Edição 221 | 28 Mai 2007

A Bíblia em Cem anos de solidão, de García Márquez

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Cem anos de solidão foi estudado pela crítica literária desde numerosos ângulos e facetas. Alguns especialistas destacaram as vinculações entre as sete gerações contidas na novela e as diferentes etapas bíblicas. Germán Darío escreve: “Uma análise acurada de Cem anos de solidão revela que Gabriel García Márquez rastreou este paralelismo tendo como fundamento o conto bíblico”.Entre aqueles que com maior insistência assinalaram a decisiva influência da Bíblia na obra de García Márquez destacam-se Ricardo Gullón, Mario Vargas Llosa, Germán Darío Carrillo, Juan Manuel García Ramos  e Benjamín Torres Caballero.

A presente análise é do escritor e conferencista internacional Juan Antonio Monroy, publicada no sítio Protestante Digital, 15-04-2007. A tradução é do Cepat. Ricardo Gullón, o excelente crítico literário já falecido, assinala cinco grandes etapas bíblicas em Cem anos de solidão.

A criação
García Márquez diz na primeira página de sua novela: “O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las se precisava apontar com o dedo”.
Neste texto está recolhida a obra da Criação, cuja descrição completa se encontra nas primeiras páginas da Bíblia.

O êxodo
A fuga de Moisés para o deserto após ter matado o egípcio e a posterior saída do povo hebreu, episódios que são narrados no livro do Êxodo, estão representados em Cem anos de solidão pela fuga de José Arcadio Buendía e seu povo de Riohacha. Depois de matar Prudencio Aguilar, atravessando-lhe a garganta com uma lança, José Arcadio Buendía não conseguia tranqüilizar a sua consciência. Cansada de vê-lo sofrer, sua mulher, Úrsula, lhe disse:

“Está bem, Prudencio. Nós vamos embora deste povoado para o mais longe possível e não voltaremos nunca mais. Agora vá sossegado.’ Foi assim que empreenderam a travessia da serra. Vários amigos de José Aracadio Buendía, jovens como ele, encantados com a aventura, desfizeram as suas casas e carregaram com as mulheres e os filhos para a terra que ninguém lhes havia prometido.”

A chegada dos peregrinos ao seu ponto de destino parece calcada no capítulo 34 do Deuteronômio: “Certa manhã, depois de quase dois anos de travessia, foram eles os primeiros mortais que viram a vertente ocidental da serra. Do cume nublado contemplaram a imensa planície aquática do grande pântano, espraiada até o outro lado do mundo”.

As pragas
Nos capítulos 7, 8, 9, 10, 11 e 12 do livro do Êxodo são relatadas as dez pragas que Deus desencadeou para obrigar o faraó do Egito a deixar sair de seus domínio o povo hebreu. Mesmo que estas pragas possam estar relacionadas a fenômenos naturais, revestem em maior ou menor grau o caráter poderoso e milagroso de Deus.

Para Ricardo Gullón, o paralelo entre as pragas do Egito e as pragas sofridas por Macondo “salta à vista”. Macondo sofre a praga da insônia, das guerras civis, do esquecimento, da solapada invasão norte-americana, da banana e outras.

Diz Gullón: “A variante introduzida por García Márquez não afeta a substância, mas a extensão da condenação. Na Bíblia só os dominadores são castigados, mas em Macondo também os submetidos, os contagiados”.

O dilúvio
Aceitando a linguagem hiperbólica de São João, no mundo não caberiam os livros que se escreveram sobre o dilúvio, de que nos fala a Bíblia nos capítulos 6, 7 e 8 do Gênesis.

A inundação catastrófica que, segundo a Bíblia, teve alcance universal, durou cerca de 400 dias, de acordo com as análises mais confiáveis que se fizeram do texto bíblico.

Em Cem anos de solidão o dilúvio açoita Macondo por conta do assassinato ordenado pela companhia bananeira. Não é desencadeado por Deus, mas pelo norte-americano e todo-poderoso Mister Brown. Isto é, ao menos, o que acredita o povo. Sua duração ultrapassa o tempo do dilúvio bíblico, segundo García Márquez.

“Choveu durante quatro anos, onze meses e dois dias. Houve épocas de chuvisco em que todo mundo pôs a sua roupa de domingo e compôs uma cara de convalescente para festejar a estiagem, mas logo se acostumaram a interpretar as pausas como anúncios de recrudescimento. O céu desmoronou-se em tempestades de estrupício e o Norte mandava furacões que destelhavam as casas, derrubavam as paredes e arrancavam pela raiz os últimos talos das plantações.”

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