Edição 379 | 07 Novembro 2011

A memória como possibilidade de crítica à filosofia

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Márcia Junges

História da filosofia é fundamental para que esse saber possa avançar, afirma Alfredo Culleton. Ockham e Suarez continuam sendo pensadores atuais dentro do debate contemporâneo

É preciso reinventar não só a filosofia, mas todas as ciências e saberes, sobretudo no Brasil. A opinião é do filósofo Alfredo Culleton, na entrevista que concedeu por e-mail à IHU On-Line. Questionado sobre se fazer história da filosofia é, também, fazer filosofia, enfatizou: “Se nas ciências em geral o esquecimento é a condição para o seu desenvolvimento, na filosofia a memória é a sua possibilidade crítica”. Especialista no pensamento de Francisco Suarez e Guilherme de Ockham, Culleton retoma a discussão sobre o nominalismo: “As proposições de linguagem são algo sujeito à verdade ou falsidade. As coisas não. Nem tudo é linguagem, mas a verdade o é. Historicamente se chama de nominalista, de maneira depreciativa, àquela tradição pré-moderna, supostamente consolidada por Ockham, que relativiza uma natureza objetiva para as coisas e sustenta que o que era chamado de ser ou natureza de algo não era mais do que uma palavra ou nome (de aqui nominalista) convencionalmente aceito”. Outro assunto da entrevista é o início do bacharelado premium em Filosofia da Unisinos, cujas aulas iniciam em março de 2012.

Culleton é graduado em Filosofia, pela Universidade Regional no Noroeste do estado do Rio Grande do Sul – Unijuí, mestre em Filosofia, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, e doutor em Filosofia, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, com a tese Fundamentação ockhamiana do Direito Natural. Atualmente, leciona nos cursos de graduação e mestrado em Filosofia na Unisinos e é coordenador da graduação em Filosofia. É colaborador na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI, e na Universidade de Buenos Aires – UBA, Argentina. Atua como assessor do escritório da Sociedade Internacional para Estudos da Filosofia Medieval – SIEPM.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Fazer história da filosofia é, também, fazer filosofia? Por quê? Poderia recuperar as raízes desse antigo e espinhoso debate que se desenrola no Brasil?

Alfredo Culleton – A filosofia é um modo de reflexão que depende da sua própria história. Boécio  tem uma imagem muito bonita no seu livro A consolação da filosofia, onde a filosofia é uma mulher vestindo roupas deslumbrantes que tem numa mão um livro e na outra um cetro. O livro representa a tradição e o cetro, a autoridade, o poder da razão. Fazer filosofia sem história tem dois riscos primordiais: por um lado descobrir muitas vezes a mesma coisa, e por outro os totalitarismos característicos da modernidade que desde 1600 tentaram fazer isso – tornar a filosofia uma ciência como as outras. Se nas ciências em geral o esquecimento é a condição para o seu desenvolvimento, na filosofia a memória é a sua possibilidade crítica.

IHU On-Line – Quais são as maiores contribuições de Ockham  e Suarez  à filosofia e em que seus pensamentos continuam atuais?

Alfredo Culleton – Só para colocar um exemplo, é do jesuíta espanhol o primeiro e único tratado sistemático de metafísica na historia da filosofia. O seu livro Disputações metafísicas recuperou todas as historia da filosofia a respeito e acrescentou uma nova perspectiva, própria do seu tempo, incorporando uma maneira de ler Aristóteles que foi inaugurada por Ockham que dá à linguagem um papel preponderante na maneira de pensar o ser. Esse protagonismo da linguagem vai marcar a modernidade até os dias atuais. Por outro lado, criticar a metafísica sem se referir a esta obra do Suarez é petulância e amadorismo no tema. Isto sem falar no De Legibus, texto onde se formula de maneira original e atual uma fundamentação do direito e um direito internacional que consegue articular elementos ontológicos e contratualistas, surpreendentemente.

IHU On-Line – Por que você está estudando a filosofia colonial? Que projeto é esse?

