Edição 248 | 17 Dezembro 2007

Deus, Jesus e o pluralismo religioso

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Para John Hick, a encarnação divina é uma idéia metafórica. “Assim, tomando um exemplo da recente história da África do Sul, podemos dizer que Nelson Mandela encarnou, vivenciou plenamente o espírito de perdão e reconciliação. Neste sentido metafórico, Jesus encarnou o espírito da autodoação em resposta a uma consciência do Pai celeste.” Para ele, considerando Jesus como um grande profeta e doutrinador espiritual o cristianismo está preparado para um genuíno diálogo com outras crenças, em benefício da paz mundial.



O inglês John Hick, teólogo e filósofo da religião, é considerado um dos teólogos com vasta reflexão sobre a teologia do pluralismo religioso. Oriundo da tradição presbiteriana da Inglaterra, hoje ligada à Igreja Reformada, é autor de diversos livros, ainda pouco conhecidos no Brasil. Atualmente, é professor emérito da Universidade de Birmingham, Reino Unido, e da Claremont Graduate University, da Califórnia. Sua formação teológica e filosófica ocorreu nas universidades de Edimburgo e Oxford. Lecionou também nos EUA (Cornell, Princeton e Claremont) e na Grã-Bretanha (Cambridge e Birmingham). É também membro do Instituto para Pesquisa Avançada nas Artes e em Ciências Sociais, da Universidade de Birmingham, e vice-presidente da Sociedade Britânica para a Filosofia da Religião. Entre suas obras publicadas em português, citamos A metáfora do Deus encarnado (Petrópolis: Vozes, 2000) e Teologia cristã e pluralismo religioso: o arco-íris das religiões (São Paulo: Attar, 2005). Sobre esta última obra, confira uma entrevista com Faustino Teixeira, publicada na IHU On-Line número 162, de 31 de outubro de 2005. Na edição 162 da IHU On-Line, de 31-10-2005, a editoria Livro da Semana publicou entrevista com Faustino Teixeira e Michel Amaladoss sobre a obra Teologia cristã e pluralismo religioso: o arco-íris das religiões (São Paulo: Attar, 2005). O título da entrevista é “John Hicks e o pluralismo religioso”.

IHU On-Line - Quem é Jesus Cristo? O que destacaria sobre ele a partir de sua reflexão teológica?
John Hick -
Jesus de Nazaré foi um homem, um judeu, que emergiu no último ou nos dois últimos anos de sua vida como um pregador e curador carismático, chamou discípulos para segui-lo e foi visto por eles como o esperado messias. Ele foi executado pelos romanos, pois houve, mais cedo ou mais tarde, pessoas que o aclamavam, ou foram aclamadas por outros, como o messias dos judeus. Por aproximadamente dois mil anos, seus ensinamentos sobre como viver (particularmente no Sermão da Montanha) e suas vívidas parábolas sobre o amor de Deus sustentaram a Igreja cristã. Ele mesmo não pretendeu fundar uma igreja, ou uma nova religião, porque ele acreditava que, dentro de alguns anos, Deus haveria de intervir para encerrar a Era presente e inaugurar Seu reino na terra. Jesus não pensou sobre si mesmo como Deus encarnado, ou como a Segunda Pessoa da divina Trindade, mas como alguém chamado por Deus para profetizar o próximo Fim. Mas, pelo final do primeiro século (como vemos no Evangelho de João), a Igreja, amplamente construída por São Paulo, chegou a divinizá-lo.

IHU On-Line - Em sua obra sobre a teologia cristã das religiões, você fala que Jesus foi “um homem aberto à presença de Deus num grau verdadeiramente impressionante e que era alimentado por uma consciência de Deus extraordinariamente intensa”. Qual é o lugar de Jesus de Nazaré em sua hipótese pluralista?
John Hick -
Sim, a consciência de Jesus sobre a presença de Deus deve ter sido extraordinariamente intensa. O seu lugar entre as hipóteses pluralistas é uma de um grande número de grandes figuras espirituais que se encontram na origem de novos movimentos religiosos – o Buda , Zoroastro , Mahavira , Moisés , Jesus, Maomé , Nanak ...

IHU On-Line - A seu ver, quais são alguns efeitos problemáticos que acompanharam ao longo da história a doutrina cristã da encarnação? É correto dizer que a doutrina da encarnação provoca necessariamente a reivindicação de superioridade do cristianismo sobre as outras religiões?
John Hick -
Se Jesus foi Deus encarnado, isto significa que o cristianismo, único entre as religiões do mundo, foi fundado por Deus em pessoa. Ele é, então, a religião do próprio Deus, para a qual Ele deseja que toda a humanidade seja conduzida. Esta foi, de fato, a visão da Igreja durante muitos séculos. Isso conduziu a que se denegrissem outras crenças, ignorando sua verdadeira natureza, conduzindo também a males tão nefastos como a secular perseguição dos judeus, bem como às cruzadas.

IHU On-Line - Você aponta, em suas obras, questionamentos precisos às reflexões cristológicas que acompanham os concílios de Nicéia e Calcedônia. A seu ver, há que avançar teologicamente para além desses concílios? Em que sentido?
John Hick -
Sim, as formulações de Nicéia  e Calcedônia  poderiam ser encaradas como importantes documentos históricos, mas já não são usadas hoje em dia. Os teólogos jamais foram capazes de tornar inteligível a idéia de que Jesus tem duas naturezas, uma humana e a outra divina. Como pode um indivíduo histórico ser ambas as coisas, humanamente finito e divinamente infinito, humanamente frágil e divinamente onipotente, humanamente ignorante e divinamente onisciente, humanamente criado e divinamente o criador do universo?

IHU On-Line - Que elementos devem ser levados em conta para uma cristologia em diálogo com a contemporaneidade?
John Hick -
Nós precisamos ver a idéia da encarnação divina como uma idéia metafórica. Encarnar-se, para exemplificar, é incorporar-se para viver plenamente sua própria vida. Assim, tomando um exemplo da recente história da África do Sul, podemos dizer que Nelson Mandela  encarnou, vivenciou plenamente o espírito de perdão e reconciliação. Neste sentido metafórico, Jesus encarnou o espírito da autodoação em resposta a uma consciência do Pai celeste. (“Filho de Deus” é, por conseguinte, uma metáfora, familiar no âmbito do judaísmo: Adão foi filho de Deus, os anjos eram filhos de Deus, os antigos reis hebreus foram coroados como filhos de Deus e, de fato, qualquer judeu realmente piedoso e bom poderia ser chamado filho de Deus.) Com Jesus visto como um grande profeta e doutrinador espiritual, o cristianismo está, pois, preparado para um genuíno diálogo com outras crenças, em benefício da paz mundial.

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