Edição 230 | 06 Agosto 2007

Perfil Popular - João Rabuske

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Na maioria das vezes, o sentimento de ser pai é reconhecido com o nascimento de um filho. João Rabuske, 37 anos, estudante do 7º semestre de Engenharia Mecânica na Unisinos, quebrou esta regra. Embora saiba da emoção que é ver um filho vir ao mundo, foi com a sua enteada, a Jordana, que ele descobriu o verdadeiro sentido da palavra pai. Em entrevista exclusiva à revista IHU On-Line, João revelou momentos marcantes de sua vida, que vão da tristeza de perder uma pessoa amada à felicidade de poder dar amor e carinho a duas crianças, suas fontes de esperança.

Origens e valores
Localizada a oeste de Santa Catarina, a cidade de Itapiranga, é colonizada por alemães e a principal fonte de renda vem do campo. Foi lá que João Rabuske nasceu. Das origens simples, que lhe fizeram crescer com dignidade, ele recorda com orgulho: “Meus pais trabalhavam com a criação de suínos e produção de leite, plantavam milho, soja e outros produtos básicos para a subsistência.” Embora viver no interior, às vezes, implique em permanecer cercado pela falta de recursos, em nenhum instante, principalmente na infância, João se afastou de momentos felizes, sejam eles em família ou com os amigos. “Tenho somente recordações boas, como os jogos de futebol aos domingos, a escola, as brincadeiras e, já adolescente, os bailes, quando caminhávamos longas distâncias até chegar.” Na escola, João percebeu que cabia aos mais fortes defender os indefesos. Com isso, aprendeu a não deixar que imperassem as injustiças. “Quando via alguém abusando de um pequeno, eu apanhava junto, mas não o deixava sofrer sozinho.”

A família e o adeus à terra natal
Dos seis irmãos, três homens e três mulheres, João foi o único a escolher o Rio Grande do Sul para viver. Seus irmãos estão espalhados por diversos cantos do país: São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Brasília, e há quem não deixou o Estado natal, Santa Catarina. “No nosso relacionamento, havia conflitos normais entre irmãos, mas, no fundo, éramos uma família, e tudo se superava com o tempo.” A vinda para solo gaúcho ocorreu em 1995, aos 25 anos, e com um grande objetivo na bagagem: cursar Engenharia Mecânica na Unisinos. “Era o que eu estava decidido a fazer e, onde eu morava, não havia onde cursar.”

Profissão
Buscar lenha para o fogão, capinar, acompanhar o pai na lida da roça. Foi assim que João aprendeu o que era trabalho. Aos 14 anos, foi estudar em uma escola agrícola, espécie de internato dos padres jesuítas, onde transformava o estudo em profissão. “Dos estágios realizados, surgiu meu primeiro emprego, em uma granja produtora de matriz de suíno, quando tinha 16 anos. O primeiro salário foi gasto em um relógio.” Foi quando ainda estava no 2º Grau que João teve a oportunidade de conhecer a Unisinos e decidiu que era nesta Instituição que queria estudar. Em 1998, a área de atuação profissional passou a ser a Engenharia Mecânica, quando começou a trabalhar como projetista em uma metalúrgica. “Sempre gostei de mexer na área mecânica. Hoje, trabalho na Delga Automotiva, em São Leopoldo, também metalúrgica. Minha profissão representa um sonho de criança.”

Matrimônio
Há três anos, João perdeu sua primeira esposa, vítima de câncer. Desta união, nasceu sua filha Verônica, de 5 anos. Sua esposa já tinha uma filha, de outro casamento, a Jordana, de 10 anos. João a assumiu como se fosse sua. Passados dois anos da perda, era hora de recomeçar. “Gostei da vida de casado e reconstruí minha família. Precisava de alguém para me ajudar a cuidar das crianças. Para mim, família é a base para o equilíbrio de uma pessoa. É ali que se forma o futuro cidadão.”

Pai – o sentido da palavra
João associa a palavra pai ao compromisso de formar um ser humano para a sociedade. Para ele, ser pai é compartilhar experiências, prazeres, ser recebido com festa quando chega em casa. É dar a oportunidade de uma educação decente e sentir que está dando segurança a uma pessoa. O sentido da palavra pai foi descoberto com a Jordana. “Ela se apegou a mim antes mesmo que a minha própria esposa e, para mim, foi um presente. No início, tive o receio de não ser aceito. Achei que ia ter que lidar com o ciúme da parte da criança. Como sempre, gostei de criança, comecei a brincar com ela que, como nunca tinha alguém que lhe fizesse o papel de pai, gostou.” O tratamento com as duas é igual. Ambas são chamadas de filha. Ter que corrigi-las, mostrar firmeza, é uma situação delicada para João. “Fico com o coração partido, porque corrigir dói mais na gente do que na criança. Mas é preferível fazer isso hoje para que, no futuro, ela saiba o caminho certo.”


É da fé que vem a força de João. Foi ela a grande responsável por ele não ter desistido diante da perda da esposa. João sabia que não podia impedir a partida, mas tinha a certeza de que as filhas precisariam dele. ”Elas estavam vendo que a mãe não ia durar muito tempo, e a própria mãe não escondia isso delas. Se eu desanimasse, o que seria das crianças?”.

Sonhos
Ter o seu próprio negócio é o grande objetivo profissional de João. Por enquanto, ele está eliminando os empecilhos, procurando informação e formação para um dia chegar lá. Há ideais pessoais que ele também persegue. “Sonho em continuar unido a minha família. Ver minhas filhas crescendo e, se vier outro filho, que seja bem-vindo. Quero fazer a função de pai, proporcionar uma vida digna para minhas filhas e para a nova esposa, manter a harmonia na família, sustentar, dar uma vida material que, a meu ver, não é o mais importante. Quero manter um lar na segurança necessária para formar membros da família equilibrados.” 

Educação
“A escola poderia ser um lugar onde se aprende o respeito, mas isso nem sempre se vê.” A resposta para esta falha, João vê nas famílias, pois não se aprende a respeitar em casa e continua não se aprendendo na escola. “O resultado disso é uma parcela da sociedade atual perversa.” João coloca a liberdade, o acesso à informação e a valorização do esporte, que afasta os jovens das drogas, em posição de destaque na educação do País.

O Brasil de hoje
Nem mesmo os escândalos que estão manchando a história do Brasil fazem João desistir de ver o País progredir. Ele reconhece que há falhas no governo, mas se revela um brasileiro otimista, destacando fatores favoráveis da política nacional. “A liberdade de investigações no País é um dos pontos positivos. Tenta-se desmoralizar o governo por aparecerem coisas erradas, o que já acontecia, mas não era permitido investigar.” O Brasil de hoje ainda está distante do que João gostaria, com mais justiça social, menos criminalidade e distribuição de renda justa. Para ele, isto só será possível quando existirem governos comprometidos com o povo, e não somente com os próprios interesses, o povo assumir o seu papel e poder político.

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