Edição 214 | 02 Abril 2007

Marilene Maia

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

IHU Online

“Sou filha do asfalto.” Marilene tem muitas paixões, e Porto Alegre é uma delas. Costuma correr pela cidade e encontrar os amigos. Sempre com muita iniciativa, Marilene, desde cedo, trabalhou na paróquia de sua comunidade, onde ajudou muitas pessoas. No Serviço Social, encontrou a maneira de dar continuidade ao trabalho, problematizando o tema do trabalho, no qual foca sua carreira. Hoje, no Insituto Humanitas Unisinos - IHU, Marilene trabalha com competência e um sorriso no rosto. Conheça um pouco mais desta professora da Unisinos nesta entrevista a seguir.

Origens
Nasci e cresci em Porto Alegre. Sou uma filha do asfalto. Meus pais vieram do interior: meu pai do interior de Venâncio Aires e minha mãe de Pareci Velho. Tenho dois irmãos. Minha família é de trabalhadores. Meu pai é motorista de táxi e minha mãe, costureira. Tive sempre uma condição privilegiada, como a filha do meio do sexo feminino.

Estudos
Estudei em uma escola particular, Dr. Edmundo Gardolinski, no IAPI, desde a primeira série com uma bolsa de estudos. Tive a oportunidade de experimentar o convívio com as irmãs Palotinas e também uma estreita relação com a comunidade paroquial da igreja Nossa Senhora de Fátima. Com 12 anos, terminei a catequese e com 13 comecei a dar aulas, também de catequese. O Ensino Médio cursei em uma escola pública, Dom João Becker, também no IAPI.

Primeiros passos
Aos 14 anos, comecei a procurar trabalho em razão de minha mãe ter me dado um par de lentes de contato. Ela tinha trabalhado muito para me dar as lentes e eu perdi as lentes, então fui procurar trabalho. O primeiro emprego foi como secretária paroquial, onde tive a oportunidade de me inserir mais intensamente na vida da comunidade.

Paróquia
Nessa época, convivi com o Pe. Ângelo Londero e com o Pe. José Miguel. Os dois eram pessoas que tinham a perspicácia investigativa, e então tive a oportunidade de compartilhar com eles as minhas inquietações. A inquietação que tive era que na paróquia vinham muitas pessoas pedir ajuda financeira, e havia pedidos de remédios. Isso realmente me incomodava, porque não tínhamos como ajudar. Uma pessoa que me tocou muito foi um pai de família que veio do interior e precisava de recurso para voltar para casa, pois o filho estava doente. Nesse dia, tinha recebido meu meio salário mínimo e resolvi dividir com aquele senhor. No final da tarde, quando saí da paróquia, encontrei aquele senhor deitado no chão depois de uma bebedeira, gasta com o meu dinheiro. Fiquei muito chateada com a situação, mas não com ele, como a maioria das pessoas reagem quando ouvem essa história. Fiquei triste comigo, pois vi que ele precisava de ajuda, mas não ajudei da maneira certa. Levei este caso para o Pe. José Miguel e ele achou essa questão importante, que valia ser melhor trabalhada, e me indicou um curso de graduação que trabalhava nesta área, o Serviço Social.

Serviço Social
Mesmo com o interesse pelo curso, eu tinha outros desejos. Gostava muito de matemática e de lecionar. Também gostava de atividades físicas, como correr. Nessa época, também estava em alta o curso de Turismo, e eu sempre gostei de viajar. Desse modo, vi no curso uma oportunidade de juntar o útil ao agradável. Eu tinha muitas opções, mas meu desejo maior estava no Serviço Social por conta da minha vontade de entender melhor a realidade. Na época, o curso só existia na PUC e conversando em casa com a minha mãe demos um jeito de realizar esse sonho. Meu pai achou que era melhor eu repensar esse projeto. Para ele, eu deveria pensar em me preparar para ser mulher. Eu deveria aprender as coisas importantes para ser uma boa dona de casa. Acabei optando pela graduação em Serviço Social. Nessa mesma época, fiz o vestibular para Ciências Sociais na UFRGS e fui aprovada. Deixei meu trabalho na paróquia e cursei as duas graduações ao mesmo tempo. Mais tarde, acabei abandonando o curso na UFRGS.

Aprofundamento
O mestrado e doutorado cursei na PUC, sempre no campo do Serviço Social. Optei no mestrado pela área do planejamento, onde construí uma proposta metodologia de planejamento estratégico e participativo. Por conta disso, pude contribuir para algumas organizações da sociedade civil.  O doutorado acabou sendo focado nessa área de trabalho, que também aborda a questão do planejamento.

