Edição 226 | 02 Julho 2007

Second Life, apenas mais um tipo de existência na internet

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IHU Online

“Há, no Second Life, um vínculo muito forte com a primeira vida e a tal da segunda vida”, afirma a professora do PPG em Comunicação, da Unisinos, Suely Fragoso.

Experiente em participar do mundo virtual, Suely diz que esse é apenas mais um tipo de existência na internet. A professora ressalta que, ao entrarem no metaverso, muitas pessoas criam uma vida diferente daquela que vivem na realidade. No entanto, “depois de dois minutos de conversa, a pessoa revela sua identidade verdadeira”. Suely concedeu entrevista à IHU On-Line na semana passada, em seu gabinete, no Centro de Ciências da Comunicação, na Unisinos.

Suely Fragoso é graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e doutora em Communications Studies pela Universidade de Leeds, Inglaterra. Atualmente, é professora titular da Unisinos. É autora do livro O Espaço em Perspectiva (Rio de Janeiro: E-Papers, 2005) e organizadora de Comunicação na Cibercultura (São Leopoldo: Editora Unisinos, 2001). Eis a entrevista:

IHU On-Line - De acordo com uma pesquisa realizada pelo Gartne, um dos principais institutos de pesquisa sobre tecnologia do mundo, até o final de 2011, 80% dos usuários ativos de internet terão uma vida paralela na web. Por que as pessoas têm essa necessidade de ter uma segunda vida?
Suely Dadalti Fragoso –
Eu duvido dessa pesquisa. A internet é um grande ambiente, onde se pode ter diversos tipos de inserção. Por exemplo, é possível ter um avatar no Second Life, um perfil no Orkut, três ou quatro contas de e-mail ou blog. Eu tenho visto algumas pessoas dizendo que vão largar tudo isso para ficar no Second Life. Eu considero que esse tipo de existência na internet é apenas mais um tipo, e ele sequer dá conta das outras existências. Então, é muito diferente interagir pelo Orkut, pelo Second Life, ou pelo blog. Por isso, não acho que a maioria dos usuários da internet migre para o Second Life.

Eu tenho visto muitas pessoas entrarem nesse mundo universo virtual, em geral motivadas pela mídia. Elas entram, vêem do que se trata e saem. Para algumas, o programa é legal e atraente, e, para uma imensa maioria, eu acho que não. Então, as pessoas estão entrando, experimentando e saindo.
A própria noção de segunda vida no Second Life é um pouco estranha. Alguns falam que não podem ser de um determinado jeito na vida real, e conseguem fazer isso no Second Life. É como se acreditássemos que poderíamos largar o próprio corpo físico para existir somente no universo virtual. Assim, o ingresso no metaverso é interessante pela brincadeira, mas não dá para chamar de uma vida, porque no Second Life não se come, não se dorme, não se sente sono. Por outro lado, algumas pessoas buscam esse ambiente como um escapismo. Estão mal na sua primeira vida, e escapam para uma suposta vida virtual. Mas esse escapismo poderia ocorrer através da literatura, da novela, numa conversa por telefone. Desse modo, a segunda vida, proposta pelo programa, é muito mais uma questão de marketing e propaganda.

Há, no Second Life, um vínculo muito forte com a primeira vida e com a tal da segunda vida. A pessoa cria seu avatar (por exemplo, uma loira de 2 metros de altura), mas, depois de dois minutos de conversa, revela que não é loira nem tem 2 metros de altura. Percebe-se, de maneira rápida, que as pessoas querem falar sua vida principal. Então, o Second Life acaba funcionando muito como uma sala de chat.

Homens na realidade, mulheres no Second Life

Eu tenho muitos amigos do sexo masculino com avatares femininos. Quando perguntei por que usam avatares do sexo oposto, alguns disseram claramente que entraram como homens, e perceberam que conseguiriam empregos e alguns lindens dançando em cima de mesa, por exemplo. No entanto, para essa atividade, não havia vaga para homens. Então eles saem, entram como mulheres, ganham alguns lidens e fazem amigos. Mas essas pessoas, dizem, depois de algumas frases, que são homens. Outros argumentam que entravam como homens, e ninguém conversava com eles, então entravam como mulheres.

IHU On-Line – O Second Life tem algum sentido ou as pessoas participam por que tem a necessidade de fazer parte de uma comunidade?
Suely Dadalti Fragoso –
Muita gente entra porque quer saber do que se trata. Eu soube do Second Life em 2003, não achei graça e saí. Depois entrei de novo e saí. No ano passado, entrei novamente para ver o que as pessoas encontravam nesse espaço virtual. Por exemplo, eu gosto de modelagem, e criar coisas dentro desse software é muito interessante. Eu posso construir prédios, casas e colocar numa determinada área. O interessante é que as pessoas podem ver o que os outros criam. Então, tem coisas que são atraentes, mas para um perfil pequeno. 