Alfredo Culleton – É um projeto de Cooperação Internacional apoiado pela Capes desenvolvido pela instituições de ensino: Unisinos, PUCRS, Católica do Perú e Católica do Chile, o qual visa recuperar a filosofia desenvolvida na América Latina em universidades e centros de altos estudos entre 1551, data da fundação da Universidade de San Marcos em Lima e as primeiras independências no início do século XIX. São quase 300 anos de uma vasta produção intelectual não só na área de filosofia e teologia como também na economia, ética e direito. Autores latino-americanos que ensinam e publicam nas colônias e que servem como referências para as universidades europeias, como é o caso de Antonio Rubio com a sua Lógica mexicana, que foi adotado como livro-base na Universidade de Alcalá por gerações, ou Nicolau de Olea, um jesuíta que introduziu a filosofia de Descartes nas colônias no século XVII.

IHU On-Line – Na última entrevista que concedeu à IHU On-Line, você afirmou que “A verdade é uma formulação de linguagem”. Tomando isso em consideração, como analisa o nominalismo dentro do debate filosófico atual?

Alfredo Culleton – As proposições de linguagem são algo sujeito à verdade ou falsidade. As coisas não. Nem tudo é linguagem, mas a verdade o é. Historicamente se chama de nominalista, de maneira depreciativa, àquela tradição pré-moderna, supostamente consolidada por Ockham, que relativiza uma natureza objetiva para as coisas e sustenta que o que era chamado de ser ou natureza de algo não era mais do que uma palavra ou nome (de aqui nominalista), convencionalmente aceito. A modernidade, pela dificuldade que se tem em acessar o que as coisas são achou por bem e prático convencionar o que coisas como justiça, bem, certo ou errado sejam. Isso levou a pensar que estas coisas não existissem e que pudessem ser pura convenção. Provavelmente muita coisa seja relativa e sujeita à convenção, mas para a filosofia, desde sempre, há algumas poucas coisas que são objetivas e podem ser conhecidas e ditas como verdade. Nós, seres humanos, sabemos e dizemos com tranquilidade que aquele que matar outro ser humano tem que dar uma explicação.

IHU On-Line – Quais são as motivações para o lançamento do bacharelado em Filosofia da Unisinos?

Alfredo Culleton – A Unisinos há muitos anos tem bacharelado e licenciatura. Nos últimos tempos, por diferentes motivos, entre os que destacamos um decréscimo na procura geral das licenciaturas e a ampliação do número de vagas nas universidades estatais, a quantidade de candidatos à licenciatura vem diminuindo progressivamente. Para garantir a sustentabilidade do curso e responder a uma demanda antiga dos candidatos, e sem abrir mão da licenciatura, a Unisinos oferece um bacharelado diferencial, que chamamos premium, capaz de instrumentalizar o discente com os melhores meios disponíveis de formação, para habilitá-lo à carreira de pesquisador mediante a capacitação para pensar sistemática e criticamente temas e problemas da tradição filosófica e do mundo contemporâneo.

IHU On-Line – Que inovações o curso traz em sua proposta?

Alfredo Culleton – Alguns dos diferenciais são um corpo docente integralmente constituído de doutores/pesquisadores, com pós-doutorado no exterior e vasta experiência em orientação e formação; um professor tutor do corpo permanente do curso desde o primeiro semestre; participação e aproveitamento das aulas de pós-graduação, stricto e lato sensu, a partir de 70% do curso concluído; participação no grupo de pesquisa do professor tutor; possibilidade de dar continuidade à pesquisa filosófica na sua área científica de interesse (p. ex.: direito, economia, ciências sociais, bioética, ciência da religião, psicologia entre outros) nos níveis de especialização, mestrado e doutorado; desconto especial para quem estiver cursando segunda carreira; a possibilidade de bolsa de iniciação científica voluntária para todos os alunos que dispuserem do tempo requerido para a participação em projeto de pesquisa: 20 horas, com chance de concorrência à bolsa de iniciação financiada por agências de pesquisa e pela universidade; possibilidade de intercâmbio com as universidades de Buenos Aires, University of London, Católica do Perú e a rede de universidades jesuíticas do mundo além de outras com as quais a área está construindo parcerias. Outros diferenciais são a participação, a partir da conclusão de 70% do curso e mediante processo seletivo, na equipe de editores da Revista Controvérsia. Esta revista-escola se propõe a envolver o aluno no processo de editoração do periódico científico, designação de avaliadores, pareceres, e tudo o que envolve uma publicação de qualidade; acesso ao acervo virtual FiloWeb-Unisinos, com cursos, tutoriais, conferências e podcasts.

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