Edição 227 | 09 Julho 2007

“Precisamos ter um ‘projeto de Nação’”

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“Não basta nos contentarmos com a estabilidade e com o crescimento econômico sob o padrão político-econômico que vem se desdobrando desde 1994. O problema desse modelo não é o seu fracasso, a sua estagnação etc. O problema é o seu êxito, que perpetuará a acumulação capitalista com subdesenvolvimento, capitalismo selvagem na globalização financeira.” A afirmação é do economista José Carlos Braga em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail.

José Carlos Braga é professor no Instituto de Economia da Unicamp. Ele é autor, entre outros, do livro Temporalidade da riqueza. Teoria da dinâmica e financeirização do Capitalismo (Campinas: Unicamp, 2000).

“O Brasil regido por um ‘novo’ padrão de desenvolvimento capitalista” é o título da entrevista de José Carlos Braga publicada nos Cadernos IHU em Formação, no. 9, 2006, e disponível em pdf nesta página. Confira a entrevista.

IHU On-Line - Como o senhor avalia a política economia do governo Lula hoje? O ministro Guido Mantega está no caminho certo? Quais são os principais desafios da economia nacional hoje?
José Carlos Braga -
A política econômica do governo Lula tem, sobretudo, como pontos positivos a elevação real do salário mínimo e a transferência de renda importante através do programa Bolsa Família e de outros gastos correntes do governo. A destacar também o lançamento do PAC - Programa de Aceleração do Crescimento -, que, ao expandir o gasto público em infra-estrutura, contribuirá para a elevação do patamar de crescimento do PIB. O calcanhar de Aquiles é a funesta combinação de juros altos e a excessiva valorização da nossa moeda - o Real - em relação ao dólar o que prejudica alguns setores exportadores, como se sabe. Os principais desafios, logo, são baixar as taxas de juros e viabilizar uma correção gradual da taxa de câmbio. A inflação tem boas perspectivas de estabilidade, apesar de alguma turbulência nesse momento, em razão especialmente do preço do leite porque produtores internacionais sofreram quebra de produção. Mas não há por que cair na onda de pânico que alguns querem alardear: a de que é necessário evitar a queda da taxa de juros para combater a inflação. Há que se acelerar, portanto, a queda da taxa Selic, aquela que remunera os títulos da dívida pública, para desestimular a entrada de capitais especulativos e propiciar um caminho de valorização do dólar que corrija a taxa de câmbio. O terceiro desafio, nessa conjuntura, é garantir que o crescimento em curso não seja desestimulado por conservadorismo monetário do Banco Central. O Brasil caminha para crescer à taxa média anual de 5%, desde que os juros não atrapalhem porque os investimentos privados estão a se expandir, inclusive seguindo a ampliação do consumo interno. Se o PAC se consolidar, o caminho estará aberto.

IHU On-Line - O senhor concorda com Lula quando ele diz que "o Brasil vive o seu melhor momento desde que a República foi proclamada [em 1889]”?  
José Carlos Braga –
O momento brasileiro desde 2005 é muito especial no que diz respeito à enorme redução da vulnerabilidade externa. Nosso saldo comercial (exportações menos importações) e a acumulação de reservas internacionais-dólares, no Banco Central, dão uma capacidade bem considerável de defesa contra crises internacionais. A inflação é baixa e poderemos retomar o crescimento. Mas ainda registro como breve momento especial brasileiro aquele entre 1955 e antes do golpe militar de 1964. Aconteceu a combinação de economia dinâmica com democracia, inclusão social, criatividade cultural e futebol como arte. O jornalista e escritor Ruy Castro costuma dizer que aquele foi o Brasil que “deu certo, cuja trilha sonora era a Bossa Nova”. É um achado essa frase. Mas, enfim, temos, hoje, penso, condições de arrancar da estabilidade de preços e do crescimento que se desenha para construir um novo padrão de desenvolvimento produtivista e distributivista, o que não tivemos nem na época do desenvolvimentismo dos anos 1950, 1960 e 1970 do século passado. Esse padrão inclui crescimento, aumento da produtividade, aumento da qualidade de vida da grande maioria da população, redefinição das relações Estado e Mercado, reerguimento da capacidade de planejamento econômico das instâncias públicas, controle das finanças especulativas, política industrial, enfrentamento da questão sócio-agrária, de forma definitiva, e assim por diante. Não basta nos contentarmos com a estabilidade e com o crescimento econômico sob o padrão político-econômico que vem se desdobrando desde 1994. O problema desse modelo não é o seu fracasso, a sua estagnação etc. O problema é o seu êxito, que perpetuará a acumulação capitalista com subdesenvolvimento, capitalismo selvagem na globalização financeira.