IHU On-Line - A senhora disse num artigo que os locais de trabalho não têm condições de fomentar o convívio relaxado. O Second Life proporciona esse convívio?
Suely Dadalti Fragoso –
Com os usuários que usam o Second Life freqüentemente, eu percebo mais esse ambiente relaxado, de comunidade. As pessoas entram para conversar com amigos, trocar opiniões e falar coisas que não poderiam falar no local de trabalho.

Nós vivemos a pressão de um momento político econômico, em que o local de trabalho passa a ser muito tenso. Todos estão sempre preocupados em perder o emprego, e isso deforma as relações. Já no Second Life, o indivíduo pode relaxar, e conversar com as pessoas que tem afinidades e evitar aquelas com que não tem, sem se preocupar com isso.

Uma coisa de que eu gostei do Second Life é que, ao entrar nele, as pessoas não sabem quem você é. Então, isso cria primeiro uma outra relação, e depois você descobre outras coisas da vida da pessoa, como atividade, idade. A pessoa realmente relaxa, porque, no jogo, o indivíduo não precisa se cuidar, ele não é mais o pai do fulano, o professor etc..

IHU On-Line - Que conseqüências positivas e negativas esse jogo pode trazer aos usuários?
Suely Dadalti Fragoso –
De positivo, as pessoas podem aprender muito sobre elas mesmas. Eu diria que, em três meses no Second Life, eu aprendi muito de mim mesma. Então, existe um potencial muito grande, pois as pessoas podem observar o que fazem com o avatar e se perguntarem por que agiram de determinada maneira. Outro fator positivo é o da possibilidade de socializar e amenizar situações de vida que podem ser terríveis. Por exemplo, pessoas solitárias encontram no Second Life a oportunidade de fazer novos amigos. Então, passa a ser maravilhoso poder socializar. Sendo um avatar, as pessoas tratam umas às outras de maneira diferente.

Uma coisa negativa é que esses ambientes têm um efeito potencializador das emoções muito forte. Sendo o Second Life uma brincadeira, as pessoas “baixam a guarda” e, de alguma maneira, pensam que não têm conseqüências as coisas que são ditas, o que não é verdade. Quanto mais usamos o programa, percebemos que as opiniões dos outros importam sim. Uma aluna minha comentou que entrou no Second Life e alguém criticou o cabelo do avatar dela. Ela ficou muito chateada com aquilo. E se formos pensar quais as conseqüências disso para o mundo real, perguntamos: que diferença isso faz? No entanto, esse tipo de coisa é muito sério, à medida que as pessoas esquecem que do outro lado da tela também existe um ser humano. Por isso, digo que o avatar é cada ser humano em carne viva, pois, de alguma forma, representa um desejo ou uma manifestação de quem o controla. Acontece que as pessoas esquecem do poder de amplificação do Second Life. Nós ainda não aprendemos que a relação mediada tecnologicamente é, na realidade, entre seres humanos.

IHU On-Line - Quais são as semelhanças e diferenças entre os atuais ambientes sociais online?
Suely Dadalti Fragoso –
Na internet, existiam as MUDs , que eram como RPGs  online. Ao invés de entrar para jogar, muitas pessoas entravam apenas para conversar. Então, criaram-se as MUDs sociais, que eram apenas para bate-papo. Essas MUDs sociais são a origem de lugares como o Second Life. Então, historicamente, teve o Palace, uma sala de teatro com gráficos, e assim foi evoluindo. Para mim, o Second Life traz MUDs sociais. Já encontrei lá dentro subambientes que são RPGs, salas onde se jogam cartas etc. A diferença é que no Second Life as pessoas podem encontrar o que quiserem.

IHU On-Line - Os ambientes de jogos online e terceiros lugares são ambientes neutros? Mesmo no Second Life, as pessoas conseguem ter mais pertences que outros. Isso não gera uma desigualdade virtual que pode causar conseqüências reais?
Suely Dadalti Fragoso –
Definitivamente, não são ambientes neutros. Não há ambiente neutro, ainda mais num programa tecnologicamente construído. Ele é todo predefinido. Quando a pessoa entra no Second Life, aparece um livro, uma espécie de pacote que inclui um manual e junto vem um livro do Neal Stephenson , o Snow Crasch , no qual ele descreve um metaverso que se assemelha muito ao Second Life. Ou seja, este foi muito inspirado nesse livro, no qual o autor descreve uma situação que acontece muito no Second Life. Ao entrar, todos percebem que esse é um novato. As pessoas que estão ali há mais tempo já têm uma série de apetrechos, e isso já cria um status. Se a pessoa tem muitos apetrechos, ela já é uma pessoa experiente. Então, isso cria uma diferença que é brutal.

