Edição 215 | 16 Abril 2007

O anti Código da Vinci de Bento XVI

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O papa Bento XVI, que celebra, nesta segunda-feira, 80 anos de vida, e que três dias depois comemora o segundo ano da sua eleição ao pontificado, coloca à venda, primeiramente na Itália, na Alemanha e na Polônia, uma obra de 450 páginas, intitulada Jesus de Nazaré.  O autor se assina como “Joseph Ratzinger – Bento XVI”. Pelo menos vinte contratos e traduções já foram assinadas até na Rússia, Coréia do Sul e Japão. Sem esperar o paraíso das 30 milhões de leitores do Código Da Vinci, de Dan Brown, os sonhos mais loucos de difusão agitam alguns espíritos romanos. A reportagem é de Henri Tincq, conceituado vaticanista do jornal Le Monde, 15-04-2007.

Trata-se de uma novidade sob vários pontos de vista. Nunca um papa reinante publicara uma obra que ele qualifica como “pesquisa pessoal”, isto é, não revestida autoridade do seu magistério. No prefácio, ele mesmo afirmar que “cada um está livre para o contestar”. Trata-se do fruto de um “longo caminho interior” que, para ele, “começou nos anos 1930 e 1940”. Joseph Ratzinger começou a sua redação em 2003 e a prosseguiu após a sua eleição em abril de 2005, empregando “todo o seu tempo livre” para concluí-lo. Este primeiro volume vai do batismo de Jesus nas águas do Jordão até a Transfiguração.

Joseph Ratzinger-Bento XVI se detém no enigma “Jesus” que apaixona deste muito os crentes e não-crentes. Até a Reforma do século XVI, os cristãos creram em Jesus de olhos fechados. Mas a Ilustração, a ciência, a pesquisa histórica e arqueológica fizeram nascer novas exigências quanto à autenticidade dos Evangelhos escritos, décadas depois de Jesus, por meio de autores que não eram historiadores, mas militantes da nova fé. O cristão não deseja mais crer, sem reagir, à divindade do Cristo, à Ressurreição, a virgindade de Maria.

A exegese “histórico-crítica”, na qual sobressaem os nomes de Ernest Renan (1823-1892), Alfred Loisy (1857-1940) ou Rudolf Bultman (1884-1976) entre os protestantes, “desmitologizou” as Escrituras. Ela sacudiu a relação do crente com a sua fé, com a Igreja, com a autoridade da sua palavra e do seu dogma. O “desencantamento do mundo” estava em marcha. Foi preciso esperar o Concílio Vaticano II (1962-1965) para que a Igreja reconhecesse o resultado desta pesquisa “modernista” que ela tinha  veementemente condenada.

A obra de Bento XVI se insere na nostalgia do jovem crente lendo autores (Daniel-Rops, Romano Guardini são citados) que não separavam ainda o “Jesus histórico” do “Cristo da fé”. Mas ele não quer voltar para trás e não quer fazer as contas com a “exegese moderna”. Ele quer reconciliar a história e a fé: “O Jesus dos Evangelhos é uma figura historicamente sensata e convincente. Ela é mais lógica e compreensível do que as reconstruções que nos foram oferecidas nos anos recentes. A crucifixão não se pode explicar porque ela é verdadeiramente produto de algo extraordinário, porque a figura e as palavras de Jesus ultrapassam radicalmente todas as esperanças da época”, escreve Bento XVI.

Ato de fé na série histórica dos Evangelhos, este livro é também uma resposta às obras de divulgação, cada vez mais numerosas que, partindo dos Manuscritos do Mar Morto, de um Evangelho apócrifo de Judas ou de uma outra descoberta, somente se atém à humanidade de Jesus e duvidam da sua “divindade”, que teria sido uma invenção da Igreja nascente. Isso seria o sintoma de uma sociedade pós-cristã que, para o autor, é o desafio intelectual do nosso tempo. A partir do momento em que Jesus “humanizado” é separado do dogma divino, todas as ficções se tornam possíveis, todas as crenças flutuam. O caminho está aberto para o ceticismo geral, para o zapping religioso, para os sincretismos e para as espiritualidades desencarnadas.

Portanto, a guerra está declarada contra as interpretações falaciosas ou fantasiosas da vida de Jesus, o qual Dan Brown, no seu livro Código Da Vinci, que não é citado, casa com Maria Madalena e transforma num pai de família. Como a todos os “livros destruidores da figura de Jesus e da fé, repletos de supostos resultados da exegese”. Uma guerra contra todos os que fazem de Jesus não somente “um amante secreto”, mas também um “revolucionário” ou um “mito reformador”, como explicava, no dia 13 de abril, em Roma, o cardeal Schönborn, de Viena.

Pois o autor recusa também as interpretações mais sérias, nunca citadas mas igualmente “erradas”: aquelas dos “teólogos da libertação” acusadas de “reduzir” Jesus à dimensão de um militante político (Jon Sobrino, jesuíta de El Salvador, acaba de ser condenado pelo Vaticano); ou a leitura dos teólogos psicanalistas como alemão Eugen Drewermann, propondo terapias a partir dos Evangelhos; ou as interpretações culturais de teólogos asiáticos condenados por sincretismo com as tradições orientais. Na França, recordemos o sucesso de Jésus de Duquesne ou o programa Corpus Christi, de Prieur e Mordillat, secamente acolhidas pela hierarquia católica.

“Jesus não é um mito. É um homem de carne e osso, uma presença inteiramente real na história (...) Ele morreu e ressuscitou dentre os mortos”. Repleto de citações de Marx, Nietzsche, Heidegger, Sócrates, Confúcio, Dante, este livro de Bento XVI quer ser uma advertência para a humanidade: “Nós declaramos que Deus morreu, assim nós nos tornamos Deus! E os homens não são mais propriedade de um outro, mas os únicos patrões deles memos e os proprietários do mundo”. Mas “lá onde Deus é considerado como uma quantidade negligenciável que se pode descartar em nome de coisas mais importantes, então estas coisas pretensamente mais importantes se esvaziam”, conclui. “A experiência negativa do marxismo não é a única que nos demonstra isso”.

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