Cáritas Brasileira
Tive muitas trajetórias nesse período. Trabalhei em uma creche no Campo da Tuca e no Hospital da Criança Santo Antônio. No hospital, convivi com as apreensões da realidade. Lá eu fazia plantões nos fins de semana, e muitas vezes precisávamos dar as notícias de óbitos. Cada experiência me mostrou que fazia sentido o curso que eu escolhi e percebi que tinha condições de avançar nessa área. Depois disso, tive a oportunidade de fazer o estágio curricular e fui contratada como funcionária da Cáritas Brasileira, onde fiquei por vinte e um anos. Nesse trabalho tive uma experiência diferenciada, que conjugava o meu compromisso cristão com a perspectiva profissional.

Oportunidade
Depois de três anos formada, em 1985, o coordenador me motivou a fazer o concurso para lecionar na Unisinos e passei. Fiquei um período afastada por conta do Mestrado, que acabou se prolongando em razão do enxugamento do currículo do curso. Em 1999, voltei a lecionar. Ao longo desse tempo afastada, fiz especialização em bem-estar social e também uma imersão na questão das políticas públicas. Essas duas áreas temáticas me encantaram; é onde eu encontro sentido para a intervenção profissional, tanto na área de planejamento quanto na perspectiva das políticas públicas. Desde que me formei, me inseri em alguns cargos de organização, como no do Conselho Regional de Serviço Social, onde, às vezes, assumo algum papel na diretoria. Também participei da Associação Brasileira de ensino e Pesquisa, em serviço social também, onde tenho uma forma de continuar construindo essa profissão.

Trajetória
Transitei na Unisinos por alguns espaços importantes, que me levaram a chegar ao IHU. O meu trabalho na Cáritas com as pastorais sociais e a inserção na Semana Social Brasileira, onde conheci o Pe. Inácio, de alguma maneira também contribuiu para isso. Na Unisinos, também atuei Ação Social, na área da saúde, que foi uma experiência bastante rica, onde trabalhei com as políticas públicas. Tenho alguns desafios éticos, de entender que os processos são coletivos e eu devo potencializar isso. Uma outra perspectiva é a de tornar público o que fazemos. O IHU tem essa perspectiva.

Trabalho
O trabalho é um campo próprio do Serviço Social, que é também um exercício sociotécnico do trabalho. Em minha experiência na Cáritas, tive a oportunidade de trabalhar com a economia solidária, que na época estava se concebendo. Era um processo propulsor do campo do trabalho. Penso que algumas temáticas, como a Semana Social Brasileira, que discutiu o trabalho, há quinze anos atrás, são uma chave dentro das perspectivas sociais da igreja. Esse é um grande campo temático que merece a nossa interlocução.

Filhos
Tenho dois filhos, o Francisco, de 12 anos, e o Vicente, de 9 anos. Mais recentemente, o Scooby, o cachorro do Vicente, tornou-se parte da família. O desejo do Vicente era de que morássemos em uma casa no lugar do apartamento de hoje. Por outro lado, gosto muito de onde moro, no alto da Lucas de Oliveira, onde podemos ver grande parte de Porto Alegre, que é uma cidade que gosto muito de morar.

Esporte
Adoro correr por Porto Alegre. Todo o dia é dia de corrida. Transito pelos parques e ruas. Tenho o projeto de voltar a correr em abril a meia maratona e no próximo ano a maratona.

Livro
Tenho pensando muito no livro A riqueza e a pobreza dos homens, que trabalha a questão da desigualdade, da potencialidade da população empobrecida nas reações positivas da vida.

Autor
Carlos Drummond de Andrade é sempre uma referência, uma iluminação.

Filme
Recentemente vi, até em função do trabalho, o filme Quanto vale ou é por quilo?, que trabalha um pouco a reflexão da questão social às avessas.

Horas Livres
Corro muito, encontro amigos. Sempre que posso agendo espaços para reencontrar amigos. Também adoro uma roda de chimarrão.

Sonho
Quero curtir cada vez mais cada momento. Temos uma vida muito corrida. Gostaria de saborear mais os momentos da vida.

Brasil
Pode ser muito melhor.

IHU
É um lugar instigador, mobilizador e investigador. Ao mesmo tempo, também, um construtor para a nossa vida.

Unisinos
É o lugar que me faz crescer. Nesses anos que estou aqui, sempre encontro algo novo. Um lugar de crescimento.

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição