Edição 528 | 17 Setembro 2018

Da vila de Mr. Sun à hiperurbanização chinesa

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João Vitor Santos

Guilherme Wisnik observa como a China vai transformando aldeias de pescadores em cidades gigantescas e as consequências desses empreendimentos para a cultura local e a saúde do planeta

Quem tem interesse pelos temas da antropologia urbana já deve ter ouvido a história das pessoas que foram engolidas pelo “desenvolvimento” e pelo “progresso”, sendo forçadas a mudar de vida. Na China, o fenômeno é atualizado como hiperurbanização. Só que com uma diferença: “num espaço curto de tempo, no tempo de uma vida. São transições muito bruscas e muito traumáticas”, destaca o professor Guilherme Wisnik. Ele observa os efeitos dessa explosão pela história de Mr. Sun, que vê sua aldeia de pescadores se transformar numa cidade, sendo forçado a trocar seu lote por um terreno urbano. “Foi onde ele construiu um prédio de quatro andares, em que tinha a sua casa, andares que alugava, espécie de quartos para aluguel, como um hotel ou pensão, um cybercafé e, na cobertura, uma pequena horta em que ainda continuava plantando cenouras e beterrabas”, conta. Só que essa explosão urbana não para por aí e nos anos 1990 toda essa cidade é posta abaixo. “Depois, fazem grandes empreendimentos, como shopping centers com torres altas e outros edifícios altíssimos. E esse mesmo Mr. Sun tem que entregar o seu imóvel e trocá-lo por um apartamento minúsculo no 60º andar de um prédio”, pontua.

Na entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, Wisnik observa que as consequências vão além. Com um país com população imensa e com grandes recursos financeiros, as obras são em escala planetária, movem-se desertos e montanhas em nome de empreendimentos. “A Represa de Três Gargantas, que eles construíram para fazer a hidrelétrica que é a maior do mundo, deslocou tamanha quantidade de água que mudou o baricentro do planeta terra”, exemplifica. Para o professor, a abertura da China a lógicas do consumo capitalista explica essa transformação urbana. “Hoje em dia, a China é claramente um país de economia capitalista e de um estilo de vida que vai se tornando cada vez mais capitalista. É um estilo de vida que não se adapta a uma vida rural e nem a uma vida de pequenas aldeias”, pontua.

Entretanto, se ao mesmo tempo uma cultura milenar é atravessada, a característica chinesa de cópia e adequações de padrões mundiais se fortalece. “Então, essa é uma tradição que podemos dizer que é chinesa. E, dentro disso, eles têm feito também cidades que são cópias de outras cidades do mundo”. Embora as novas cidades chinesas não se preocupem com a questão ambiental, também têm dado uma lição ao mundo sobre crescimento planejado. “É questionável, é feio, desumanizador de certa maneira, mas o país tem virtudes do ponto de vista de uma racionalidade de planejamento. Pode-se dizer que isso criou um novo paradigma”, sintetiza.

Guilherme Wisnik atua como professor na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - USP. É autor de livros como Lucio Costa (Cosac Naify, 2001), Caetano Veloso (Publifolha, 2005) e Estado crítico: à deriva nas cidades (Publifolha, 2009). Crítico de arte e arquitetura, foi curador do projeto de Arte Pública Margem (Itaú Cultural, 2008-10), e da 10ª Bienal de Arquitetura de São Paulo (2013), entre outros projetos.

A entrevista foi originalmente publicada nas Notícias do Dia de 10-09-2018, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – No que consiste e como se dá o processo de hiperurbanização da China?
Guilherme Wisnik – A China é um país enorme, como todos sabem, é a maior população mundial; um terço ou um quarto da população mundial vive na China, e durante muito tempo o país teve uma política ostensiva de evitar a urbanização. Mao Tsé-Tung era contra o inchaço urbano, contra as grandes cidades, industrializou o campo e tinha uma política explícita de impedir a migração do campo para a cidade. Assim, a China passou décadas, chegando até os anos 1990, com pouco movimento de urbanização, se comparado com os processos de urbanização no resto do mundo nesse período.

