Edição | 18 Julho 2016

Um novo pensar sobre a mulher pelo reconhecimento de Madalena

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João Vitor Santos | Tradução Luís Sander

Thomas Stegman compreende que resgatando a importância da figura da apóstola dos apóstolos é possível inspirar a Igreja a pensar sobre o papel da mulher hoje

Para o professor de Novo Testamento na Boston College School of Theology and Ministry, Thomas Stegman, “Maria Madalena desempenha um papel essencial na proclamação da boa nova de que Jesus ressuscitou dos mortos. Esse é o papel dela, e é um papel privilegiado”. Assim, entende que reconhecer o papel dessa personagem bíblica é também assumir a importância da mulher entre os cristãos primitivos. Entretanto, alerta: “em função das diferenças no tempo em termos de valores culturais e papéis de gênero, não é fácil fazer comparações ou analogias diretas com o presente”.

Por isso, requer um pouco de vagar nas análises. Para o professor, é significativa a ação do Cristo em incluir mulheres em papéis de destaque entre seus seguidores. Elas são cruciais, assim como Madalena nos eventos pascais. “O que isso significa exatamente para o papel das mulheres na Igreja atualmente não está claro, embora esses dados devam fazer parte de qualquer discernimento sobre essa questão”, destaca, propondo assim uma nova forma de olhar e pensar a mulher na Igreja de hoje.

Estudioso dos escritos de Paulo, na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Stegman também destaca que esse apóstolo valorizava a atuação feminina. “Paulo não tem animosidade contra as mulheres. Ele inclui mulheres (p. ex., Prisca e Febe) em seu ministério”.

Thomas D. Stegman é jesuíta, professor de Novo Testamento na Boston College School of Theology and Ministry. Possui mestrado em Filosofia pela Marquette University, também é mestre em Antigo Testamento pela Weston Jesuit School of Theology e Ph.D. em Estudos do Novo Testamento pela Emory University. É o autor de The Character of Jesus: The Linchpin to Paul’s Argument in 2 Corinthians [Do caráter de Jesus: o pivô ao argumento de Paulo em 2 Coríntios, em livre tradução], publicado pelo Pontifício Instituto Bíblico de Imprensa da série Analecta Biblica. Ainda escreveu um comentário sobre 2 Coríntios na Catholic Commentary on Sacred Scripture series, publicado pela Baker Academic. Atualmente, vem trabalhando com a carta de Paulo aos Romanos.

 

Confira a entrevista.


IHU On-Line – De que modo Madalena é constituída pelos quatro evangelistas? Como compreender o espaço que é dado a ela nesses escritos? E como a figura da mulher emerge em outros espaços, como nas Cartas de Paulo?

Thomas Stegman - A figura de Maria Madalena só aparece nos quatro evangelhos, e não nos escritos de Paulo. Com a exceção de Lucas 8,1-3, todas as referências a Madalena dizem respeito ao fato de ela testemunhar a crucificação (em Mateus e Marcos – de longe; em João – ao pé da cruz) e o sepultamento (Mateus, Marcos, Lucas) de Jesus, bem como ao sepulcro vazio (todos os quatro evangelhos) e a um encontro com o Jesus ressurreto (Mateus, Marcos [final mais extenso do evangelho] e João). 

Ela é, portanto, uma testemunha crucial que viu onde Jesus foi sepultado, o mesmo sepulcro que encontrou vazio no terceiro dia. Os relatos dos evangelhos nos dão uma “atestação múltipla” do papel de Maria Madalena como essa testemunha. Levando em conta que na lei judaica da época o testemunho de uma mulher não tinha status jurídico como depoimento no tribunal, é notável que os autores dos evangelhos a mantenham como a testemunha-chave.


IHU On-Line - De que forma podemos compreender a concepção de Maria Madalena como apóstola dos apóstolos?

Thomas Stegman - Em Mateus, Marcos e João, o Jesus ressurreto encarrega Maria Madalena de dizer aos discípulos (do sexo masculino) que Jesus ressuscitou. É interessante que Paulo entenda como “apóstolo” uma pessoa com quem o Senhor ressurreto se encontra e a quem ele dá uma missão específica. Maria Madalena certamente se encaixa nessa definição de apóstolo. Por causa de seu testemunho, ela é, com razão, chamada de “apóstola dos apóstolos”.


IHU On-Line – O que se sabe de Madalena antes do contato com o Cristo e sobre sua atuação no movimento de Jesus?

Thomas Stegman - Lucas 8,1-3 é a passagem sobre Maria Madalena que trata desse tempo. Nesse texto, ficamos sabendo que ela estava entre as mulheres que estavam acompanhando Jesus e os Doze durante o ministério dele na Galileia. Elas davam apoio financeiro para a missão. É em Lucas 8,2 que ficamos sabendo que sete demônios tinham sido expulsos de Maria Madalena.

Não há menção de que Madalena fosse uma pecadora ou prostituta. Essa associação foi feita porque Lucas 8,1-3 se segue imediatamente após o relato a respeito de uma pecadora anônima a quem Jesus perdoa e que, depois, lava extravagantemente os pés dele com suas lágrimas e os seca com seus cabelos. Não há base textual para identificar Maria Madalena com essa mulher, nem com os relatos de Mateus, Marcos e João a respeito de uma mulher que unge os pés de Jesus antes de sua paixão. Em João, essa mulher é identificada como Maria, irmã de Marta e Lázaro (e não como Madalena). Portanto, a tradição de que Maria Madalena seria uma prostituta/pecadora não faz justiça aos relatos bíblicos.


IHU On-Line - Como compreender o ministério de Maria Madalena? Quais as dissonâncias e aproximações com o ministério de Paulo?

Thomas Stegman – Maria Madalena desempenha um papel essencial na proclamação da boa nova de que Jesus ressuscitou dos mortos. Esse é o papel dela, e é um papel privilegiado. Paulo não a inclui na lista das pessoas que receberam uma aparição do Jesus ressurreto em 1 Coríntios 15,3-8. Será que é porque Paulo não sabe? Provavelmente, porque Paulo não tem animosidade contra as mulheres. Ele inclui mulheres (p. ex., Prisca e Febe) em seu ministério.


IHU On-Line - Em que medida é possível afirmar que a Igreja hoje, a partir do papa Francisco, faz um resgate a Maria Madalena? Quais as questões de fundo por trás desses movimentos?

Thomas Stegman – Atualmente, muitas pessoas querem resgatar a figura de Maria Madalena, e com boas razões. As mulheres desempenham um papel importante na identidade e missão da Igreja. Em função das diferenças no tempo em termos de valores culturais e papéis de gênero, não é fácil fazer comparações ou analogias diretas com o presente. O fato de que Jesus incluiu mulheres como parte de um grupo maior de discípulos é significativo. O mesmo se aplica ao papel crucial desempenhado por Maria Madalena nos eventos pascais. O que isso significa exatamente para o papel das mulheres na Igreja atualmente não está claro, embora esses dados devam fazer parte de qualquer discernimento sobre essa questão. ■

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