Como muitas das coisas no Second Life podem ser feitas, as pessoas produzem coisas e vendem. Nessa brincadeira, muita gente começa a comprar uma aparência, a adquirir terras e objetos, o que traz um status.

É interessante que, nas conversas, muitos dos avatares mostram o que eles têm no Second Life. As pessoas mostram suas casas, ilhas, posses, como um símbolo de status. Mas acredito que isso não traga grandes conseqüências para as pessoas, porque vivemos numa sociedade em que estamos acostumados com a idéia de ter o que a gente não possui. No entanto, sempre há conseqüências reais, porque não conseguimos separar o real do virtual. Ao criar um perfil (com identidade falsa) no Orkut e insultar todo mundo, por exemplo, é claro que isso faz diferença, mesmo que ninguém saiba quem está fazendo isso. Insultos afetam o indivíduo, mesmo que ninguém saiba quem é o responsável por eles. Assim ocorre também no Second Life.

Mídia induz participação no Second Life

Houve um momento, o qual está chegando ao fim, que apenas entrar no Second Life já gerava mídia espontânea. A TAM  entrou no Second Life, e saiu a notícia em todos os jornais. Nesse sentido, é mais vantajoso entrar no Second Life e ganhar cobertura do que tentar obtê-la com outra ação. Ou seja, entrar no Second Life passou a ser midiaticamente interessante. Isso também ocorreu com o surgimento do website. Era bastante divulgado quando as empresas criavam seu website, e tê-lo já bastava. Se ele era bom ou não, isso não interessava. Possuir um website já simbolizava que uma empresa estava conectada aos tempos modernos. A mesma coisa acontece no Second Life.

Nas pesquisas que produzi em sala de aula com os alunos do curso de Comunicação Digital, percebemos que as marcas estão entrando muito mal no Second Life. Muitas delas colocam outdoor nas ruas virtuais. No entanto, ao questionar alguns avatares, eles dizem que não lembram de ter visto marcas do mundo real. Então, que diferença faz uma entrada dessas? Funcionou mais como geração de mídia espontânea fora do Second Life.

IHU On-Line - Como ocorre o que a senhora chama de um novo tipo de sociabilidade, nos games online?
Suely Dadalti Fragoso –
A sociabilidade se dá na oportunidade de encontrar pessoas que têm a ver umas com as outras, e que não seria possível encontrar em outras ocasiões. Nesse sentido, é a mesma coisa de uma sala de teatro online, na qual é possível conversar com pessoas do mundo inteiro. A diferença é que em outros games só é possível conversar, enquanto no Second Life é possível criar outras coisas. Mas, efetivamente, não é verdade que ao se entrar nesse ambiente virtual será possível encontrar 50 mil pessoas interessantes. São as mesmas pessoas que estão no mundo: chatas, simpáticas, interessantes. Mas esse não é um fenômeno do Second Life, e sim da internet.

Eu, por exemplo, tenho amigos que são professores no exterior e que encontro a cada dois, três anos em congressos. Mas eu, sistematicamente, leio o blog deles. Então, eu sei o que acontece no seu dia-a-dia, e eu comento o blog deles. Comentar o blog é uma maneira de estar em contato. Então, são coisas extremamente ricas que a gente pode fazer através dessa comunicação mediada. É uma maneira de manter contato com as pessoas, num mundo que está esfarelado hoje.

IHU On-Line - No Second Life, as pessoas podem mudar de opinião e de posição na hora em que bem entendem. Que tipo de personalidades se formam nesse convívio?
Suely Dadalti Fragoso –
O curioso é que podemos mudar de opinião não só no mundo virtual, mas no real também. Na segunda metade do século XX, já há uma quebra da identidade mais fixa. As pessoas podem definir-se de um jeito muito mais plural, muito antes da vida na internet. O que eu percebo é que, ao se entrar no mundo virtual, pensamos que podemos ser o que quiser e, na verdade, não conseguimos. Eu, por exemplo, já entrei em games com avatar homem, e ia lutar como homem. Com o tempo, as pessoas percebiam que eu era mulher, porque tinha alguma coisa no meu jeito de interagir que me identificava. O interessante desses ambientes virtuais é que eles nos possibilitam perceber coisas sobre a nossa pessoa, até então não percebidas.

Quando as pessoas começam a interagir, dá vontade de trazer a conversa para a vida real, e é o que acontece muitas vezes. Nem sempre elas se conhecem pessoalmente, mas existe uma relação aberta, sem a pressão de criar uma imagem. Então, tanto o Second Life quanto outros ambientes virtuais têm um potencial muito grande na criação de relacionamentos. No entanto, também existem pessoas muito perigosas, o que exige um pouco de cuidado.

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