Edição 225 | 25 Junho 2007

Giuseppe Alberigo

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IHU Online

José Oscar Beozzo é padre, teólogo e um dos maiores historiadores da Igreja na América Latina. Ele fala, na entrevista que segue, concedida por e-mail à IHU On-Line, sobre o professor Giuseppe Alberigo, falecido no último dia 15 de junho, na Itália.

Beozzo é coordenador-geral do Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular (Cesep). É autor de inúmeros livros, entre os quais A Igreja do Brasil (Petrópolis: Vozes, 1993). Faz parte do Centro de Estudos de História da Igreja na América Latina (CEHILA-Brasil) e é filiado à Comissão de Estudos de História da Igreja na América Latina e no Caribe (CEHILA). Confira o artigo Aparecida: propostas, ênfases e lacunas, publicado pelo site do IHU, www.unisinos.br/ihu em 23-07-2007 escrito por Beozzo sobre a V Conferência para a Prelazia de São Felix do Araguaia. Em 20-08-2006 o sítio do IHU publicou a entrevista “A política tornou-se, o mais das vezes, um teatro”, realizada com Beozzo e publicada pela editoria Teologia Pública da edição 192 da IHU On-Line, de 21-08-2006 sob o título Um olhar sobre o ecumenismo. Confira o que ele destaca sobre o legado de Alberigo para a Igreja e a sociedade.

IHU On-Line - O senhor trabalhou e conviveu com Alberigo. Poderia dar um breve depoimento sobre o que guarda de mais bonito desse convívio?
José Oscar Beozzo -
Faleceu no dia 15 de junho, último, em Bologna, aos 81 anos, o professor Giuseppe Alberigo, sem dúvida o mais importante historiador contemporâneo da Igreja. Guardo dele duas imagens contrastantes. A primeira, a do professor acolhedor, mas sério e respeitado, até um pouco temido por alunos e pesquisadores da Fundação do Instituto para as Ciências Religiosas João XXIII, organismo agregado à Universidade de Bolonha e da qual era o principal responsável. A segunda imagem, a do avô extremoso e carinhoso, que, na sua intimidade, deixava ser arrastado ao tapete da sala de jantar pela sua netinha Francesca, que, com voz imperiosa, lhe dizia: “Nono, venga giocare con me!” (Vô, vem brincar comigo!). 
 
IHU On-Line – Qual é o principal legado de Alberigo para a Igreja e a sociedade?
José Oscar Beozzo -
Sob os auspícios do então Cardeal Lercaro, Giuseppe Dossetti, um dos mais importantes políticos e intelectuais italianos, um dos fundadores da Democracia Cristã e secretário da Assembléia Constituinte italiana de 1946, iniciou em Bologna, em 1952, uma experiência única no panorama cultural-religioso da Itália: um centro de estudos e debates na encruzilhada entre fé cristã e mundo contemporâneo. O centro estava atento à questão da presença e do testemunho cristão dos leigos no campo da política, economia, trabalho, arte e cultura. Dossetti, de deputado e dirigente político, tornou-se sacerdote da arquidiocese de Bologna e, depois, fez-se monge. O professor Alberigo sucedeu-o na direção do Instituto, assumindo e ampliando sua herança, tornando-se por quase quarenta anos um pouco a alma e o rosto do Instituto per le Scienze Religiose.

O Instituto assumiu com entusiasmo a proposta conciliar de João XXIII. Entre outras iniciativas, preparou e entregou para o Papa, em vista da primeira sessão do Concílio Vaticano II (1962) uma preciosa coletânea dos decretos de todos os anteriores concílios ecumênicos, que foi igualmente colocada à disposição dos demais padres conciliares e peritos.

Alberigo foi formado em história na escola do professor Hubert Jedin, o grande especialista do Concílio Tridentino, e na de Delio Cantimori , o brilhante historiador dos “hereges” italianos do século XVI, do qual foi assistente na Universidade de Florença. Foi discípulo de Dossetti e estreito colaborador do Cardeal Lercaro durante seu episcopado em Bolonha. Empenhou o Instituto de Ciências Religiosas de Bolonha na pesquisa histórica e no diálogo cultural e religioso, tornando-o o mais importante centro de estudos acerca dos Concílios, de modo particular, do Concílio Vaticano II.

