Edição 223 | 11 Junho 2007

Perfil Popular - João Batista Botelho Machado

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IHU Online

Dono de uma alegria contagiante e uma simplicidade que cativa amigos nos mais diferentes setores da Cooperativa Permissionária de Serviço Público de Energia e Desenvolvimento Rural Taquari Jacuí Ltda. (CERTAJA), cooperativa de eletrificação rural sediada em Taquari, RS, onde trabalha como montador de rede aérea, João Batista Botelho Machado falou com a redação da IHU On-Line pessoalmente e contou um pouco sobre sua trajetória, sonhos, fé, alegrias e desilusões. Orgulhoso de seu trabalho de levar desenvolvimento ao meio rural através da energia elétrica, Batista criou seus quatro filhos sozinho após o fim de seu casamento. Nascido em Triunfo e radicado em Taquari, no Rincão São José, esse “certajano” não esconde a indignação quando questionado sobre a política brasileira: “Eu acho uma pouca vergonha”. Confira o perfil desse trabalhador a seguir, na entrevista exclusiva que concedeu à IHU On-Line. Na edição 150 da IHU On-Line, de 08-08-2005, intitulada O pai desautorizado: desafios da paternidade contemporânea, Batista concedeu o depoimento “Criei meus filhos sozinho, de braços abertos”.

Origens – Nasci e me criei em Triunfo. Meus pais são de lá também: o seu Moisés Agapito Machado e Tereza Botelho Machado. Éramos em sete irmãos, e eu sou o mais velho dos homens. Minha mãe era dona-de-casa. Antes de ser funcionário da prefeitura, meu pai trabalhava no que aparecia. Passávamos dificuldade, e a gente rezava para não chover e atrapalhar o pai a arranjar serviço. Quando apareceu o emprego de carteira assinada para o pai, foi um alívio. Aí a gente tinha mais garantia de sustento. Antes disso, moramos em muitos lugares, porque íamos onde o pai ia, seguindo ele. Hoje eu tenho roupa quente para usar. Faz frio e posso puxar o casaco de lã. Antes era tudo mais difícil. Aprendi a ser responsável porque meu pai ensinou isso a toda a família. Ajudávamos ele na lida, e ele cobrava responsabilidade desde que éramos pequenos.
A morte do pai foi triste. O pai morava em Butiá. Ele tinha ido levar café para meu irmão, que cortava mato. Quando chegou lá, uma árvore caiu e ele correu para o lado errado. Morreu esmagado. Naquela hora eu estava trabalhando e nem acreditei quando deram a notícia. Um dia antes eu tinha visto ele, que estava bem. É a imagem que eu guardo dele. Nem me lembro em que ano foi isso; faz muito tempo.

Trabalho – Comecei a trabalhar cedo. Trabalhei num serviço público em Triunfo, e depois na Tanac , em Montenegro. Depois, arranjei trabalho na Satipel , carregando os caminhões de lenha no pátio. Quando faltavam cinco dias para completar um ano de emprego, saí da firma. Um colega meu sugeriu que fizéssemos uma ficha na CERTAJA ,  porque a cooperativa estava contratando gente para as equipes da área de Energia. Fomos à empresa e preenchemos um cadastro com o Tio Hugo . Em seguida, já estávamos no quadro de funcionários da CERTAJA, e eu saí “de capacete e botina”, como gosto de dizer. Isso foi há 28 anos.

Hoje eu faço a locação de redes. Deixa eu explicar: é o mapeamento de redes, o traçado que elas vão ter depois, quando as turmas de construção executarem a obra. Nossa equipe, o Móvel 1, tem quatro pessoas: o Zé Pencinha , o Rosmi , o Pequeno  e eu. Somos uma equipe, e o nome correto entre nós é “certajanos" . Ali ninguém manda em ninguém: somos parceiros. Temos nossas diferenças, mas, conversando, nos entendemos. Depois que fizemos a locação, passamos o resultado para o setor de Projetos, que coloca tudo num programa de computador. Ali está o cérebro das redes da CERTAJA. Todas elas estão desenhadas no computador.

Relação com os associados – Trabalhar em cooperativa é pensar em primeiro lugar nos associados. E tem associado de todo jeito. Tem aqueles que vêm e alcançam um copo de água gelada quando a gente tá derretendo no verão. Tem aqueles que são tão legais que oferecem até um café. E já têm outros que, quando chega uma equipe da cooperativa, vão logo perguntando de quanto vai ser a indenização por aquele eucalipto ou acácia que serão derrubados quando a rede for construída. Mas a maioria das pessoas é maravilhosa. Tenho um relacionamento bom com essas pessoas, afinal elas são a razão de ser da nossa cooperativa.