É preciso lembrar que São Paulo e Rio de Janeiro, as grandes cidades brasileiras, explodem a partir dos anos 1950, 1960, e nos anos 1970 as cidades já são um caos absoluto. Em outros países da Ásia, em cidades como Jacarta , ou Kuala Lumpur , na Malásia, esse processo de urbanização também aconteceu nos anos 1960, 1970. Hong Kong , que é uma cidade que não pertence à China, foge dessa regra e cresceu muito. E, claro, Pequim e Xangai eram cidades grandes. Mas, hoje, quando falamos de hiperurbanização, significa que aquela política de Mao Tsé-Tung foi revertida, e se atualmente a China como regime comunista se abriu para a economia de mercado, ela se abriu também para o consumo absolutamente voraz de todos os objetos e produtos que compõem o capitalismo.

IHU On-Line – Então essa adesão a uma lógica similar ao capitalismo foi a grande responsável pela virada da organização urbana da China?
Guilherme Wisnik – Sim, isso se dá em grande medida devido a essa abertura da economia planificada para a economia de mercado. A China foi fazendo uma transição do socialismo para o capitalismo de uma forma não traumática, diferentemente dos países do bloco do leste europeu, que eram a cortina de ferro e, com a queda do Muro de Berlim, se deu uma transição traumática.

Agora, hoje em dia, a China é claramente um país de economia capitalista e de um estilo de vida que vai se tornando cada vez mais capitalista. É um estilo de vida que não se adapta a uma vida rural e nem a uma vida de pequenas aldeias. A própria inclusão na vida capitalista significa também a inclusão na lógica da especulação imobiliária, ou seja, construir cidades, demolir vilarejos e ter uma quantidade muito grande de obras de construção civil faz parte dessa dinâmica. Lembrando que o mercado imobiliário é responsável por grande parte da lucratividade da economia capitalista.

IHU On-Line – Podemos compreender essa hiperurbanização da China como uma ocidentalização pela via do capitalismo?
Guilherme Wisnik – Sim, é uma ocidentalização só que numa escala oriental, numa escala de uma população absurdamente grande, que é maior do que qualquer uma do Ocidente. Eu digo oriental porque não é só chinesa, a maior cidade do mundo é Tóquio, no Japão. A ideia de aglomeração, de multidão realmente impressionante é mais oriental do que ocidental. Mas, sim, é um dos efeitos da ação do Ocidente sobre a China.

IHU On-Line – O senhor destacou que, de modo geral, o mercado imobiliário é o grande impulsionador da hiperurbanização. Gostaria que o senhor detalhasse como isso se dá no contexto chinês.
Guilherme Wisnik – David Harvey explica bem como o mercado imobiliário tem papel central no capitalismo. Desde a reforma de Paris no século XIX se percebeu que grandes obras em escala urbana podem reverter crises econômicas, e isso tem sido feito ao longo dos tempos. Essa associação entre mercado imobiliário e capital financeiro é, ao mesmo tempo, responsável pelas grandes bolhas, pelos estouros recentes, mas também pela estabilização do sistema num momento de superprodução. É isso que entrou com força no caso chinês.

Tem um livro chamado How the city moved to Mr. Sun: China's new megacities , de dois holandeses, Michiel Hulshof e Daan Roggeveen , que traz um caso emblemático que aconteceu com muita gente. Sun era um senhor, um agricultor de um vilarejo semirrural e, de repente, no final dos anos 1980, houve um processo de urbanização forçada desse lugar e o vilarejo se transformou numa cidade; com isso, Sun teve que entregar suas terras em troca de um terreno num lote na cidade. Foi onde ele construiu um prédio de quatro andares, em que tinha a sua casa, andares que alugava, espécie de quartos para aluguel, como um hotel ou pensão, um cybercafé e, na cobertura, uma pequena horta em que ainda continuava plantando cenouras e beterrabas. Eles chamam esse estágio de village on the city – a aldeia na cidade –, um estágio intermediário em que já se tem uma cidade, mas ainda se tem uma certa memória da cidade antiga e uma escala ainda humana em que o sujeito tem o lote dele.

Depois vem um novo momento, no fim dos anos 1990, no qual essa cidade que foi construída é toda demolida e vem o mercado imobiliário, através do governo central do Estado – essa é uma associação curiosa, o mercado imobiliário junto com o governo central –, e desapropria todo mundo. Depois, fazem grandes empreendimentos, como shopping centers com torres altas e outros edifícios altíssimos. E esse mesmo Mr. Sun tem que entregar o seu imóvel e trocá-lo por um apartamento minúsculo no 60º andar de um prédio. Isso acontece com muita gente lá, num espaço curto de tempo, no tempo de uma vida, de uma geração. São transições muito bruscas e muito traumáticas.

