Edição 224 | 20 Junho 2008

“O impacto sobre o setor calçadista continuará sendo negativo”

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Manter os empregos do setor calçadista, explica o economista e Prof. Dr. Achyles Barcelos da Costa, “é uma medida de alcance social, mormente em um país que tem apresentado nos últimos anos escassas oportunidades de ocupação”. Para aliviar a crise que se estende no Vale do Sinos, enfatiza o professor, é necessário adotar “algum mecanismo que reduza diretamente os custos de produção”. Uma das alternativas apontadas pelo economista é a competitividade com os asiáticos, que segundo ele, ocorrerá a partir do momento em que os brasileiros produzirem “calçados de marca, de maior valor agregado, atendendo pedidos em lotes menores e mais freqüentes”.

O site do IHU, www.unisinos.br/ihu, vem dando ampla repercussão à crise calçadista brasileira. Confira, em especial, as entrevistas realizadas pela IHU On-Line: A crise do setor calçadista vista a partir dos trabalhadores demitidos, publicada em 20-04-2007, e Crise no setor calçadista brasileiro, com Ênio Erni Klein, publicada em 12-04-2007.

Achyles Barcelos da Costa é graduado e mestre em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Doutor em Economia da Indústria e da Tecnologia, atualmente é professor da Unisinos. De seus trabalhos acadêmicos, destacamos a dissertação de mestrado, intitulada A concentração econômica da indústria de calçados do Vale do Sinos, e a tese de doutorado, Modernização e competitividade da indústria de calçados brasileira. É de sua autoria a edição 47 dos Cadernos IHU Idéias, intitulada O desenvolvimento econômico na visão de Joseph Schumpeter. Confira a seguir a entrevista concedida à IHU On-Line, por e-mail:

IHU On-Line – De acordo com o vice-presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Milton Cardoso, em janeiro as entradas de calçados vindos da China cresceram 11%, em fevereiro 34% e em março 76%, em relação ao mesmo período do ano passado (www.sinos.net). O Vale ainda tem condições de competir com os chineses? Como o senhor avalia esse momento? O que será necessário para poder competir com os orientais?
Achyles Barcelos da Costa -
Para entender as dificuldades enfrentadas pelas empresas calçadistas brasileiras frente aos concorrentes asiáticos, é importante identificar o principal atributo vinculado ao calçado sob o qual competimos. Embora o calçado não seja uma commodity (ou seja, não é um produto homogêneo), no segmento de mercado no qual nos especializamos no exterior – calçado feminino de couro de baixo-médio preço –, os custos de produção são fatores determinantes de competitividade. E, sendo um setor intensivo em trabalho direto, os custos com mão-de-obra são significativos na composição do preço final do calçado. Afora as disparidades de jornadas de trabalho e de encargos trabalhistas, os salários entre países asiáticos produtores de calçados oscilam entre US0 a US0 mensais por trabalhador (Vietnã, China, entre outros), contrastando com o equivalente a US0 do trabalhador do Vale do Sinos. Como se sabe, há uma taxa de câmbio de R,00 por dólar americano. Esse salário equivale a R0,00 mensais, o que não é muito elevado. Contudo, temos que procurar preservar a atividade e os empregos. Nessa questão, há que se observar a dimensão social da competitividade. Esse é um setor no qual milhares de trabalhadores (cerca de 300 mil no Brasil e 130 mil no Rio Grande do Sul) baseiam a produção de sua vida material. Manter esses empregos é uma medida de alcance social, mormente em um país que tem apresentado, nos últimos anos, escassas oportunidades de ocupação. Adotar algum mecanismo que reduza diretamente os custos de produção – como a que está discutindo de desoneração da folha de pagamentos – pode ser uma medida que mitigue a situação. Entretanto, a mais longo prazo, o setor deverá procurar competir em outros atributos nos quais os asiáticos ainda não possuem capacitação ou não estão interessados. Os produtores brasileiros devem procurar produzir calçados de marca, de maior valor agregado, atendendo pedidos em lotes menores e mais freqüentes, e vender direto a importadores e a consumidores finais. A flexibilidade produtiva nos dá um diferencial competitivo, dado que os asiáticos produzem em escala, o que dificulta o atendimento de pequenos pedidos.

