Edição 338 | 11 Agosto 2010

Reprimarização faz economia brasileira retroceder

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Patrícia Fachin

 

IHU On-Line – A estimativa da ONU é de que a economia brasileira cresça 7,6%. Esse crescimento é sustentável?

Reinaldo Gonçalves – Não. Os investimentos de longo prazo estão focados em setores intensivos em recursos naturais. A rereprimarização é o subdesenvolvimento. Pré-sal, etanol, soja, carne bovina, frango etc. É o Brasil andando para trás. Não se iludam com os dados deste ano eleitoral. Este crescimento tem dependido de forte endividamento das famílias, empresas e governo. Isto não se sustenta por muito tempo.  O Brasil pode estar entrando na mesma trajetória da Grécia no início dos anos 2000. O resultado será mais um longo período de instabilidade e crise.

IHU On-Line – A ideia de um projeto nacional ainda vigora no Brasil?

Reinaldo Gonçalves – Não há projeto nacional no Brasil atualmente. Os projetos atuais de desenvolvimento de longo prazo na América Latina podem ser classificados em três grupos distintos. No primeiro (Modelos Antiliberais) encontram-se os países que estão envolvidos, de uma forma ou de outra, em projetos marcadamente não-liberais, antiliberais ou de orientação socialista. Neste grupo podem ser incluídos os projetos socialistas da Bolívia, Equador e Venezuela e o nacional desenvolvimentismo na Argentina. Naturalmente, este grupo é muito heterogêneo. Entretanto, estes países têm como denominador comum a diretriz estratégica de redução de vulnerabilidade externa (principalmente, na sua dimensão estrutural), menor grau de liberalização, maior regulação, maior controle estatal sobre o aparelho produtivo e elevação do policy space. No segundo (Modelo de Liberalismo Livre-cambista) estão os países com projetos claramente marcados pelo neoliberalismo em que a liberalização econômica é o eixo estruturante do processo de desenvolvimento. Neste grupo estão Chile, México, Peru e Uruguai. Este grupo também é bastante heterogêneo segundo inúmeros critérios. Entretanto, eles têm em comum elevado grau de liberalização econômica e os grupos dirigentes têm implementado (no caso do Chile, há décadas) diferentes experimentos de corte liberal. No terceiro grupo (Modelo Liberal Periférico – MLP) encontram-se os países que estão envolvidos em projetos que são, na sua essência, variantes do Modelo Liberal Periférico. O MLP tem três conjuntos de características marcantes: liberalização, privatização e desregulação; subordinação e vulnerabilidade externa estrutural; e dominância do capital financeiro. Neste grupo estão Brasil, Colômbia e Paraguai. Estes países também têm diferenças significativas quanto aos projetos de desenvolvimento que estão sendo atualmente implementados. Não obstante as diferenças, eles compartilham as características marcantes do MLP. O Modelo Liberal Periférico é a própria negação de qualquer projeto nacional.

IHU On-Line – O que significa a rereprimarização/desindustrialização para a política externa do Brasil?

Reinaldo Gonçalves – A capacidade de o Brasil influenciar a arena internacional é decrescente no longo prazo. Os fatores determinantes desta tendência são: (i) a projeção internacional do país deverá diminuir visto que, apesar de manter seu enorme poder potencial, inclusive, passando do 9º maior PIB do mundo em 2010 para o 5º maior em 2033, o país deverá experimentar retrocesso do seu nível relativo de desenvolvimento em decorrência à redução da renda per capita comparativamente ao resto do mundo no longo prazo, ou seja, aumentará o hiato de desenvolvimento; (ii) aumentará a diferença entre o poder potencial e o poder efetivo do país em decorrência da elevação da vulnerabilidade externa estrutural do país, ou seja, haverá aumento do hiato de poder do Brasil no longo prazo em decorrência da rereprimarização do padrão de internacionalização da produção; (iii) a crescente assimetria no bloco dos BRICs dificultará cada vez mais a articulação de ações comuns, principalmente, se for considerada a consolidação de um modelo centro/periferia na relação bilateral China/Brasil, bem como a trajetória de instabilidade e crise decorrente da vulnerabilidade externa estrutural do Brasil e da Rússia.

IHU On-Line – O que deve acontecer com a integração regional tendo em vista a rereprimarização?

Reinaldo Gonçalves – A capacidade de o Brasil articular e liderar um bloco de países sul-americanos é decrescente no longo prazo. Os fatores determinantes desta tendência são: (i) a crescente importância da base material de poder da Argentina na economia mundial e, principalmente, na América do Sul, ou seja, a elevação do peso específico da Argentina tenderá a diminuir a influência mundial e regional do Brasil; (ii) o déficit de consenso e os conflitos de interesses entre Brasil e Argentina deverão aumentar em função das divergências de estratégias de desenvolvimento e de padrões de inserção internacional destes dois países; (iii) a trajetória instável e até mesmo o retrocesso da integração regional na América do Sul deverão aumentar em função das divergências de estratégias de desenvolvimento e de padrões de inserção internacional na região, o que reduzirá as áreas de consenso e dificultará a formação de posições comuns; e (iv) a rereprimarização aumenta a vulnerabilidade externa estrutural do Brasil e a volatilidade do desempenho futuro e, portanto, reduz o poder efetivo do país nas arenas regional e internacional.

Leia mais...

>> Reinaldo Gonçalves já concedeu outras entrevistas à IHU On-Line. O material está disponível na página eletrônica do sítio do IHU (www.ihu.unisinos.br).
* “A liberalização está entrincheirada. Ela não morreu e, como Fênix, ressurge das cinzas”. Publicada na edição 330, de 24-5-2010, intitulada A crise da zona do euro e o retorno do Estado regulador em debate. Acesse no link <http://migre.me/11X10>;
• “Capitalismo de compadres”. MP 443 e o balcão de negócios. Publicada nas Notícias do Dia do sítio do IHU em 30-10-2008 e disponível em <http://migre.me/HUwp>;
• Fracasso para o governo, vitória para o povo brasileiro. Publicada em 02-08-2008 e disponível em <http://migre.me/HUy8>;
• O combate à desregulamentação financeira americana. Ainda há tempo?, publicada na IHU On-Line número 253, de 07-04-2008, disponível em <http://migre.me/HUze>;
* “O capitalismo é essencialmente um sistema irracional, instável e injusto”, publicada na IHU On-Line número 387, de 30-03-2009, disponível em <http://migre.me/HUAr>.

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