Alberigo empreendeu, entre muitas outras, três pesquisas notáveis: uma acurada investigação de toda a vida e obra de Giuseppe Roncalli, culminando com uma edição crítica do seu Giornale dell’Anima (Diário da Alma), do discurso de abertura do Vaticano II, o Gaudet Mater Ecclesia (Alegra-se a Mãe Igreja), enquanto seus colaboradores se debruçavam sobre a trajetória de vida de Roncalli, na diocese de Bergamo, na diplomacia vaticana que o levou à Romênia, Turquia e Grécia, como delegado apostólico; a Paris, como Núncio, e depois a Veneza, como patriarca, antes de ser eleito Papa. Ele e sua esposa Angelina escreveram uma importante biografia e seleção de escritos de João XXIII. O Instituto tornou-se o principal centro de estudos roncalianos, a ponto de a Congregação das Causas dos Santos confiar-lhe a etapa de instrução de todo o volumoso processo de estudo dos seus escritos e que antecedeu sua recente beatificação. A segunda grande área de pesquisa esteve voltada para o Concílio Vaticano II. Alberigo coordenou, por doze anos, a imensa tarefa de produzir, com colaboradores de todos os continentes e uma ampla e acurada pesquisa histórica, a principal História do Concilio Vaticano II, publicada em cinco volumes (1994-2001) em italiano, francês, inglês, espanhol, alemão e agora também em russo. Lamentavelmente, em português, por problemas editorais, foram publicados pela Editora Vozes de Petrópolis apenas os dois primeiros tomos desta obra monumental. Em torno à pesquisa conciliar, foram editados duas dezenas de outros títulos fruto de encontros, seminários e teses de doutorado dos jovens pesquisadores do Instituto que se debruçaram sobre os principais documentos do Vaticano II. Esta febril atividade valeu ao Instituto o título de “officina bolognese” e fez de sua biblioteca e de seus arquivos, hoje vinculados à Universidade de Bologna, sem sombra de dúvida, o mais importante acervo documental e bibliográfico do Vaticano II, da história dos Concílios e de história da Igreja. Ali estão depositados os papéis conciliares do Cardeal Giacomo Lercaro, de outros bispos italianos e de importantes peritos conciliares. O atual Papa Bento XVI reiterou, em abril deste ano, ao Prof. Alberigo, sua promessa datada de 2001, de legar ao Instituto de Bolonha, todos os seus escritos do tempo em que foi perito conciliar e assessor do Cardeal Frings  de Colônia, na Alemanha. Bento XVI tranqüilizou o Prof. Alberigo, assegurando-lhe que a doação encontrava-se consignada nas suas disposições testamentárias.

A terceira pesquisa à qual dedicou seus últimos anos de vida girou em torno a uma nova edição crítica, em quatro volumes, dos decretos de todos os anteriores concílios ecumênicos: 'Conciliorum oecumenicorum generaliumque decreta' (Decretos dos Concílios Ecumênicos e Gerais), lançada pela prestigiosa coleção “Corpus Christianorum” da Editora Brepols da Holanda. O primeiro volume da obra foi entregue pessoalmente ao Papa Bento XVI em audiência privada em abril deste ano. A publicação não deixou de causar viva polêmica, que ganhou, inclusive, as páginas do Observatore Romano nas últimas semanas. Alberigo classificou os concílios como “ecumênicos”, reservando este título apenas para os sete primeiros concílios, acolhidos como tais tanto pelo oriente como pelo ocidente cristãos, e como “gerais” todos os demais concílios, chamados igualmente de ecumênicos no âmbito historiográfico católico. Entre estes, estão incluídos os concílios medievais, o Tridentino, o Vaticano I e o Vaticano II, que não são recebidos como “ecumênicos” pelas demais igrejas cristãs.