IHU On-Line – O senhor acha que além das altas taxas de juros, a valorização do real e a concorrência com a China, outro fator que tem levado muitas empresas de calçados a encerrar as atividades, por exemplo, pode ser o fato dos empresários não quererem trabalhar com lucro baixo?
Achyles Barcelos da Costa -
Não se pode atribuir o fechamento de empresas de calçados à idéia de que a taxa de lucro do setor é baixa. Sair da atividade não é algo fácil. Os equipamentos e máquinas utilizados guardam certa especificidade ao setor, sendo difícil empregá-los em outro ramo produtivo. Mesmo havendo um mercado de máquinas usadas, há perdas por desvalorização desses ativos. É mais provável que empresas relutem em abandonar a atividade, indo até o limite no suporte aos prejuízos. O câmbio valorizado e a presença de produtores asiáticos com custos absolutos inferiores aos nossos são os principais responsáveis pelas dificuldades do setor.
 
IHU On-Line - A culpa da crise é apenas do governo, como alegam os empresário, ou eles também contribuem com uma parcela?
Achyles Barcelos da Costa -
Sobre essa questão, há que se diferenciar eficiência empresarial e competitividade sistêmica. Às vezes, são feitas avaliações equivocadas – com base em confusões conceituais – de que a crise do setor deve-se a ineficiências empresariais. Com base nessa idéia, questionam-se medidas protecionistas, como a que foi estabelecida mediante elevação de alíquotas de importação de 20% para 35% aos calçados importados pelo Brasil, ou de que o setor apresenta limitações empresariais para trabalhar com esse nível cambial. Ora, apenas pra efeito de raciocínio, o trabalhador-sapateiro do Vale do Sinos pode estar produzindo fisicamente, em média, o mesmo número de pares de calçados que um colega seu asiático. Suponha-se, ainda, que o preço em dólares desses calçados seja o mesmo tanto para o Brasil quanto para um concorrente asiático: por exemplo, US$ 10 o par. A uma taxa de câmbio de R,00 por US.00, o produtor brasileiro recebe R,00 pelo seu par de sapatos, o equivalente ocorrendo com o produtor asiático em sua moeda. Suponha-se, agora, que ocorra uma apreciação da moeda brasileira, de tal maneira que o R,00 seja igual a US.00, e, mais ainda, que o câmbio no país asiático não tenha se alterado. Nessa nova situação, o produtor brasileiro receberá apenas R,00 pelo mesmo par de sapatos que antes era vendido por R,00. E não aconteceu nada com a produtividade do trabalhador na empresa calçadista brasileira, bem como não se alteraram os seus custos com insumos e mão-de-obra. Como agora acusá-la de ineficiente? Nesse momento, um dos determinantes da crise do setor é decorrente da política monetária do governo, de juros elevados que acarreta a apreciação cambial.

IHU On-Line – Em artigo publicado no jornal Valor, no dia 06-06-2007, o professor de economia da UFRJ, Carlos Lessa, comentou que o principal problema da pequena e média empresa é, exatamente, não ser grande. Pensando no contexto do Vale do Sinos, muitas empresas, embora tradicionais, apresentam esse porte (pequena e média). Podemos dizer que esse é um fator que contribui para eliminá-las do mercado? Como as empresas podem, através de alternativas, se manter no mercado?
Achyles Barcelos da Costa -
De fato, a pequena empresa, em função de seu porte, apresenta limitações associadas à capacidade de financiamento, acesso à tecnologia e a mercados etc. Mas as empresas podem contornar essas restrições, inserindo-se em arranjos produtivos locais, como é o caso aqui no Vale do Sinos. A proximidade geográfica com outros estabelecimentos do setor, com ramos auxiliares e com instituições de apoio, lhes proporcionam ganhos econômicos que isoladamente não poderiam obter. O tempo de sobrevivência dessas empresas no mercado é maior quando inseridas em clusters do que em atuação isolada. O fechamento dessas empresas por questões de mercado e gerenciais é recorrente nesse e em outros setores.

