Edição 215 | 16 Abril 2007

Filme da semana: Ventos da liberdade

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Ficha técnica
Nome: Ventos da liberdade
Nome original: The wind that shakes the barley
Cor filmagem: Colorida
Origem: Inglaterra
Ano produção: 2006
Gênero: Drama
Classificação: 12 anos
Direção: Ken Loach
Elenco: Cillian Murphy, Liam Cunningham, Padraic Delaney, Orla Fitzgerald

Luiz Carlos Merten, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 13-04-2007, com o título “A Palma de Loach”, comenta o filme “The windtyhat shakes the barley” (Ventos da liberdade),  de Ken Loach. A IHU On-Line viu o filme e o escolheu, sem titubear, como o Filme da Semana e, certamente, como um dos grandes filmes do ano.

Num encontro social de realizadores com os júris do Festival de Cannes do ano passado, Ken Loach estava mais interessado em falar com o repórter do Estado sobre a crise do mensalão do que sobre seu filme “The wind that shakes the barley”, que agora estréia no Brasil, quase um ano depois, com o título de Ventos da liberdade. Em dois ou três festivais anteriores (Berlim e Cannes), Loach já estava interessado no Brasil de Luiz Inácio Lula da Silva. Para um autor com seu perfil de esquerda, o Brasil virara um laboratório a ser examinado com toda atenção. Em maio do ano passado, a preocupação era mais que justificada. Loach queria saber se Lula ainda tinha base popular e se a crise não era forjada pela imprensa 'burguesa'. Mas ele estava feliz com a acolhida a Ventos da liberdade.

Foi o primeiro filme da competição, exibido na primeira sessão para a imprensa. No fim, Ventos da liberdade ganhou a Palma de Ouro que Loach vinha perseguindo havia anos. “Foi um filme que ficou conosco e ao qual voltávamos sempre, não apenas por sua alta qualidade como cinema, mas pelo grau de comprometimento social e político”, justificou o presidente do júri, Wong Kar-wai, autor do visceral Felizes juntos e dos elegantes Amor à flor da pele e 2046, filmes que, aparentemente, não têm nada a ver com a estética engajada de Loach. Ventos da liberdade foi o filme que Loach quis fazer durante dez anos.

Situa-se na Irlanda, nos anos 1920. Em 1990, ele já havia lançado uma verdadeira bomba na Croisette, ao apresentar Agenda secreta, sobre as mirabolantes atividades dos serviços secretos britânicos na Irlanda do Norte. O alvo de Agenda Secreta era o thatcherismo - Loach, como Stephen Frears, via na Dama de Ferro, a conservadora Margaret Thatcher, uma inimiga da liberdade disfarçada de heroína da economia de mercado. O objetivo, agora, é outro. Loach, por linhas tortas, quer falar sobre Tony Blair, que também já recebeu uma sutil farpa de Stephen Frears em A Rainha.

Lembram-se? Ao salvar a monarquia britânica, Blair, no filme de Frears, goza de uma popularidade excepcional, mas a rainha (Helen Mirren) lhe diz que se prepare para o gosto amargo da rejeição do público, que veio agora, e por outro motivo. A crítica, tanto de Loach quanto de Frears, vale destacar, é ao poder, mais do que a conservadores ou trabalhistas. Ventos da liberdade conta a história deste jovem, Damien, que integra uma brigada de combate aos ocupantes britânicos. É interpretado por Cillian Murphy, ator que também está presente em outra estréia desta semana nos cinemas brasileiros, Sunshine - Alerta solar, de Danny Boyle. Como toda guerra, a da Irlanda foi marcada por todo tipo de atrocidades. Uma guerra fratricida, que terminou por lançar irmão contra irmão. Após a violência dos combates, que tipo de diálogo é possível desenvolver com os opressores? Como e o que negociar.

