Edição | 18 Mai 2015

Os significados profundos dos gestos de Francisco

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Walter Altmann

“Nas relações ecumênicas tem dado igualmente gestos significativos, o mais recente deles ao receber a Arcebispa da Igreja (luterana) da Suécia, Antje Jackelén”, afirma Walter Altmann, Pastor e ex-pastor presidente da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), ex-presidente do Conselho Latino-Americano de Igrejas (CLAI) e ex-moderador do Conselho Mundial de Igrejas (CMI). Professor de Teologia Sistemática na Faculdades EST, São Leopoldo, RS. Eis o depoimento.

O Papa Francisco, como Arcebispo de Buenos Aires, já dava sinais concretos de atenção pastoral e amorosa com pessoas pobres e marginalizadas, mas acerca de assuntos com implicação política ou mesmo doutrinária mantinha cautelosa discrição em suas declarações públicas.

Como Papa, fazendo uso da extraordinária exposição midiática de que automaticamente goza o Sumo Pontífice, não tem cessado de dar gestos de profundo significado simbólico que colocam em cheque valores dominantes que ele, corretamente, considera contrários ao evangelho e ao amor de Deus. Enquadram-se aí, por exemplo, a atenção pastoral a detentos, a pessoas enfermas, a imigrantes clandestinos da África para a Ásia. Associa-se a isso um estilo de vida pessoal de simplicidade e de singeleza que se transmite à opinião pública, sem artificialismos, com muita naturalidade. 

Questões internas

No trato de questões internas tem enfrentado, ao que parece, muitas resistências, mas tem assinalado com muita clareza a necessidade de reforma de estruturas que emperram a vitalidade da Igreja. Seus posicionamentos têm representado uma salutar volta ao espírito e à letra do Concílio Vaticano II. Em assuntos mais polêmicos internamente, como o celibato, a reintegração plena na vida da Igreja de pessoas divorciadas e a atenção pastoral a pessoas com identidade homossexual, tem sido cauteloso, não fazendo uso decisório, pelo menos por ora, dos poderes que, como Sumo Pontífice, detém, mas fomentando o estudo e o diálogo nessas questões, assim, contudo, quebrando o tabu doutrinário a que estavam submetidas (Apenas em relação à ordenação de mulheres declarou ser esta uma “porta fechada”).

Como arcebispo de Buenos Aires nunca foi considerado adepto ou mesmo defensor da teologia da libertação. Mas como Papa tem tomado passos claros de restituição da credibilidade eclesial a teólogos da libertação, como Gustavo Gutiérrez e Leonardo Boff, e o Vaticano abriu caminho para a canonização de Dom Oscar Romero e, possivelmente, Dom Helder Câmara, identificados com essa corrente teológica. 

Relações ecumênicas

Nas relações ecumênicas tem dado igualmente gestos significativos, o mais recente deles ao receber a Arcebispa da Igreja (luterana) da Suécia, Antje Jackelén,  e nessa ocasião, ao receber uma mulher detentora do ofício episcopal, ainda que de uma Igreja protestante, tampouco hesitou em exaltar o quanto no passado lhe significou, na Argentina, o auxílio de um pastor luterano sueco, Anders Ruuth, em sua própria vida espiritual (Uma certa decepção tive quando de sua vinda ao Brasil, para a Jornada Mundial da Juventude, ao não ter havido nenhum encontro com lideranças de outras Igrejas relacionadas ecumenicamente com a Igreja Católica, e isso surpreendentemente à diferença de seus predecessores.)

Nas questões de maior abrangência política no cenário global, tem feito declarações de grande clareza em favor da paz e do respeito à dignidade humana, não deixando de atacar posturas discriminatórias contra imigrantes e pobres, tampouco de criticar com contundência os valores desumanizantes do mercado e do poder financeiro. 

O futuro haverá de dizer o quanto todos esses admiráveis gestos avançarão em decisões e passos concretos que renovarão, não de maneira transitória, mas duradoura, a face da Igreja Católica. 

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