IHU On-Line – Quais são as principais conseqüências da crise calçadista para o Vale do Sinos?  Ela já alcançou seu ápice?
Achyles Barcelos da Costa -
A persistir a apreciação cambial, o impacto sobre o setor continuará sendo negativo em termos de emprego e renda. A desaceleração do volume de calçados exportados repercutirá em queda do emprego e desativação de linhas de produção e de empresas. Como a taxa de câmbio é uma variável importante para a competitividade do setor, somente se esse valor do câmbio (cerca de R,95 por US.00) tivesse atingido o seu limite mínimo (não caindo ainda mais), poder-se-ia considerar a crise como tendo alcançado o seu ápice. Mas dado que o câmbio pode ainda se apreciar, mantida a política do governo de juros altos, os seus efeitos negativos podem ainda se expandir. É urgente, então, que se adotem medidas que estanquem a valorização do câmbio.

IHU On-Line – No início da semana, a governadora Yeda Crusius anunciou que irá buscar ajuda para o setor calçadista, junto ao Governo Federal. Ela disse que irá fazer tudo que estiver ao alcance do Estado, para apoiar as empresas da região. O Governo do Estado está se mobilizando tarde demais?
Achyles Barcelos da Costa -
Pode ser, pois a trajetória do câmbio já prenunciava há algum tempo esse quadro de dificuldades para o setor. Mas também essa postura pode se dever a alguma crença de que o tal de mercado é o melhor árbitro para o problema. Na área do câmbio e das condições competitivas de concorrentes asiáticos, o Estado gaúcho não tem muita influência, pelo menos diretamente. No âmbito de sua área de competência, as medidas estariam vinculadas à política tributária estadual – ressarcimento de créditos e redução de impostos para os produtos do setor – e no desenvolvimento de ações que ajudassem o setor em realizar um ajuste em direção a novos atributos de competitividade.
 
IHU On-Line – Nessa terça-feira, 12-06-2007, o Governo Federal anunciou o financiamento de R$ 3bilhões para ajudar as empresas afetadas pela baixa do dólar. Esses empréstimos vão ajudar as empresas de maneira positiva, ou podem gerar “uma bola de neve” ainda maior para os empresários?
Achyles Barcelos da Costa -
Todas as iniciativas que venham mitigar as dificuldades enfrentadas pelo setor são positivas, e as que estão sendo propostas, apontam nessa direção. Contudo, há que se avaliar a profundidade do impacto dessas medidas. O financiamento mais barato, embora importante, repercutiria significativamente se o custo do financiamento da produção fosse o fator relevante nos custos totais e no acesso à produção. Essa não parece ser a reivindicação principal do setor. Igualmente, o financiamento mais barato pode ser dirigido para a modernização produtiva. Mas isto também para o setor – assim também como o de móveis – não se constitui em problema. A questão central é que falta demanda pelos calçados porque os importadores não estão dispostos a pagar um preço mais elevado pelo produto. Não tendo como compensar a perda de receita pelo câmbio através de aumento de preços em dólares, as empresas calçadistas enfrentam dificuldades em cobrir os custos de produção, deixando, então, de atender os pedidos e desempregando. O ponto para os exportadores de calçados é o câmbio vigente. Empresário algum tomará empréstimo para investimento se não houver um mínimo de expectativas em relação à existência de demanda pelo seu produto. Caso contrário, o empréstimo não teria como ser ressarcido, aumentando apenas o endividamento das empresas.

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