Edição | 18 Mai 2015

Papa Francisco: continuidades essenciais e rupturas simbólicas

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Brenda Carranza

“O estilo pastoral de Francisco, refletido em seus gestos paradigmáticos, postura política de questionamento-denúncia reforçaram nestes dois anos: a legitimidade da liderança Papal, o holofote pontifício sobre a justiça social e o redirecionamento discursivo e simbólico da hierarquia para os pobres e a pobreza, em todas suas dimensões”, comenta Brenda Carranza, doutora em Ciências Sociais e professora da Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUC-Campinas.

Eis o depoimento.

Na retrospectiva dos rumos do catolicismo nos últimos Papados podemos observar que, a eleição de Karol Wojtyla,  o Papa polonês, inaugura a mobilização emocional da catolicidade que afirma identidades e confirma certezas, face à descristianização europeia. Na sequência Jospeh Ratzinger,  o Papa alemão, retoma as raízes cristãs da Europa laica e empenha-se na recomposição da influência religiosa no berço da cristandade, consagrando seus esforços à reabilitação racional do discurso cristão. A chegada de Jorge Mario Begoglio, o Papa argentino, decreta o fim do Papado eurocêntrico e direciona o olhar para América Latina, o continente católico com evidente dificuldade na transmissão da fé, adesão de seus fiéis e em franca expansão pentecostal.

A ascensão de Francisco será celebrada num momento crítico de erosão da credibilidade e governabilidade da Igreja. Advindo do Continente imerso na injustiça e na corrupção, onde o discurso sobre as crenças tem ressonâncias políticas, midiáticas e religiosas significativas, as origens latino-americanas do Papa lhe conferem o crédito de novidade, ora na mídia, ora nos setores progressistas da Igreja. Porém, Francisco representa um continuum na agenda discursiva do relativismo moral e dos valores irrenunciáveis de seus antecessores, mas uma ruptura pela linguagem acessível com que retira do foco essas questões nas suas intervenções; mantêm o fio condutor com Magistério na abordagem da questão social, isto é os princípios da Doutrina Social da Igreja, no obstante subjaze na sua proposta a teologia do povo, vertente argentina da teologia da libertação; a pessoa afável de Bergoglio turbina a construção do carisma midiático de Francisco, embora crie resistências. Tudo isso desagua, ao estilo Wojtyla, na ascensão da função Papal e na sacralidade do Papado, alavancando a credibilidade da instituição que lidera, pois o carisma Papal é intrinsecamente ligado à estrutura burocrática do Vaticano. Em outras palavras: o pontificado de Francisco até o momento representa continuidades essenciais, mas alastra rupturas simbólicas na sua linguagem.

Aspectos fundamentais

O estilo pastoral de Francisco, refletido em seus gestos paradigmáticos, postura política de questionamento-denúncia reforçaram nestes dois anos: a legitimidade da liderança Papal, o holofote pontifício sobre a justiça social e o redirecionamento discursivo e simbólico da hierarquia para os pobres e a pobreza, em todas suas dimensões.

A atitude oficial do Papa de assumir colegiadamente a resolução dos escândalos econômicos (IOR) e sexuais (pedofilia), criando comissões ad-hoc e informando constantemente aos mass media das medidas assumidas. Estratégias essas que aliviaram a pressão moral sobre o Vaticano. 

A postura aberta de diálogo de Francisco, aproximando a pessoa do Papa a seus interlocutores, alenta a expectativa de mudanças reais para os setores progressistas da Igreja, na mesma proporção em que se aparelham na resistência setores conservadores da Cúria romana.

Ampliação dos direitos

Sem dúvida que, Francisco traça uma linha simbólica de alteridade, devolvendo às preocupações do Vaticano a necessidade de contemplar as mudanças culturais contemporâneas nas abordagens doutrinais. A realidade experimentada pelo cardeal Bergoglio, que viu a esterilidade da Igreja insistir em içar a bandeira dos valores irrenunciáveis, sem procurar construir pontes de diálogo, mantêm acesa a esperança de avanços significativos na compreensão Igreja-modernidade. Nesse espectro, à ampliação de direitos da diversidade sexual, soma-se a agenda da construção cidadã, quer que seja na luta contra a desigualdade social e quer seja na voz que se levanta contra o perpetuamento da injustiça. Cidadania, direito e justiça caminham juntos no imaginário da sociedade, dos movimentos sociais e das mídias alternativas. Por isso, um dos desafios de Francisco encontra-se na consolidação dessa alteridade viabilizada pelas estratégias de diálogo com o mundo moderno e da transparência na gestão das estruturas vaticanas. Mas, sobretudo, de retomar as rédeas do catolicismo como uma expressão religiosa capaz de outorgar sentido à vida de milhões de seus fiéis, com especial cuidado: os jovens. ■

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