Edição 215 | 16 Abril 2007

A questão ambiental está além dos pandas e das baleias

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IHU Online

O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Fernando Antonio dos Santos Fernandez, acredita que podemos escolher, ainda, entre uma natureza muito degradada ou pouco degradada. Na entrevista que segue, concedida por telefone à IHU On-Line, Fernandez explica suas definições para desenvolvimento sustentável e diz que as questões ambientais estão além dos pandas e das baleias.

O professor possui graduação em Ciências Biológicas, mestrado em Ecologia pela Universidade Estadual de Campinas (1989) e PhD (Ecology) pela University of Durham (1993). Tem experiência na área de Ecologia, com ênfase em Biologia da Conservação, atuando principalmente nos seguintes temas: efeitos de fragmentação de habitats sobre populações de mamíferos; ecologia populacional de mamíferos, com ênfase em marsupiais e roedores. É autor do livro O poema imperfeito: crônicas de Biologia, conservação da natureza e seus heróis. 2. ed. revista e atualizada. Curitiba: Editora UFPR, 2004.

IHU On-Line – É possível conciliar desenvolvimento econômico com desenvolvimento sustentável?
Fernando Fernandez –
É uma pergunta difícil. Acho que, de uma forma ou de outra, se quisermos ter desenvolvimento, precisará ser sustentável. Mas depende de como definimos desenvolvimento. Se pensarmos desenvolvimento como é feito hoje, como algo necessariamente dependente de crescimento, a resposta é não. Se conseguirmos encontrar uma maneira de desenvolvimento como sendo uma melhoria qualitativa nos processos, na vida das pessoas, aí acho que é possível conciliar. Mas, dentro da nossa visão atual de desenvolvimento, qualquer economista vai dizer que se não crescermos 5% ao ano, não conseguiremos gerar emprego nem ter qualidade de vida. Enquanto a definição de desenvolvimento depender de crescimento, aí não tem jeito, não é sustentável.

Empresas e sustentabilidade
Como objetivo das empresas, a idéia de desenvolvimento sustentável é muito boa. Mas costumo dizer que existem quatro definições alternativas de desenvolvimento sustentável: É um louvável objetivo para as pessoas de boa fé; È uma maneira de conseguir permissão para explorar recursos que de outra forma não seria possível. No momento em que usamos a colocação mágica, que sua exploração é pretensamente sustentável, mesmo que não se tenha testado essa sustentabilidade, todas as portas se abrem e se pode explorar tudo com facilidade, ainda mais no Brasil; Desenvolvimento sustentável seria uma maneira muito eficiente de inserir seus produtos num mercado consumidor cada vez mais consciente ambientalmente. Novamente, se disser que o produto provém de uma exploração sustentável, ele será aceito com mais facilidade, dificilmente precisando demonstrar-se que a exploração é sustentável; Esta idéia da sustentabilidade tem sido amplamente usada para desviar recursos internacionais de projetos de conservação para projetos econômicos, desde que estes tenham o rótulo mágico de “desenvolvimento sustentável”. 

Marketing
A crítica que faço em relação a desenvolvimento sustentável não é em relação à idéia. Faço crítica das coisas que são vendidas com base nesta idéia.

IHU On-Line – Quem são reais culpados por este aquecimento global?
Fernando Fernandez –
Todos nós! Eu, você e todas as outras pessoas. A mudança climática que está acontecendo é resultado do padrão de consumo das pessoas. Claro, há culpados maiores e menores. Mas todos nós colocamos mais do que nossa cota de CO² na atmosfera. Um brasileiro de classe média coloca uma cota insuportável. Nosso modo de vida, construído a base de carros, de um uso muito intenso de energia, de consumo de produtos que geram o desmatamento, como os produtos de pecuária, todo nosso modo de vida gera o aquecimento global. Isso não é pra dizer que não existem responsáveis maiores que os outros, mas é para dizer que, se quisermos mudar isso, todos devem mudar o estilo de vida.

Ser humano letal
Acho que as espécies, de um modo geral, na natureza, não tendem a ser boazinhas umas com as outras. As espécies tendem a se utilizar umas das outras. Existem relacionamentos ecológicos, como o mutualismo, que não são antagônicos. Mas muitas espécies têm relacionamento antagônico com outras. O que acontece é o que o ser humano por causa da nossa tecnologia atinge um nível de poder no planeta que ninguém sonhou em atingir. Então, temos muito poder em acabar com outras espécies. Os elefantes quando, por exemplo, estão em grande número, podem causar estragos, mas não como nós, afinal o estrago deles é ínfimo.

IHU On-Line – E o que fazer com a população que cresce vertiginosamente?
Fernando Fernandez –
Esta é uma questão fundamental para conservação. Acho difícil não falar, na atual situação, em estabilização populacional. Temos que ter um crescimento diminuído. Mas algo deve ficar claro: o crescimento, a taxa de natalidade que existe, hoje em dia, não é muita alta. A mortalidade que é muita baixa. Não queremos abrir mão da medicina que tende, cada vez mais, a fazer com que as pessoas vivam muito. É natural que nenhum de nós queira abrir mão dessas coisas. Agora, se aceitamos essas coisas artificiais, de alguma forma, vamos ter que lidar com a questão da natalidade para haver um equilíbrio. A maneira de se lidar com isso é a informação. Ensinar as pessoas a planejar para evitar ou conceber filhos. 

IHU On-Line – Quais suas percepções em relação ao relatório do IPCC?
Fernando Fernandez –
Acho que estamos vendo que as mudanças estão ocorrendo rapidamente e vão afetar a gente muito cedo. Vejo na divulgação deste relatório e no destaque que o assunto “mudança climática” está tendo na mídia, vejo um lado favorável. Nunca as questões ambientais tiveram espaço antes no Fantástico, no Jornal Nacional. As pessoas sempre viram a questão ambiental como algo: “devemos salvar os pandas, as baleias”. Hoje em dia, as pessoas vêem que a questão ambiental é maior que isso. Precisamos de mudanças culturais.

Esperança
Há esperança ainda. Temos que ver que na questão ambiental nada é preto ou branco. O planeta começou a ser devastado pelo homem há quase 50 mil anos. Se quiséssemos uma natureza intocada, teríamos que voltar no tempo. O que está em nossas mãos é decidir o quão degradada a natureza vai estar no futuro. Está em nossas mãos decidir se nossos filhos vão conhecer tigres, florestas tropicais, enfim. O mundo perfeito já está perdido. Cabe decidir o quão degradado vamos querer que ele esteja no futuro.

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