Edição 218 | 07 Mai 2007

Terra fria, de Niki Caro

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IHU Online

Na opinião das pesquisadoras Profª. Drª. Rosangela Barbiani e Profª. MS. Isamara Della F. Allegretti, o filme Terra fria (North Country), dirigido por Niki Caro, oferece inúmeros temas importantes para discussão como  o de “mulheres conquistando mercados de trabalho tradicionalmente masculinos, diferenças de tratamento para o trabalho de mulheres e homens, com assédio moral, assédio sexual, preconceito e discriminação entre mulheres com relação ao trabalho feminino” e a “naturalização” da divisão sexual do trabalho (trabalho de homem, trabalho de mulher)”.

As constatações podem ser conferidas na íntegra na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line. A atividade está ligada ao Ciclo de Filmes e Debates – Trabalho no Cinema, que neste dia 09-05-2007 analisa o filme Terra fria, rodado em 2005. O debate, conduzido por Barbiani e Allegretti, vai das 19h15min às 22h15min.

Barbiani é graduada e mestre em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutorou-se em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Docente na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), é uma das autoras da obra Serviço Social na Escola: o encontro da realidade com a educação (Porto Alegre: Sagra Luzzato, 1997). Atua, também, como técnico científico da Secretaria Estadual de Saúde.

Alegretti é psicóloga graduada pela PUCRS e especialista em Saúde e Trabalho pela UFRGS. Mestrou-se em Ciências Sociais Aplicadas pela Unisinos. Leciona na Unisinos e produziu inúmeros artigos técnicos.

Ficha Técnica
Título Original: North country
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 126 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 2005
Direção: Niki Caro

Sinopse: Uma mulher passa a trabalhar como mineira ao retornar à sua cidade natal. Após ser assediada por seus colegas de trabalho, ela decide ir à justiça para impedir este tratamento. Dirigido por Niki Caro (Encantadora de Baleias) e com Charlize Theron, Frances McDormand, Sean Bean, Sissy Spacek e Woody Harrelson no elenco. Recebeu duas indicações ao Oscar.

IHU On-Line - Em que aspectos Terra fria se aproxima da realidade das mulheres trabalhadoras do século XXI?
Isamara Della F. Allegretti -
É inegável que as mulheres chegam ao século XXI com avanços na sua condição de trabalhadoras, usufruindo de conquistas como, por exemplo, maiores parcelas no mercado de trabalho e postos de trabalho mais qualificados. Porém, generalizar essas conquistas seria invisibilizar um imenso contingente de trabalhadoras que ainda se vêem precarizadas em seus direitos, sofrendo discriminação e assédios de toda a natureza. Parece-me que um aspecto importante a ressaltar é que cada vez que um trabalhador enfrenta uma batalha judicial por direitos legítimos abre precedente para que outros possam, também, buscar direitos similares. As mulheres, principalmente em casos de assédio moral e sexual, parecem mais encorajadas a vencer preconceitos e denunciar abusos.

IHU On-Line - Como a questão do abuso sexual é enfocada por esse filme?
Isamara Della F. Allegretti
- A situação é clássica: em um universo majoritariamente masculino, como é o caso em destaque no filme (indústria de mineração), a protagonista Josey Aimes (Charlize Theron) é violentada sexualmente por um colega de trabalho. Para além de simbolizar um aspecto culturalmente (e, infelizmente) ainda relevante no século XXI (o corpo feminino como objeto de usufruto masculino), no filme esse fato remete para questões de poder, submissão e humilhação.