Ken Loach repetiu diversas vezes em Cannes que não quis fazer um filme antibritânico e sim, um filme crítico ao imperialismo de Sua Majestade. Como ele disse, “se discutirmos os erros da administração que gerenciou aquela crise no passado, talvez possamos discutir, também, os erros da atual, no gerenciamento desta outra crise”. E dê-lhe pancada no premier Tony Blair, o trabalhista que salvou a monarquia em nome da preservação das instituições e, mais recentemente, provocou polêmica ao se alinhar ao presidente George W. Bush, na questão do Iraque. O último ano não melhorou nada a situação na região e Blair enfrentou há pouco a crise dos britânicos presos no Irã - e que admitiram, depois, estar em missão de espionagem. “A luta de um país pela liberdade se tornou um tema recorrente nas telas”, explicou o veterano Loach, 71 anos de idade e 39 de carreira no cinema, iniciada por A lágrima secreta (Poor Cow), em 1968. “É sempre oportuno tratar do assunto porque volta e meia exércitos de ocupação estão se instalando nos mais variados países, sob os mais variados pretextos, e provocam a reação das populações.” Em maio de 2006, ele foi incisivo – “Não preciso dizer em que lugar a Grã-Bretanha tem hoje, e ilegalmente, um exército de ocupação.”

Para Loach, a guerra da Irlanda do Norte, que originou filmes como O delator, de John Ford, e A filha de Ryan, de David Lean, é um assunto que ainda não está resolvido no imaginário coletivo dos britânicos. Como disse o ator Cillian Murphy, “este não é apenas mais um filme. Acho que as famílias de todos os envolvidos na produção e na realização tinham laços com essa história. Todos nós temos um avô, ou bisavô, que lutou ou foi morto na Irlanda”. E Loach acrescentou: “As autoridades, em qualquer época, sempre tentaram nos fazer crer que o assunto é indesejado, mas eu acho que é uma história excepcional, que nos permite tirar conclusões sobre outras guerras de ocupação”. Esse mesmo mal-entendido, ou má-fé, costuma ser aplicado(a) a seu cinema. “Porque fico falando de revolução e utopia, também querem, muita gente, fazer crer que é um cinema anacrônico, principalmente neste mundo globalizado em que vivemos”. Bem mais tarde, ao agradecer pela Palma de Ouro, Loach falou de sua felicidade de estar recebendo o prêmio mais importante da maior festa de cinema do mundo. “Espero que nosso filme seja um pequeno passo no sentido de levar os britânicos a acertar contas com seu passado imperialista. Se nós ousaremos encarar a verdade sobre o passado, talvez tenhamos a força de encarar a verdade também sobre o presente.”

Preste Atenção...

... na forma como o diretor Loach e seu roteirista Paul Laverty chegam ao coletivo por meio do individual e ao público por meio do privado. É uma história de camaradagem e heroísmo contra um fundo de guerra. Dois irmãos lutam lado a lado e, no final, estão em campos opostos. É simples e, ao mesmo tempo, terrivelmente complexo.

... na violência do filme, maior que a habitual no cinema de Ken Loach. Como disse o roteirista Laverty, a opção do diretor foi clara – “Ken não quis mostrar a violência de forma romantizada. Quis mostrar como ela afeta a psicologia dos personagens. Não houve como fugir a uma descrição realista e brutal.”

... na forma como o diretor, fiel a seu método de trabalho, usa atores profissionais e não profissionais em cenas de grande intensidade. Quando ele tem dois profissionais em cena, como no confronto final entre os irmãos, um ator tinha o texto escrito e outro improvisava sobre suas falas. Loach filmou duas versões da cena, com improvisação de cada um deles. Na montagem, escolheu a que lhe pareceu melhor.

... no papel das mulheres na história. Elas dão todo apoio e sustentação aos homens, mas quando eles chegam ao poder apenas substituem os opressores britânicos e elas continuam marginalizadas. Loach diz que teria de fazer um filme só sobre essas mulheres, heroínas anônimas.

...no ambiente. A vila de Cork, onde Cillian Murphy nasceu e parte da produção foi rodada, é cheia de histórias de famílias enlutadas pela guerra. Os figurantes reviviam histórias ancestrais de família e isso aumenta a potência dramática.

 

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