IHU On-Line - Quais são as conseqüências para a indústria nacional da taxa de câmbio atual?
José Carlos Braga -
A taxa de câmbio atual afeta desigualmente os setores industriais. Alguns sobrevivem e outros até seguem competitivos e lucrativos por manobras financeiras, por internacionalizar-se etc. Mas há outros que sucumbem, como o setor calçadista do Rio Grande do Sul. Isso é um absurdo. Então, como dissemos, precisa-se mover os juros para baixo e começar a corrigir essa valorização excessiva do Real. O BNDES já está construindo, sob a gestão de Luciano Coutinho , uma nova política industrial, que virá a constituir finanças industrializantes no país e penso que obviamente tem “mandato” do Presidente Lula em sintonia com o Ministro Miguel Jorge . Considero, portanto, que a solução está a ser engendrada. A idéia dos economistas cosmopolitas da globalização, a de que se deve deixar o câmbio flutuar, pois a competição equilibrará o mercado, levará ou levaria a economia industrial brasileira a sofrer sérios abalos.

IHU On-Line - É possível retomar o desenvolvimento brasileiro com a abertura cambial que o País tem? Que controles no câmbio seriam possíveis nesse momento?
José Carlos Braga -
A abertura “cambial”, ou, mais precisamente, da conta de capital no balanço de pagamentos, ou, ainda, a abertura financeira do Brasil ao mundo, propicia operações diversas dos residentes e não residentes. Assim, intensificam-se os fluxos de capitais entre nossa economia e a economia internacional, num movimento de “mão dupla”. Ficamos, portanto, estreitamente vinculados às flutuações da economia mundial. É possível desenvolver o país em conexão com o resto do mundo e é mesmo necessário. No entanto, precisamos ter um “projeto de Nação”, a partir do qual essas relações sejam estabelecidas. O que não podemos é ficar à mercê do que os poderes oligopolísticos do mercado determinem, que é a proposta dos cosmopolitas liberais da globalização. Aí perdemos a idéia de Nação e abandonamos o povo às intempéries da instabilidade econômica, o que é uma tragédia humana, como temos visto em nossas cidades e no mundo afora. O principal controle no câmbio agora é baixar juros e coibir através de medidas tributárias e de regulamentações as ações especulativas nos mercados financeiros, na BM&F.

IHU On-Line - Com que olhos o senhor vê o investimento estrangeiro no Brasil? Qual sua opinião sobre estrangeiros que investem seu dinheiro aqui apenas por um curto espaço de tempo, em função dos altíssimos juros que o Brasil tem, ao invés de investir em empresas que possam trazer lucro para o País?
José Carlos Braga -
Esse ponto está relacionado com o anterior. O investimento estrangeiro produtivo é fundamental sobretudo quando o país receptor, no caso o Brasil, organizar esquemas de transferência de tecnologia e joint-ventures. O capital especulativo é sempre um problema e, portanto, deve ser desestimulado, controlado etc. O problema é que hoje, com a desregulamentação, com a abertura das economias, com as inovações financeiras, com o avanço de telecomunicações-informática, é cada vez mais difícil fiscalizar e regular essas ações. Há um descontrole perigoso à escala mundial e maior ainda em nossos países. Nas últimas décadas de “revanche liberal” contra o “reformismo” do após-Segunda Guerra, tem imperado a “libertação” da acumulação capitalista, inclusive sob sua forma mais geral e mais absurda a financeiro-especulativa-fictícia, que se sobrepõe às magnitudes de lucros gerados no processo produtivo.

IHU On-Line - O Rio Grande do Sul sofre com a crise do setor calçadista .  Qual sua opinião sobre essa crise? Trata-se de uma crise conjuntural ou do esgotamento de um modelo que já deu o que tinha que dar? 
José Carlos Braga -
Essa crise resulta daquela visão cosmopolita a que me referia antes: deixe os preços correrem soltos - inclusive o câmbio - que a concorrência resolve. Sim, fábricas fecham, máquinas e equipamentos são destruídos e trabalhadores ficam sem emprego, sem meios de vida. Para resolver a crise, de novo, é necessário que haja queda de juros para combater o problema cambial e devolver a competitividade das empresas conjunturalmente perdida por esse problema. Ao mesmo tempo, é verdade que elas devem buscar a produção de calçados de marca, de maior valor agregado etc; por razões estruturais da competição internacional. E os governos precisam proteger os setores atingidos, seja com alíquotas de importação, seja com financiamentos especiais, ou com outros instrumentos, como já vem fazendo. Não podemos ter acanhamento algum em proteger nossa economia; americanos, europeus e chineses, entre outros, não o têm.

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