Orgulho profissional – Sou muito orgulhoso e realizado com o que faço. Tudo que sei sobre energia elétrica aprendi na CERTAJA. Penso que é um trabalho importante. Graças a ele, o interior tem energia elétrica, desenvolvimento. Trabalhei em várias tarefas diferentes na Energia: construção de redes, oficina de transformadores, atendimento a plantões. Gosto de dizer que minha casa é o meu capacete, porque já vivi épocas em que eu não tinha hora para voltar, só para sair de casa. A prioridade é o associado da cooperativa. Essa é a profissão que me fez crescer, criar meus filhos, conseguir o que tenho. Para isso sempre tive apoio dos colegas de todos setores. São pessoas boas, de quem eu gosto.

Filhos – Sou pai de quatro filhos: Luís Alberto (24), Ana Paula (18), Sabrina (14) e Daiane (13). Sou separado da mãe das crianças, a Claudete. O casamento não deu certo, e decidimos nos separar. Ela não tinha condições de criar nossos filhos, e eu assumi eles. Se fui pai para fazer os filhos, sou pai para criar. Às vezes ela vem fazer uma visita, mas não é sempre. Foi difícil criá-los, porque eu tive que fazer o papel de mãe e pai, tudo junto. Assunto que era de mãe eu tive que explicar para as filhas. Até hoje eu dou conselho para as meninas, tento encaminhar elas. Moramos no Rincão São José, zona rural de Taquari. Criei todos os quatro com muito amor e sofri muito, porque não é fácil. Hoje tenho uma companheira, a Cláudia, que ajuda a reparar nossa casa. Ela mora do lado, é nossa vizinha. A Cláudia é uma pessoa muito boa, eu gosto dela, e ela de mim, que eu sei. Ela também sofreu na vida, como eu, passou trabalho e tem um coração bom. Além de cuidar da casa dela, a Cláudia ajuda a cuidar da nossa casa e ainda arranja tempo para fazer umas faxinas e juntar um troquinho extra. De vez em quando a gente vai nuns bailes, se diverte. Ela é muito parecida comigo, é brincalhona, feliz.

Finais de semana – Adoro os finais de semana. É quando nós fizemos um baita 5S  em casa. Tu sabes como é... casa de pobre é pequena, mas sempre tem serviço. Aí eu e as meninas arredamos a geladeira, passamos pano por tudo, lavamos roupa e louça. Dá umas “peleias”   de vez em quando, mas no fim a gente sempre se acerta. Também aproveito os sábados e domingos para ir a alguma festinha. Geralmente, vou nas festas da CERTAJA ou em bailes de terceira idade. Sempre fui um homem animado, feliz. Se eu falto em alguma comemoração da cooperativa, as pessoas logo vem me perguntar por que eu não fui. Minha alegria faz falta. Tenho amigos em toda empresa e também fora dela.

Fé – Sou católico, acredito em Deus, mas não vou na igreja. Também não discuto religião com ninguém, afinal todo mundo tem direito de acreditar no que quiser. E eu respeito. Já freqüentei outras crenças, mas nada me impede de ser católico. Sou muito devoto do Padre Reus . Tenho uma foto dele bem bonita em casa. Comprei essa foto no santuário, em São Leopoldo, numa excursão que fiz há algum tempo. O Padre Reus já me ajudou muito. Rezo para ele.

Sonhos – Tenho muitos sonhos. Não são sonhos impossíveis, mas coisas que poderiam fazer meus dias mais fáceis. Sempre digo que não podemos dar o passo mais do que as pernas alcançam. Eu queria mesmo era reformar minha casa. Já aumentei um pouco a construção, mas não está pronta. Antes não tinha banheiro dentro de casa, e a gente tinha que sair da cama, quentinho, e ir no banheiro no pátio. Agora temos o banheiro dentro de casa. É uma beleza. Ninguém mais passa frio ou toma chuva na cabeça.

Política – O que eu acho dos políticos, dessa política daí, que aparece na televisão? Eu acho uma pouca vergonha. Olha bem: eu acordo todo dia cedo, bato cartão, trabalho sério. Sou pai de família. Como é que eu vou acreditar e aceitar o que os políticos andam fazendo? Enquanto a gente batalha, precisa juntar dinheiro para fazer a vida acontecer, eles roubam e mentem. Aí não dá! De que jeito eu vou votar numa criatura que promete de tudo e, quando chega a hora de cumprir, faz que não é com ela? Eu não acredito mais em política. Por outro lado, quando aparece alguém que tá só entregando santinho lá em casa, pago por um político, eu fico até com pena. É melhor entregar santinho do que roubar ou ficar bebendo em boteco. Agora, do jeito que está indo essa situação, nosso país só vai piorar. Por que os políticos não podem trabalhar direitinho e cumprir com o que dizem? Eu queria saber...

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