IHU On-Line – A partir disso, que tipo de cidade a China tem produzido?
Guilherme Wisnik – É o que o arquiteto holandês Rem Koolhaas chama de cidade genérica; são cidades muito novas, cidades sem nenhuma especificidade. A ideia de cidade genérica está ligada a outro conceito da antropologia urbana que se chama “não lugar”. “Não lugar” é um lugar que não tem nenhum sentido de apropriação real pela população, porque não tem um vínculo histórico, não tem usos realmente construídos e interação entre as pessoas e aqueles espaços, são coisas construídas muito de cima para baixo. Esse conceito também está muito ligado aos lugares de passagem, por exemplo, autoestradas, vias expressas ou centros de comércio, de compras em que você está sempre em trânsito. São lugares desertificados do ponto de vista da apropriação humana. E essas cidades que a China está construindo são como imensos “não lugares”, elas têm essa característica da cidade contemporânea.

IHU On-Line – Ou seja, deixa-se a tradição da cultura oriental sempre tão forte e se rende a lógicas globais genéricas de megametrópoles?
Guilherme Wisnik – Sim, tanto que há fotos impressionantes dos antigos bairros chineses sendo demolidos para a construção dessas cidades genéricas. Agora, é importante lembrar que a China tem também uma tradição de copiar tudo. São esses made in China que tanto conhecemos, feitos por eles sem pedir permissão, sem royalties de nada, eles simplesmente clonam as coisas e copiam. Então, essa é uma tradição que podemos dizer que é chinesa. E, dentro disso, eles têm feito também cidades que são cópias de outras cidades do mundo.

Em volta de Xangai, há um anel de cidades novas em que cada cidade é a cópia de algum lugar do mundo. Assim, tem a cidade que imita Londres, com seus ônibus vermelhos de dois andares, com telefones públicos característicos, os guardas que se vestem com aquelas roupas londrinas. Outra cidade imita a Holanda, onde há os canais como se fosse Amsterdã. E, ao mesmo tempo, eles têm os famosos parques de atração que são como o Epcot Center, na Disney, nos Estados Unidos, que são cópias dos monumentos do mundo. Há parques assim em Pequim e em Shenzhen , como o parque Window of the World – a janela do mundo. Lá, é possível encontrar o Partenon, a Torre Eiffel, tem até o Congresso Nacional de Brasília. Trago essa ideia para contestar um pouco aquela ideia que trazia antes, pois essa perspectiva do genérico também é muito chinesa por esse sentido da tradição de fazer a cópia.

IHU On-Line – Pensando nessa perspectiva da cópia, quando a China quer construir uma grande cidade, para onde olha? Em que lugar busca inspiração?
Guilherme Wisnik – As referências são os Estados Unidos e as cidades mais tradicionais da Europa; no caso das cidades copiadas, a base são as cidades europeias. Mas o modelo da cidade genérica é a cidade norte-americana, a cidade de autopistas e de shoppings, como Los Angeles, Houston, Atlanta, Phoenix, nesse estilo.

IHU On-Line – Atualmente, quais as maiores e mais hiperurbanizadas cidades da China?
Guilherme Wisnik – Xangai e Pequim, com certeza, mas também Guangzhou , no sul da China, Shenzhen e Chongqing , estão entre as principais. Na verdade, existe um grande polo de urbanização no sudeste da China que é o Delta do Rio Pérola , que deságua em Hong Kong, e é onde estão Shenzhen, Guangzhou e outras grandes cidades. Ali foi a primeira região que chamaram de Zonas Econômicas Especiais; a abertura para o mercado capitalista começou ali por causa de Hong Kong.

Shenzhen é um caso muito impressionante, pois em 1980 era uma aldeia de pescadores e, hoje em dia, é uma cidade com quase 15 milhões de habitantes, onde é sede de uma das Bolsas de Valores da China (a outra fica em Xangai), tem os hotéis mais luxuosos do mundo, as principais empresas multinacionais. Isso é uma hiperurbanização, um crescimento muito rápido. Além dessa concentração do Delta do Rio Pérola, onde estão essas principais, tem ainda Chongqing, mais próximo ao centro da China, e Xangai e Pequim, mais perto da costa.