IHU On-Line - Baseado em fatos reais, qual é o maior mérito do filme em termos de metáforas que propõe?
Isamara Della F. Allegretti -
Para quem se dedica à reflexão sobre o mundo do trabalho e seus efeitos sobre a subjetividade, o filme propõe temas importantes para a discussão. Mais do que metáforas, ele explicita vários aspectos importantes, entre os quais destaco: mulheres conquistando mercados de trabalho tradicionalmente masculinos, diferenças de tratamento para o trabalho de mulheres e homens, com assédio moral, assédio sexual, preconceito e discriminação entre mulheres com relação ao trabalho feminino (as esposas dos mineiros também se sentem ameaçadas pelo ingresso de mulheres na fábrica), dificuldades enfrentadas pelas mulheres para ascensão profissional, e a “naturalização” da divisão sexual do trabalho (trabalho de homem, trabalho de mulher).

IHU On-Line - Alguns críticos acusam Terra fria de apelar para o clichê dos tribunais e da excessiva vitimização de Josey Aimes (Charlize Theron), a protagonista. Críticas à parte, o que as situações apresentadas podem ensinar à mulher trabalhadora de nossos dias e aos seus contratantes?
Isamara Della F. Allegretti -
Num ciclo de debates como esse, cujos holofotes estão voltados para o tema do trabalho, os filmes funcionam como recurso pedagógico para ilustrar  nossas análises. Dito de outro modo, filmes trazem emoções para nossas falas, e emoções são fundamentais em processos de ensino e aprendizagem. Penso que um forte aprendizado possibilitado pelo filme está no fato de que é preciso romper com um modelo mental que afirma diferenças entre homens e mulheres no mundo do trabalho para justificar melhores posições e salários, e isso por conta de um possível direito “natural” de homens sobre mulheres. Sem desconsiderar as honrosas posições conquistadas por mulheres em universos corporativos, ainda prevalece, na sociedade, a cultura da supremacia do homem sobre a mulher. É preciso pontuar, entretanto, um aspecto contemporâneo incontestável e que coloca as mulheres em excelentes condições de disputa: o perfil de competência que os trabalhadores precisam desenvolver para fazer frente a um mundo do trabalho extremamente competitivo. A cultura considera alguns trabalhos como femininos (o doméstico, por exemplo) e outros como masculinos (é o caso da mineração, que “naturalmente” deve ser exercido por homens por ser duro, insalubre e por requerer maior resistência física e força). Entretanto, os avanços tecnológicos vêm, cada vez mais, minimizando essas diferenças, permitindo uma maior inserção feminina em ambientes de trabalho classicamente masculinos (o jornal Zero Hora, no último dia internacional da mulher, 8 de março, publicou uma matéria abordando esse tema). Porém, a cultura nem sempre é modificada com a mesma velocidade dos avanços tecnológicos e os efeitos sociais negativos para as mulheres muitas vezes se sobressaem quando há enfrentamentos dessa natureza.
Um aspecto que talvez deva ser destacado, para que se possa avançar no sentido de uma melhor gestão das relações de trabalho em organizações de qualquer natureza, é que os direitos do trabalho são conquistas importantes (refiro-me à legislação trabalhista ao garantir direitos por força de lei), mas muitos elementos precisam ser trabalhados no interior das organizações. Modificar a cultura do trabalho é algo que requer tempo, pois exige mudança em modelos mentais. Faz-se necessário fortalecer outras representações sociais, por exemplo, sobre a mulher no mundo do trabalho. Existem muitos componentes subjetivos na gestão de pessoas que precisam receber maior visibilidade por parte dos gestores, alheios, muitas vezes, a esses aspectos que o filme desnuda.

IHU On-Line - Gostaria de acrescentar algum aspecto não questionado?
Isamara Della F. Allegretti -
O recorte de gênero, nesse caso, acaba recebendo destaque. Mas quero chamar a atenção para os elementos subjetivos contidos no mundo do trabalho contemporâneo que acabam não ocupando as atenções daqueles que são os responsáveis por políticas de gestão de pessoas. Desenvolver políticas para questões dessa natureza são tão importantes quanto definir, por exemplo, planos salariais. A dimensão humana, no universo empresarial, longe de ser esquecida deveria ser priorizada.

 

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