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IHU Online
Membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Brasileira de Letras, Carvalho é graduado em Sociologia e Política pela Universidade Federal de Minas Gerais, mestre e doutor em Ciência Política pela Stanford University e pós-doutor em História da América Latina pela University of London. A entrevista a seguir foi concedida por e-mail à IHU On-Line.
IHU On-Line - Em A construção da ordem, o senhor salienta o papel da elite política, formada nos moldes da ilustração e da educação jurídica portuguesa, como fator crucial para explicar a singularidade da Independência brasileira no contexto latino-americano, essencialmente nas questões relativas à manutenção da unidade territorial e ao sistema político adotado. José Bonifácio pode ser considerado um expoente desse grupo?
José Murilo de Carvalho - Sem dúvida. José Bonifácio era um típico representante da geração ilustrada treinada em Coimbra após a reforma pombalina da Universidade.
IHU On-Line - Em que medida sua formação em Coimbra se refletiu na proposta de administração do Estado brasileiro que ele previu para D. Pedro I.?
José Murilo de Carvalho - Em toda a medida. José Bonifácio formou-se em Direito e Ciências Naturais, viajou pela Europa por dez anos tomando pé nos avanços da ciência européia; assistiu ao cataclismo da Revolução Francesa; ocupou altos cargos na administração portuguesa sob a proteção de D. Rodrigo de Sousa Coutinho, de quem absorveu a idéia de transferir para a América o centro do império português.
IHU On-Line - Qual é a relação entre José Bonifácio e elite da época?
José Murilo de Carvalho - Embora parte da elite, José Bonifácio distanciava-se da maioria dela por suas posições reformistas e, com perdão do anacronismo, desenvolvimentistas. Suas propostas em relação aos indígenas e à escravidão africana eram muito avançadas para a época, politicamente inviáveis, sobretudo a segunda.
IHU On-Line - Qual era a concepção de Estado e de cidadania para José Bonifácio?
José Murilo de Carvalho - Um estado forte, centralizado e reformista, sem ênfase em participação popular.
IHU On-Line - A Independência do Brasil pode ser considerada uma "fraude", já que a situação socioeconômica do país continuou igual, sendo controlada pela aristocracia?
José Murilo de Carvalho - A guerra de independência norte-americana durou dez anos, matou milhares de pessoas e não aboliu a escravidão. Seria muito pouco realista esperar uma revolução francesa entre nós. Foi um movimento socialmente conservador, apesar dos esforços de José Bonifácio.
IHU On-Line - Como se deu a construção do mito de José Bonifácio e quais são as razões que apontariam para sua preservação no imaginário político brasileiro?
José Murilo de Carvalho - Não há mito de José Bonifácio. Ele mereceu apenas uma pequena estátua muitos anos mais tarde no Largo de S. Francisco no Rio de Janeiro. A tentativa de mitificação se deu em relação a dom Pedro. José Bonifácio tinha muitos inimigos e foi exilado. Os positivistas é que recuperaram seu nome e sua participação. Fizeram justiça. José Bonifácio representou a liderança mais firme e lúcida no processo de Independência. Viu a hora de abandonar o projeto de império luso-brasileiro, e percebeu a necessidade de ampla reforma social para garantir a sobrevivência do novo país como estado-nação.
IHU On-Line - Como tutor de D. Pedro II, o retorno de José Bonifácio ao cenário político foi encarado como uma ameaça à elite política?
José Murilo de Carvalho - Não foi ameaça à elite política. Era ameaça ao grupo vencedor após a abdicação, os liberais moderados, por sua vinculação a D. Pedro I.
IHU On-Line - Como pode ser interpretada a forte oposição à sua permanência e o seu afastamento?
José Murilo de Carvalho - Pela necessidade que tinham os moderados de se afirmarem contra os farroupilhas à esquerda e os caramurus à direita.
IHU On-Line - A entrada da esquerda no governo atual significa uma quebra de paradigma na história política do País?
José Murilo de Carvalho – Getúlio Vargas, no segundo mandato, e João Goulart tinham propostas de reformas mais profundas do que as do governo atual. O que há de novidade, hoje, é um eleitorado popular mais alerta para seus interesses, mesmo que voltados apenas para políticas assistencialistas. E também uma democracia muito mais estável, sem ameaças de golpes militares e intervenções externas.