IHU On-Line – Ainda sobre o caso de Shenzhen, gostaria que o senhor detalhasse como se dá essa relação da cultura mais antiga, como de uma ilha de pescadores, com uma megacidade?
Guilherme Wisnik – Não se relaciona, é uma relação de apagamento. Eu visitei Shenzhen e percebi que ali há várias áreas que poderíamos chamar de favelas. Na verdade, são aquelas construções de madeira ou tijolos que são mais precárias e poderiam ser pensadas como mais antigas. Eles têm ainda uma preservação da política de Mao Tsé-Tung. Na época de seu governo, por exemplo, o RG da pessoa, sua identidade, é da cidade em que ela nasceu e não se poderia trabalhar em outra cidade. Isso ocorria para manter as pessoas nos lugares e evitar migrações. Hoje, ainda se mantém algo dessa lei, mas de uma forma velada. As pessoas migram, chegam em outras cidades e conseguem trabalhar, mas são exploradas e não têm direito a nenhum benefício público, como hospitais, escolas. Assim, cria-se uma espécie de cidade informal dentro da cidade formal. São esses lugares que vemos e que podemos identificar como favelas. Isso seria uma certa sobrevivência da China antiga dentro da China atual.

IHU On-Line – Essa seria uma face das desigualdades que surgem dessa transformação da China camponesa para a urbana?
Guilherme Wisnik – Exatamente, se cria uma terrível desigualdade por causa dessas transformações. Mas, além desses casos, há também o caso de cidades fantasmas. No norte da China, por exemplo, tem uma cidade chamada Ordos Kangbashi , na província da Mongólia Interior, que foi construída para um milhão de habitantes, e só tem cinco mil habitantes. É um grande paradoxo nesse processo de hiperurbanização, porque foi uma ação governamental e imobiliária que, de alguma maneira, fracassou, pois quis estimular um crescimento urbano naquela região que não aconteceu ainda. Essa cidade está nessa condição há mais de dez anos.

Curioso é que, quando você busca as respostas para isso, observa que o governo diz sempre que não foi um problema, foi uma boa decisão porque a construção da cidade gerou emprego, movimentou a economia. É uma resposta bastante estranha. Entretanto, também encontrei um depoimento de um investidor imobiliário que mora em Pequim e que tem vários imóveis nessa cidade de Ordos e quando perguntaram se ele tinha feito um mau negócio, respondeu que não, que foi bom porque investiu numa cidade que não está sendo gasta, que vai ficar para sempre nova. Gostei muito dessa definição, porque ela me mostrou uma ideia perversa de que, através da China, podemos ver que a cidade contemporânea vai deixando de ter valor de uso e vai tendo apenas valor de troca, como se fosse um produto também que se pode comprar e vender conforme o desgaste.

IHU On-Line – Como toda essa explosão urbana da China tem impactado o meio ambiente?
Guilherme Wisnik – Essa é uma das maiores preocupações mundiais hoje, porque a China não tem políticas claras, nem progressistas, sobre a redução do impacto ambiental. Assim, as consequências são muito danosas, vemos muita emissão de poluentes. Em Pequim, por exemplo, o ar é preto, as pessoas andam com máscaras em função de tamanha poluição. Há uma combinação da questão atmosférica do lugar onde a cidade está e a poluição, a emissão de gás carbônico, que torna o lugar quase impossível de se viver.

Mas há, sobretudo, essa ideia de que sabemos que, se os padrões ocidentais de consumo forem realmente adotados pela população chinesa, o mundo não conseguirá suportar. Será gerado um desastre ambiental e de consumo de reservas fósseis, de água, que vai se tornar inviável. É um tema que tem preocupado muito, mas o problema é que estamos caminhando nessa direção, a China está se urbanizando e se adaptando ao consumo ocidental e num ritmo chinês.

IHU On-Line – No caso da construção das cidades, o senhor percebe essa falta de políticas ambientais? Para erguer um prédio, passa-se com uma retroescavadeira por cima de tudo? É isso que acontece?
Guilherme Wisnik – É isso mesmo e tamanha é a escala disso tudo que, às vezes, tem a revolta da natureza. Há cidades que foram construídas onde antes era um deserto; destruíram montanhas, afastaram desertos e quando ocorre uma tempestade de areia o deserto volta e toma a cidade. A urbanização chinesa demonstra uma luta insana da civilização contra a natureza, numa escala fáustica , que é o pacto com o demônio.

IHU On-Line – O senhor percebe se dentro da China e na comunidade internacional há algum tipo de reação para tentar reverter esse quadro de extrema degradação ambiental?
Guilherme Wisnik – Na China não sei dizer, mas internacionalmente há muitas reações. O Greenpeace ataca muito essa política chinesa, e os congressos da Organização das Nações Unidas - ONU sobre questões ambientais também têm colocado essa questão.

