Edição 543 | 21 Outubro 2019

Ontologias Anarquistas. Um pensamento para além do cânone

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Retomar o pensamento dos povos nativos do Brasil em uma perspectiva de reflexão teórica profunda exige desestabilizar o cânone de uma forma de estar no mundo baseada exclusivamente na lógica predicativa. Pensar para além da obsessão do ente foi um exercício, em alguma medida, tentado por uma vertente do Modernismo Brasileiro, que encontrou nas cosmologias ameríndias a inspiração para um movimento ético, estético e teórico que dá tintas tropicais a um pensamento tipicamente brasileiro. Dentro desta perspectiva, a presente edição da revista IHU On-Line reúne uma série de entrevistas que tratam de literatura a política, de arte a filosofia, para pensar a contemporaneidade.

Raul Antelo, professor titular de literatura brasileira na Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, analisa como a contemporaneidade engendra uma ontologia em que o ser-com passa a habitar o lugar do ser. “Se os modernos queriam ser (ser autônomos, ser livres), os contemporâneos, gradativamente compreendemos, não sem violência, querem ser-com, uma vez que essa preposição indica a pré-posição de toda posição, que assim prepara sua disposição não à forma mas à metamorfose”, aponta.

Alexandre Nodari, professor de Literatura Brasileira e Teoria Literária da Universidade Federal do Paraná - UFPR, retomando as inspirações do Manifesto Antropófago, provoca-nos a pensar a possibilidade de uma ontologia da predação em lugar da predicação. “O canibalismo ritual é toda uma outra relação entre o próprio e o outro, na qual, ao contrário da visão comum, o objetivo não é incorporar a alteridade na mesmidade, o alheio na identidade, mas outrar-se, ver a si mesmo sob a perspectiva do outro”, destaca.

Eduardo Sterzi, professor de Teoria Literária no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, sustenta que o movimento estético levado a cabo pelo Modernismo Brasileiro é, antes de tudo, um movimento político de viés anarquista, mas sem vínculos com a tradição anarquista. “Sim, esta [a Antropofagia] é uma ontologia política anárquica, mas sem vínculos diretos, até onde recordo, com a tradição anarquista. Espécie de prenúncio da proposição de uma anarquia ontológica tal como a encontramos hoje na obra de Eduardo Viveiros de Castro”, frisa.

Veronica Stigger, doutora em Teoria e Crítica de Arte pela Universidade de São Paulo - USP, retoma a obra de Oswald de Andrade em perspectiva com a arte para pensar saídas a um tipo de moralidade violenta que mobiliza pessoas em torno de afetos negativos. “Parece-me cada vez mais importante voltarmos ao homem nu, a esse homem despido dos tabus, como uma espécie de antídoto para a intolerância cada vez mais crescente em nossa sociedade — e não estou pensando apenas na brasileira”, analisa.

Luís Augusto Fischer, doutor, mestre e graduado em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, traça um panorama das vertentes históricas que marcaram a literatura produzida no país. Enquanto a literatura mais litorânea expressa, “nas letras impressas, basicamente o ponto de vista dos luso-brasileiros”, a outra, a produzida no Brasil profundo é uma escrita que “tem a ver com o mundo interior, o mundo do sertão”.

A psicanalista Flávia Cêra retoma o pensamento de Oswald de Andrade para pensar vieses do matriarcado em perspectiva com os desafios políticos contemporâneos. “Acho que o mais interessante da proposta oswaldiana é menos a utopia e muito mais o método que ele nos deixou, a saber, ‘a ciência do vestígio errático’ que retira o patriarcado de um horizonte estável e estanque e também nos tira de uma espera paralisante de um ‘outro mundo possível’”, argumenta.

Éder Silveira, professor na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre - UFCSPA, discute a obra de Mário de Andrade, ressaltando as intuições do movimento modernista no Brasil e resgata conceitos importantes para pensarmos a contemporaneidade. “Coexistiram, no seio do que convencionamos chamar de modernismo brasileiro, fortes tendências nacionalistas, de pendor bastante romântico até, além de profundamente reacionário e uma compreensão mais cosmopolita, mais atenta ao que acontecia na literatura europeia e latino-americana”, sustenta.

Fernando Silva e Silva, doutorando em Filosofia na Pontifícia Universidade Católica - PUCRS, analisa como a ficção científica, com seus limites e possibilidades, nos instiga a pensar os desafios do tempo presente e nutre nossa imaginação política. Precisamos, portanto, elaborar um pensamento que leve em conta a Terra, seus habitantes e seu estado crítico de transição climática e, ao mesmo tempo, fundamente um projeto político consistente para a possibilidade de vida humana e não-humana no futuro”, propõe.

A edição ainda traz uma entrevista com o cientista Carlos Nobre e o teólogo Paulo Suess, que analisam os primeiros dias de debates do Sínodo Pan-Amazônico, em Roma; o artigo A ideologização da Sociologia (além de uma simples distração), do professor doutor e pesquisador do PPG em Ciências Sociais da Unisinos Carlos Gadea; e ainda a crítica de cinema de João Ladeira sobre o filme Midsommar: O Mal Não Espera a Noite (2019).

A todas e a todos uma boa leitura e uma excelente semana!

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