Edição 222 | 04 Junho 2007

Perfil Popular - Maria Leni de Soares

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Originária de Santa Cruz do Sul, onde viveu até os sete anos, Maria Leni de Soares, 37 anos, adotou São Leopoldo, Rio Grande do Sul, como lar. Cresceu com os avós maternos, em uma família de mais de 21 pessoas. “Minha avó me criou como filha, então nunca chamei ela de avó, consequentemente, meus tios eram meus irmãos.” Hoje, Leni, como é conhecida pelos amigos, é casada e mãe de três filhos, seu orgulho. Trabalhando desde os 13 anos, ela sempre perseguiu uma vida melhor para a família. Na Cooper Progresso, encontrou seu e lar e também seu trabalho, participando da diretoria como coordenadora dos grupos de reciclagem e costura, onde sonha construir sua carreira. “Estou pensando muito no que mais posso fazer. Meu futuro é ali na cooperativa.” Conheça um pouco mais de Maria Leni na entrevista a seguir.

Infância
Leni teve uma infância cercada de familiares, sempre muito mimada. “Eu não limpava a casa, eu não precisava fazer nada. Se eu pensava em fazer alguma coisa um tio dizia assim: Não pode, onde já se viu! Ela não tem pai.” Estudou somente até a sétima série do Ensino Fundamental, quando largou os estudos para trabalhar. “Parei de estudar porque tinha que ajudar a minha avó e meu avô.” Leni começou em uma casa de família como empregada. “Todos trabalhavam na minha família desde cedo.” Com os avós na roça, os jovens sentiram o peso do trabalho muito cedo na família. “Depois que os filhos cresceram todos começaram a trabalhar, e daí tudo ficou mais fácil.”

Trabalho
 A primeira experiência de Leni como empregada não foi agradável. A menina sentia saudades da família. “Fui trabalhar em uma casa e odiei. Eu tinha que dormir lá e acabei ficando longe da família. Eu chorava dia e noite. Fiquei um mês nesse emprego a trancos e barrancos.” Leni também não gostava das suas tarefas: cuidar de duas crianças e limpar a casa. “Até hoje eu não gosto de limpar a casa. Gosto de trabalhar na rua.” Em outra casa, Leni se adaptou melhor, chegando a ficar um ano no cargo. “Lá era melhor, porque eu já tava um pouco mais madura também. Era só um casal, e como o marido viajava muito eu ficava só na companhia dela.” A patroa de Leni compensava a saudade da família, levando-a para passear. “Me levava pra sair quase todo dia. Conheci muitas coisas através dela. Eu não conhecia Porto Alegre e ela me levou para conhecer. Também conheci Canoas. Quando ela sabia que eu não conhecia uma coisa me levava lá.” Leni deixou a casa em busca de um emprego com salário maior e carteira assinada, mas acabou ficando desempregada por meses. “Daí minha mãe ficou doente e acabei deixando isso um pouco de lado.” Mais tarde, Leni conquistou uma vaga de revisora de calçados na empresa Goldenflex. “Eu gostava de lá, mas ganhava pouco. Quando eu descobri que em outros lugares se ganhava mais, fui para outras firmas.” Na Multisolados, Leni ficou cinco anos, até o fechamento da fábrica. “Depois dessa eu não consegui mais arranjar emprego em firmas e passei a fazer faxinas.”

Família
Com 19 anos, Leni se casou. Aos 20 teve sua primeira filha, Ingrid, hoje com 16 anos. Logo vieram Vander, de 11, Pâmela, de 15 anos, e Wellington, de 7 anos. O casal logo se separou e ela se viu criando os filhos sozinha. “Passei muito trabalho. Era eu e eu. Quando meu filho ficou doente foi muito sacrificado porque estava sozinha.” Hoje, Leni está em seu segundo casamento,om Isaac, que trabalha assentando asfalto em uma empresa de pavimentação. “Começamos a namorar e casamos há onze anos. Nesse casamento tive meu terceiro filho, o Wellington, de sete anos.”

