Edição 215 | 16 Abril 2007

“As mudanças climáticas globais mudarão a paisagem de vastas regiões”

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IHU Online

“As mudanças poderão ser visivelmente percebidas”, é o que declara o pesquisador Adalto Bianchini, professor do Departamento de Ciências Fisiológicas da Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG), a respeito dos efeitos das mudanças climáticas atuais. O professor acredita que o relatório do IPCC, que causou grande polêmica na mídia, está sendo considerado pelo Governo Federal, mas acredita que a economia impera sobre esta causa. “Não podemos nos esquecer que as questões ambientais, necessariamente, são discutidas considerando-se as necessidades de desenvolvimento e crescimento econômico do país.”

Adalto possui graduação em Oceanologia pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande(FURG), mestrado em Ciências Biológicas (Fisiologia) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e doutorado em Oceanologia - Université de Liège – Bélgica. Atualmente, é membro do Comitê Assessor de Ciências Biológicas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS), sócio efetivo da Sociedade Brasileira de Fisiologia, Society of Environmental Toxicology and Chemistry e Sociedade Brasileira de Ecotoxicologia, membro do comitê editorial das revistas Ecotoxicology and Environmental Safety e Journal of the Brazilian Society of Ecotoxicology. Confira a seguir a entrevista concedida exclusivamente a IHU On-Line.

IHU On-Line - O que política e economicamente está envolvido nesta mudança climática toda?
Adalto Bianchini -
Do ponto de vista político, as mudanças climáticas globais exigem que não somente países isolados ou regiões geopolíticas isoladas estejam sensibilizadas para os problemas que estão ocorrendo e tomem decisões e iniciativas para minimizá-los. Estas tarefas exigem um esforço coletivo, por que não dizer mundial, no qual todos os países e/ou blocos econômicos se interem dos problemas apontados pela ciência e discutam de forma organizada e global as questões advindas destes processos, uma vez que todos, sem exceção, em maior ou menor grau, participam da origem dos problemas associados às mudanças climáticas globais. Assim, politicamente falando, esforços concentrados que não invoquem bandeiras específicas devem ser feitos e ações políticas globais, integradas e organizadas devem ser implementadas para que metas de controle e redução dos problemas sejam estabelecidas e cumpridas. Do ponto de vista econômico, as mudanças climáticas globais trarão, caso não sejam desaceleradas, enormes prejuízos econômicos em termos globais, considerando-se os efeitos negativos destas mudanças na agricultura, pecuária, pesca, no setor energético, dentre outros. Considerando a matriz econômica de cada país e/ou bloco econômico, alguns serão, portanto, mais afetados que outros, sobretudo aqueles que têm sua economia baseada na produção primária.

IHU On-Line - Que cenário geográfico o senhor projeta para daqui a dez anos?  No Brasil, o que as conseqüências do aquecimento global podem acarretar?
Adalto Bianchini -
Do ponto de vista geopolítico não deverão haver mudanças importantes. No entanto, do ponto de vista fisiográfico, as mudanças poderão ser visivelmente percebidas, pois as mudanças climáticas globais, no ritmo em que estão acontecendo, certamente mudarão a paisagem de vastas regiões. No Brasil, por exemplo, deverá ocorrer um processo de “savanização” da Floresta Tropical (Amazônia) e uma “desertificação” do semi-árido nordestino. Além disso, maiores índices de pluviosidade no Sul do Brasil poderão também provocar modificações hidrográficas importantes. Portanto, todos estes possíveis efeitos das mudanças climáticas globais em curso deverão, sem dúvida, mudar a “paisagem” de grandes regiões. Do ponto de vista biogeográfico, o mesmo está previsto, ou seja, mudanças na distribuição das espécies da fauna e da flora, com possibilidade de ocorrência de migrações, invasão de novas áreas e expansão ou retração das áreas de distribuição destas espécies. No conjunto, estes efeitos contribuíram, sem dúvida, para a alteração dos componentes dos grandes biomas no planeta, inclusive os brasileiros.