IHU On-Line – Quais os riscos da hiperurbanização chinesa?
Guilherme Wisnik – É tudo isso que estramos tratando, a eliminação de um patrimônio cultural milenar, insustentabilidade de todos os pontos de vista, porque há consumo de água e de petróleo de forma desregrada, poluição do meio ambiente, mas não só dessas matérias-primas. A própria impermeabilização do solo fica comprometida com toda essa urbanização.

E vamos lembrar que quando falamos da China não estamos falando de qualquer lugar. A China construiu a única obra humana que é visível da lua, que é a Muralha. A Represa de Três Gargantas , que eles construíram para fazer a hidrelétrica que é a maior do mundo, deslocou tamanha quantidade de água que mudou o baricentro do planeta terra. É para esse tipo de situação que quero chamar atenção, pois quando falamos na China é nesse tipo de escala que as coisas acontecem. Esses problemas que são questões da urbanização em qualquer lugar do mundo, como emissão de gases, impermeabilização do solo, consumo de reservas fósseis, na China tudo isso ocorre numa escala muito maior.

IHU On-Line – E quais aspectos positivos poderiam ser destacados a partir dessa megaurbanização?
Guilherme Wisnik – Parece que não tem nada de positivo, mas tem sim. Como é uma organização movida por uma economia muito forte, mas com governo central, eles conseguem fazer tudo com muitas regras, com muita norma, com muito padrão. Quando a urbanização é feita só pelo mercado imobiliário você tem apenas a lei do lucro funcionando, a competição, e as coisas ocorrem de uma maneira. No caso da China, não, pois tem muito dinheiro, capacidade econômica para fazer as grandes obras, mas eles têm uma linha mais ou menos coerente por trás, que é o próprio governo.

Você visita, por exemplo, Shenzhen e percebe que tem um padrão de calçada, de tamanho das vias, de comércio nos térreos de prédios, de metrô, de infraestrutura pública, tudo isso é feito junto. Nesse aspecto é muito bom, muito melhor do que os crescimentos caóticos aqui no Brasil, onde vai se expandindo uma cidade sem ter nenhuma infraestrutura, sem ter nenhuma padronização de leito carroçável de via pública, sem ter metrô.

IHU On-Line – Dadas todas essas experiências da China, é possível afirmar que o país tem inspirado outros lugares do mundo na questão do crescimento e desenvolvimento urbano?
Guilherme Wisnik – Acredito que sim, pois os chineses estão dando um exemplo de um crescimento planejado. É um crescimento muito rápido, mas é planejado. É questionável, é feio, desumanizador de certa maneira, mas o país tem virtudes do ponto de vista de uma racionalidade de planejamento. Pode-se dizer que isso criou um novo paradigma.

IHU On-Line – É possível afirmar que o momento vivido pela China hoje, em termos de desenvolvimento urbano, não é vivido por nenhum outro lugar no mundo?
Guilherme Wisnik – Nessa escala sim, não tem comparação. A Índia vive uma situação semelhante; era uma população majoritariamente rural que está se urbanizando ao mesmo tempo, mas sem essas especificidades que comentamos.

IHU On-Line – Como o tema da China o tocou? O que o fez olhar com mais atenção para esse país?
Guilherme Wisnik – Sendo um arquiteto interessado nos fenômenos mundiais, necessariamente esse tema apareceria. Existe um livro que foi muito importante para mim chamado Great Leap Forward , organizado por Rem Koolhaas, que coordena em Harward um laboratório chamado Project on the City [projetos das cidades], onde fazem pesquisas urbanas. Esse livro é sobre a urbanização do Delta do Rio Pérola. É uma pesquisa muito importante, que conheci no início dos anos 2000 e me abriu a cabeça para esses fenômenos. Depois tive a oportunidade de ser convidado para participar da Bienal de Shenzen. Fui até lá, mostrei uma instalação que tínhamos feito para a Bienal de Arquitetura de São Paulo, participei de debates e pude visitar a cidade, assim como Hong Kong, e fiquei muito impressionado. Na Bienal de Arquitetura de 2013, em São Paulo, em que fui curador, fizemos uma exposição importante sobre a China baseada em pesquisas que nossa equipe curatorial desenvolveu.■

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