha Alfredo Culleton, professor no PPG de Filosofia da Unisinos.

Eis o depoimento.

Se a eleição do Cardeal Bergoglio como bispo de Roma já foi surpreendente, o seu pontificado o foi ainda mais; a sua comunicação com o publico foi muito boa, ele se mostrou impecável nesse aspecto. Ele consegue recuperar o aspecto italiano da tradição pontifical, daquele que ouve, que entende a dor, que está a serviço. Não era fácil ver estes aspectos no Arcebispo de Buenos Aires. 

Destaco em primeiro lugar a boa comunicação e empatia com o público; Em segundo a capacidade que ele tem de dizer coisas que as pessoas estão famintas por ouvir, a recuperação de um certo ‘bom senso’ que os líderes contemporâneos parecem ter perdido em algum lugar da historia, o bom senso do Gandhi,  do Martin Luther King,  do Churchill,  dos grandes líderes do século XX. Por último, a sua proximidade com a diocese de Roma que em definitiva é a Igreja da qual ele é o pastor. Ele parece visitar, servir e estar presente no quotidiano de essa comunidade como não se via nos Papas anteriores.

Crises

Dos muitos assuntos que poderiam estar nessa pauta, porque são urgentes para o mundo e para a interna da própria Igreja eu destacaria três: a educação, a utopia e o progresso da ciência. O mundo vive uma crise nestas três áreas: na educação porque parece não saber qual é o objeto da educação, quem o responsável pela educação nem para que educar. No que diz respeito à utopia parece ter se reduzido ao prolongamento indefinido da vida e a preservação do planeta como fins em si mesmos; e finalmente, respeito à ciência, continua existindo, no mínimo dentro da Igreja e das instituições de ensino a ela vinculados, certa suspeita de que a ciência pudesse ser concorrente da fé quando não contraria à fé. A ciência não é tratada como aquela que completa o desígnio divino do homem que é a de ser livre e soberano sobre a natureza, mas como algo do ‘mundo’, isso não é da tradição cristã, é da tradição platônica.   

Testemunho

Aproveito a oportunidade para registrar um breve testemunho sobre as dificuldades que o então padre Jorge Bergoglio se viu chamado a enfrentar e o fez à sua maneira. Ele viveu como religioso o período mais obscuro e violento da historia argentina: a ditadura militar de 1976 a 1983. Era ele superior da sua ordem num momento em que todas as opções eram radicais, onde era muito difícil ser ponderado e onde a vida de milhares de pessoas estava a perigo. Qualquer gesto, palavra ou atitude podia ser fatal. Tudo era urgente, o tempo tinha sido extinto, tudo era presente, nada podia esperar, o sangue, a morte e o silencio impregnavam as cidades argentinas. Esse era o momento que tocou ao Pe Jorge ser superior da Companhia; tocou a ele o dever de proteger os seus irmãos, as obras e ao mesmo tempo honrar os compromissos assumidos pelos seus nas comunidades de inserção mais populares. Foi o caso dos Padres Orlando Yorio e Franz Jalics, jesuítas que optaram por manter as suas opções e sair da companhia. Ambos santos e exemplares homens que sofreram terrível perseguição por causa de Cristo e com certeza lhes estava reservada a sorte dos justos.  Momentos difíceis e delicados para todos onde o Pe. Jorge teve um protagonismo decisivo, onde preservar vidas era prioritário. Conheceu bem a dor da difamação e a perseguição, uma dor diferente e das mais penosas porque a própria vítima passa por culpada; nessa circunstancia foi diretor espiritual do Pe Alfredo Kelly SAC, um dos cinco pallotinos assassinados a sangue frio pelas forças armadas, na madrugada do dia 4 de julho de 1976, na casa paroquial da Igreja San Patricio em Buenos Aires. Alfie, como era conhecido, realizou os seus estudos no Colégio Máximo dos Jesuítas em San Miguel e na Gregoriana de Roma nos anos 1950, quando conheceu o padre Jorge. Alfie era aquele que, entre os cinco, maior clareza tinha do martírio que se aproximava e da integridade que era necessária para esse momento sublime; isso esta registrado no seu diário e com certeza o seu diretor espiritual esteve presente.  

Papa

Na tradição cristã o Papa, não é um monarca nem o poder executivo de nenhum estado ou instituição a não ser o insignificante Estado Vaticano. Da Igreja Católica, Apostólica, Romana, ele apenas é, como a própria sigla Papa (Pedro Apóstolo Príncipe dos Apóstolos) diz, primeiro entre os apóstolos. Ele é primeiro entre iguais, primeiro entre os bispos, não tem natureza diferente à de qualquer bispo, de tal maneira que não pode se esperar do Papa outra coisa que alguém que reúne, que agrega, que media conflitos e apascenta as sua grei. Pode sim sinalizar prioridades para o mundo e a Igreja, mas não se deve esperar muito mais dele do que de qualquer cristão qual seja integridade pessoal e fidelidade à missão que lhe foi confiada. ■

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