Cooper Progresso
Depois de um mês casada e morando de aluguel, a família teve a notícia de terrenos que estavam sendo vendidos perto do Rio dos Sinos. “Chegando lá, encontramos um cara que disse que o terreno custava R$ 300,00. A gente estava precisando, então compramos.” Uma semana depois de até ter construído uma casa no local, a verdade chegou à família. “Descobrimos que aquele cara não era da cooperativa, era uma pessoa qualquer que se aproveitou da situação. Era uma invasão. Eu nem sabia o que era isso.” Leni e o marido não sabiam que atitude tomar diante da situação. Os vizinhos juntaram-se e formaram uma cooperativa, em busca de uma solução para o impasse. “Aconteceram muitas brigas até conseguirmos nosso terreno, mas conseguimos. Não era uma situação completamente legalizada, mas estava a caminho.”

Casa própria
Sem luz, água, ou saneamento, era tudo improvisado no loteamento. “Tinha a tal patente. Aquela casinha com buraco e tudo. Minhas filhas choravam e diziam que não queriam ir ali porque tinha bichinho. Era bem ruim.” A família pagava o terreno mensalmente para a cooperativa, em busca de melhorias no local. Mas a corrupção logo tomou conta da iniciativa. “Um dia teve uma assembléia de noite e descobrimos que o presidente da cooperativa tinha desviado R$ 130 mil. Houve uma mobilização grande e o tiramos do cargo.” O atual presidente assumiu e houve novas negociações com os donos das terras. Há três semanas, a família tem sua primeira casa própria. “É linda. Quando vi que começaram a construir, incomodava muito os pedreiros, passava o dia todo na obra, sempre falando o quanto a casa estava bonita. Esperamos muito tempo por ela. Até já a aumentei para cada um ter seu quarto. Está prontinha.”

Construção
Leni não pára de trabalhar em busca de melhorias para a vida no loteamento. Começou como moradora, mas logo se envolveu na diretoria da Progresso. “Comecei a discutir com eles sobre tudo o que via de errado no loteamento. Daí decidi me envolver no trabalho e comecei a tomar atitudes.” Hoje, ela é responsável pela coordenação dos grupos da reciclagem e da costura. “Faço trabalhos de rua, como ir na prefeitura, buscar pedidos de costura e também catadores.”

Futuro
Leni diz estar em uma fase em que avalia o trabalho feito até agora. “Estou pensando muito no que mais posso fazer. Meu futuro é ali na cooperativa, e tenho planos para o grupo de reciclagem.” Ela planeja agregar ao trabalho os moradores das ruas próximas à cooperativa. “Quero trazer aqueles catadores pra dentro, pra conseguirmos trabalhar com eles. Quero que eles tenham mais dignidade.” Ela participa da associação de bairro, onde leva a experiência do trabalho da Progresso. “Queremos trazer casa para eles. Sabemos que não é pra hoje, mas queremos pra eles também. Eles devem ter tudo que um ser humano merece.”

Sonho
O sonho de Leni é trazer conforto para a família, adquirindo um computador. “Para os meus filhos poderem estudar, aprender mais, fazer os trabalhos de colégio.”

Brasil
Leni é categórica quando fala de política brasileira. Ela reclama da corrupção e falta de consideração dos políticos com a população. “Eu acho que podemos melhorar quando nossos governantes sentarem para refletir que a frente deles existe um povo carente, que está esperando que eles reajam, deixem de embolsar o que não devem e pensar um pouco mais em nós.” Leni enfatiza a indiferença dos políticos de alto escalão com as necessidades do povo. “Eles têm que parar de brigar entre eles e pensar mais nos outros. Eles só pensam no bolso deles. Eles ganham muito mais que o salário mínimo que a maioria do povo ganha.” Ela ainda destaca que a apatia dos brasileiros diante da situação leva a mais corrupção. “Vemos todo dia na televisão as denúncias, mas fazer alguma coisa ninguém faz. Nós não reagimos e acabamos colocando eles lá em cima. Só colocamos eles lá porque nos achamos inferiores. Temos que assumir um pouco essa culpa.”

 

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