Edição | 18 Mai 2015

Os ouvidos abertos de Francisco

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Luiz Carlos Susin

“É absolutamente necessário cortar na raiz a libido do carreirismo”, comenta Luiz Carlos Susin, frei capuchinho, mestre e doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e professor da Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul – PUCRS.

Eis o depoimento.

Aconteceram tantas pequenas e grandes surpresas nesses dois anos que eles parecem valer por dez de antes. As primeiras impressões vieram se confirmando em boa medida. Os primeiros anúncios se confirmaram no projeto de pontificado apresentado na encíclica Evangelii Gaudium.  Mas há tarefas que precisam de um tempo mais adequado, como a reforma da cúria romana e a nova relação da Santa Sé com o conjunto do episcopado. A Secretaria de Estado já ocupa um lugar apropriado, o Cardeal Parolin  não aparece como uma espécie de “vice-Papa”. O fato mais evidente é que o Papa projetou uma imagem extremamente positiva para fora da Igreja, mesmo em sociedades fortemente secularizadas como os países nórdicos, e alterou a relação interna na Igreja, criando novos entusiasmos e novas inseguranças. Mas é claro que, do meu ponto de vista, inclusive estas inseguranças e algumas oposições tácitas, indiretas ou diretas, são um sintoma de que ele está muito bem no seu ministério. 

Convicção

O Papa Francisco transmite uma convicção e uma alegria pastoral extremamente humanizadora e libertadora. Sua comunicação, sua forma de pregação e mesmo seu ensinamento pontifício são coerentes com seu ministério de pastor que se comunica com o conjunto dos interlocutores dos mais diferentes estratos e mantém o foco e a razão de ser da Igreja: evangelizar.

Ele se mostrou atento a diferentes vozes, paciente em escutar sem apressar juízos e recurso à doutrina pronta, aberto à discussão. Nesse sentido, uma abertura mais sinodal em relação aos bispos, ao Povo de Deus — inclusive aos movimentos sociais que ele encontrou — ajudaram a colocar a linguagem e as respostas em dia com as grandes questões que a humanidade atravessa, sempre de forma incisiva, sem enfeites diplomáticos, e sem fechar o debate. As discussões sinodais em torno das questões da família revelam esta nova fase com suas tensões muito instigantes e fecundas.

Sua linguagem simbólica, seus pequenos gestos concretos como o socorro aos pobres que rodeiam o Vaticano, suas visitas e telefonemas, etc. têm revelado uma eficácia enorme, dada a posição que ocupa, e isso ajuda muito na compreensão do que ele pretende que a Igreja seja. 

Reformas

Francisco precisa com urgência prestar atenção a uma reforma de partes do Direito Canônico. O atual, de 1983, conta com 32 anos, já precisa reparos. Pior que isso, avisam especialistas, o código atual não conseguiu levar suficientemente em conta o Concílio Vaticano II e teve como base de reforma o de 1917. Para implementar melhor o Concílio Vaticano II ele acaba sendo um limite. 

Como não se pode saber o tempo que lhe resta no ministério, é claro que a complexa mudança na indicação e nomeação de bispos, um clamor que veio se levantando por muitos anos de boa parte das lideranças da Igreja — clero, teólogos, etc. — ainda não se moveu. Não é suficiente ter a sorte de ganhar uma boa nomeação, é necessário estabelecer novos critérios, maior participação da Igreja local, sobretudo de todo o clero diocesano, ter prioridades explicitadas nas candidaturas, ter maior participação dos bispos da conferência e rever o lugar do Núncio Apostólico que está hipertrofiado nessas questões. É absolutamente necessário cortar na raiz a libido do carreirismo. Esses aspectos necessitam de uma reforma do Código de Direito Canônico em alguns números. 

Outro aspecto que merece atenção é o clero: os padres são os que, afinal, mais carregam o piano no cotidiano da Igreja. Uma renovação do clero na linha da Evangelii Gaudium precisa ser planejada com autoridade e energia. Abrir o dossiê do problema dos ministérios na Igreja é uma necessidade que vai se tornando cada vez mais clamorosa. Um clero ao estilo “Papa Francisco” não acontece por mágica. ■

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