IHU On-Line - O senhor acredita que a questão ambiental entrou na agenda deste governo?
Adalto Bianchini -
Não tenho dúvidas que, considerando o ponto de vista do Ministério do Meio Ambiente, a questão ambiental é uma constante preocupação do atual Governo Federal. No entanto, não podemos nos esquecer que as questões ambientais, necessariamente, são discutidas considerando-se as necessidades de desenvolvimento e crescimento econômico do país. Neste contexto, nos parece que o crescimento econômico ainda é a prioridade máxima dos governos nas diferentes esferas dos poderes, apesar de que grandes esforços têm sido envidados para que as questões ambientais no país sejam melhor conhecidas e discutidas, visando subsidiar as discussões de um possível crescimento econômico sustentável no momento das tomadas de decisões de políticas, visando o crescimento econômico. Apesar desses esforços, tenho a convicção de que teremos que nos “adaptar” aos possíveis efeitos das mudanças climáticas globais no futuro, já que o crescimento econômico ainda parece imperar sobre o crescimento social, sobretudo quando consideramos os aspectos ambientais no contexto da qualidade de vida da população.

IHU On-Line - O que as universidades estão fazendo em relação a esta questão climática? Que tipos de projetos estão sendo apresentados? Qual a real eficácia destes projetos?
Adalto Bianchini -
As universidades sempre foram e sempre serão os pólos de geração do conhecimento, sobretudo no Brasil. Várias instituições distribuídas pelo país estão incansavelmente dedicando-se a estudos que envolvem desde o levantamento, mapeamento, diagnóstico, passando pela conservação e preservação de diferentes aspectos geológicos, hidrográficos, atmosféricos e biológicos, no âmbito dos mais diversos biomas brasileiros, até Floresta Amazônica e o Pampa Gaúcho . Além disso, metodologias de monitoramento e conservação da qualidade ambiental estão em constante desenvolvimento pelas Universidades Brasileiras, tanto do ponto de vista teórico quanto do ponto de vista prático. Incluídos neste contexto, encontram-se aqueles projetos que se dedicam às questões climáticas que, por sua vez, não devem estar alienados dos demais que envolvem os aspectos biológicos e geológicos. Especificamente, os projetos apoiados pelo Ministério do Meio Ambiente, e que foram apresentados no mês passado em Brasília, visaram realizar uma compilação dos dados climáticos no Brasil e criar projeções, utilizando-se os modelos empregados pelo IPCC, para os próximos 50 anos no Brasil, modelar os possíveis efeitos da variação do nível do mar e seus impactos sobre diferentes aspectos socioeconômicos, além de avaliar o possível impacto das mudanças climáticas globais nas respostas de diferentes espécies da fauna e da flora em diferentes Biomas Brasileiros. Os resultados apresentados tiveram um impacto importante e sensibilizaram sobremaneira a equipe ministerial. Esperamos que as pesquisas até agora realizadas sejam continuamente apoiadas e integradas com outras tão importantes na temática, sendo realizadas em diversas instituições de Ensino e Pesquisa no país, e que decisões sejam tomadas no sentido de se estabelecer políticas públicas e metas para desaceleração das mudanças climáticas globais.

IHU On-Line - Qual a porcentagem de culpa da raça humana neste aquecimento global? O que fazer com a população que aumenta a cada dia? Quais são os avanços do relatório IPCC em comparação com os alertas conhecidos?
Adalto Bianchini -
É difícil estabelecer um percentual de contribuição das atividades antropogênicas sobre o aquecimento global, tendo em vista que o aquecimento da Terra é um fenômeno natural, que, sem dúvida, está sendo acelerado por estas atividades. Portanto, é cientificamente correto afirmar, uma vez que já se tem evidências suficientes e um nível de confiabilidade aceitável, que as atividades antropogênicas já contribuem significativamente para o aquecimento global e que se medidas e metas não forem estabelecidas e implementadas, os efeitos negativos sobre a qualidade de vida no planeta serão marcantes nos próximos 50 anos. Neste sentido, acredito que os avanços do relatório IPCC em comparação com os alertas conhecidos é que pela primeira vez ele traz estas evidências científicas, as quais, sem dúvida, já convenceram a comunidade científica mundial. Esperamos que agora elas também convençam os tomadores de decisão, para que políticas globais de desaceleração das mudanças climáticas globais sejam efetivamente estabelecidas, implementadas e cumpridas.

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