IHU On-Line - Como o senhor caracteriza a forma dele registrar a história da Igreja? Qual é a particularidade de Alberigo ao relatar o Concílio Vaticano II?
José Oscar Beozzo -
O professor Alberigo alçou a História da Igreja, inclusive a contemporânea a um nível de seriedade e de credibilidade científica que a fez retornar ao quadro da pesquisa acadêmica de quase todas as universidades italianas articuladas num programa nacional de investigação histórica. Deixo a palavra a Andréa Riccardi , importante estudioso da história contemporânea, acerca desta contribuição específica de Alberigo e de sua escola bolonhesa:

“A cultura italiana não pode se esquecer da grande contribuição de Alberigo, para o despertar do interesse pelos estudos históricos da Igreja, do cristianismo, da história da teologia e, num sentido mais amplo. do interesse pelas temáticas religiosas. Trata-se de um setor quase esquecido na Universidade italiana, considerado de interesse apenas para os estudiosos da antiguidade ou como um campo de caráter confessional. Alberigo, que ensinou desde 1968 na Universidade de Bolonha, foi uma dessas personalidades que, nos tempos em que os estudos do campo religioso eram tratados como uma espécie de arqueologia, chamou a atenção sobre o seu valor para compreender o presente e para estabelecer uma verdadeira cultura humanística. E, em parte, conseguiu criar este espaço e esta sensibilidade. O estudioso de Bolonha buscou por outro lado oferecer seus estudos à Igreja. Não o fazia para envolver a autoridade do Papa ou da Igreja em interpretações cuja responsabilidade era por ele assumida, pessoalmente. A apresentação dos trabalhos do Instituto aos Papas, desde a entrega dos Decretos dos Concílios Ecumênicos ao Papa João XXIII, já em 1962, até o último encontro com Bento XVI, exprime simbolicamente a atitude com que trabalhou e viveu Alberigo: oferecer a história, a sua historiografia à Igreja”.

IHU On-Line - Quais são os destaques entre as obras de Alberigo?
José Oscar Beozzo -
Empenhei-me para que fossem publicadas no Brasil algumas de suas obras mais importantes, como a História do Concílio Vaticano II, em cinco volumes, pelas Vozes de Petrópolis; a História dos Concílios Ecumênicos, por ele coordenada, pela Editora Paulus; a Herança Espiritual de João XXIII pelas Paulinas, e, mais recentemente, a Vida do Papa João XXIII pelas Paulinas. A Editora Santuário publicou há pouco uma História sintética do Concílio Vaticano II. Tive ainda a alegria de que escrevesse o prefácio para o livro “A Igreja do Brasil no Vaticano II” (Paulinas, UCAM, CAAL, 2005), resultado de longa pesquisa que realizei, sob sua inspiração, nos arquivos e na biblioteca do Instituto de Bolonha e no Fundo Vaticano II da Biblioteca da Obra Social Redentorista Pesquisas Religiosas, em São Paulo. Não se pode aquilatar a irradiação do Prof. Alberigo sem examinar a marca que deixou nos números por ele coordenados sobre a História da Igreja na Revista Internacional de Teologia, Concilium, da qual foi um dos fundadores, junto com Karl Rahner , Hans Küng , Gustavo Gutierrez , Edward Schillebeeckx , e, por mais de 25 anos, membro do seu Conselho de Direção. Pediu-me que o substituísse nesta função a partir de 1992. Continuou, porém, guiando-me e orientando-me no vasto campo da história da Igreja, já que o horizonte de minhas pesquisas estava limitado ao Brasil e à América Latina e ao Caribe.

Foi também o fundador e animador da revista de pesquisa histórica, publicada pelo Instituto de Bolonha, “Cristianesimo nella Storia”, Cristianismo na História, uma das mais prestigiosas e internacionalmente respeitadas publicações no campo da história do cristianismo.

Manteve laços de especial carinho para com o Brasil que visitou em 1995, acompanhado de sua esposa Angelina e de sua filha Paola, para participar da II Conferência Geral de História da Igreja na América Latina e no Caribe, realizada pela CEHILA (Comissão de Estudos de História da Igreja na América Latina) em parceria com a PUC de São Paulo. Acolheu em Bolonha, com bolsa do Instituto, para um doutorado sobre as Cartas Conciliares de Dom Helder Camara , o prof. Luiz Carlos Luz Marques, atualmente professor de História da Universidade Católica do Recife, PE, e editor destas mesmas cartas  pelo Instituto Dom Helder Camara e pela Universidade Federal de Pernambuco.

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