Edição 524 | 18 Junho 2018

Eleições 2018 e os desafios para o Brasil enfrentar os retrocessos

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João Vitor Santos

Para Renato Janine Ribeiro, a saída para o estado de crises passa essencialmente pela política e não pela repulsa desse campo

O Brasil chega ao final de um primeiro semestre de ano eleitoral mergulhado em impasses e incertezas. Pesquisas apontam que, mesmo preso e tendo a possibilidade de ser impedido de concorrer, o ex-presidente Lula tem a maioria das intenções de voto. Em segundo lugar, está Jair Bolsonaro e sua extrema direita reacionária, enquanto a dita direita mais moderada, assim como demais partidos de centro e de esquerda, “tateiam” para apontar um nome capaz de fazer frente a esse cenário. Não obstante a nebulosa perspectiva de futuro, o país ainda rema para superar a crise econômica e, a cada dia, parece afundar ainda mais nas crises políticas e institucionais. O professor Renato Janine Ribeiro define esse quadro como um retrocesso, pois a crise de hoje está relacionada ao descrédito que a cúpula política do país vem provocando. Para ele, isso ficou claro no recente episódio da greve dos caminhoneiros. “Vemos um governo que não sabe o que fazer quando o Brasil todo é praticamente paralisado em termos de produção e trabalho”, dispara. E acrescenta: “depois se vê que ele está agindo de forma incoerente para tentar acalmar os caminhoneiros, os acionistas da Petrobras e setores que estão incompatíveis”.

Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, o professor considera que o fato de o governo “não ter rumo” “é fruto dessa ruptura grande que foi o impeachment”. Janine viu de muito perto toda a gestação do que culminou na derrocada do governo petista. “Se não tivesse havido impeachment, se a presidente Dilma tivesse negociado com a oposição e os setores responsáveis do PSDB tivessem dito que não valia a pena promover a aventura do impeachment, se uma política econômica tivesse sido definida e retomasse o crescimento econômico, nós já teríamos superado essa crise há algum tempo”, analisa. Sobre as eleições de outubro, reitera que é o momento ideal para enfrentar esses retrocessos. “Tem que mudar a política, melhorar os políticos, mas não pode ficar numa história de desqualificar a política, porque é um retrocesso. O Brasil está vivendo um grande retrocesso hoje, e esse é um problema que temos de enfrentar”, sugere.

Renato Janine Ribeiro foi ministro de Estado da Educação por seis meses no segundo governo de Dilma Rousseff. É professor titular da Universidade de São Paulo - USP, na disciplina de Ética e Filosofia Política. Possui doutorado em Filosofia pela USP, atua na área de Filosofia Política, com ênfase em teoria política. Recebeu o Prêmio Jabuti de Literatura em 2001 pela obra A Sociedade Contra o Social (São Paulo: Companhia das Letras, 2000). Agora em 2018, está lançando A Pátria Educadora em colapso (São Paulo: Três Estrelas, 2018), livro em que narra os bastidores da política, à época de sua passagem pelo Ministério da Educação.

Confira uma parte da entrevista. A íntegra foi publicada nas Notícias do dia de 15-6-2018, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.

IHU On-Line — Como o senhor tem acompanhado a conjuntura política de hoje, com vistas às eleições de outubro?
Renato Janine Ribeiro — O cenário deste ano é bem difícil. Vejamos a pesquisa do Datafolha que saiu ontem [10-06-2018] : em primeiro lugar Lula, que está inelegível; em segundo lugar ninguém; em terceiro Bolsonaro, com 27%. E aqueles que têm 5% ou 6%, como [Geraldo] Alckmin , estão apostando que conseguirão chegar ao segundo turno com 20% e disputar a final. Das três forças mais poderosas, hoje, no país, só duas poderão ir para a final da “Copa do Mundo” das eleições no Brasil: Bolsonaro está bem colocado, e na outra vaga não sabemos se iria, por exemplo, Alckmin, que está muito fraco, ou qualquer outro candidato.

Então nós temos a extrema direita com Bolsonaro, bem posicionado nas pesquisas, temos a direita que não está passando dos 20%, e ainda no mesmo espectro Alckmin, [Henrique] Meirelles e Álvaro Dias , mas que também não bate nos 10%. Na centro-esquerda nós temos Ciro [Gomes] disputando com o nome que ainda será indicado pelo PT, que ainda não foi formalizado e que não sabemos quem é, depende do Lula. Acredito que toda essa mudança política que foi promovida pela oposição perde totalmente o sentido se Lula for eleito, pois fizeram de tudo para evitar isso.

Nesse ponto, é muito parecido com 1964, quando os golpistas diziam: “vamos arrumar a casa, ano que vem, 1965, tem eleição”. No entanto, quando eles viram que [Carlos] Lacerda não iria ganhar, caçaram Juscelino [Kubitscheck] , e quando viram que Lacerda não era confiável, caçaram as eleições. Não sei se chegaremos a esse ponto. Pode ser que impeçam Bolsonaro de concorrer, mas será que conseguem eleger Alckmin com 7% dos votos? Não sei. E a própria esquerda e centro-esquerda dividida entre Ciro e o nome que não sabemos quem vai ser do PT, e ainda os pequenos nomes, [Guilherme] Boulos e Manuela D’Ávila , que estão concorrendo honrosamente com as suas chapas.

Ainda tem a Marina [Silva] , que é candidata de centro, mas que ficou um tanto queimada depois de duas vezes ganhar 20% dos votos e não estar trabalhando esse público de 1/5 da população brasileira que lhe fez confiança. São quatro anos e depois mais quatro anos sem ouvi-la. É uma situação extremamente indecisa.

IHU On-Line — Mesmo depois da prisão, o ex-presidente Lula segue sendo anunciado pelo PT como seu candidato à presidência da República. Como compreender essa estratégia do partido?
Renato Janine Ribeiro — A estratégia do PT faz sentido por duas razões. Uma é a questão de honra e de ética: como Lula foi condenado em um julgamento, pelo menos, duvidoso, falta legitimidade na condenação dele e essa condenação nos coloca muito próximos do que aconteceu na Malásia, na Rússia e na Costa do Marfim, que são três países em que o candidato da oposição, às vezes até com grande intenção de votos, foi impedido de concorrer por decisões judiciais, no mínimo, duvidosas e de sentido basicamente político. E, do ponto de vista do PT, é querer garantir a forte convicção da inocência do presidente e do seu direito de concorrer. Esse é um primeiro ponto que chamaria de ético e até uma questão de honra.

Um segundo ponto é a questão de garantir um percentual de intenções de votos elevado. Existe muito mais gente disposta a votar em Lula do que em [Fernando] Haddad , Tarso [Genro] , Jaques Wagner ou Celso Amorim . Portanto, creio que eles pretendem transferir essa intenção de maneira compulsória para um eventual nome que surja no lugar. Quanto a quem seria esse nome, geralmente se fala em Jaques Wagner, o qual, porém, tem sérias ressalvas concernentes a sua vida pessoal. Parece que sua família realmente quer sair da Bahia e isso é absolutamente respeitável.

Aparentemente, entre esses nomes, o que tem mais chances é Haddad, que é um nome do Sudeste. Uma curiosidade: até a década de 1960 e 1970, São Paulo era considerado região Sul, não se tinha região Sudeste. Hoje, quando falamos de Sul e Sudeste, São Paulo tem muita coisa parecida com os três estados do Sul — politicamente e economicamente. Então, se pegarmos São Paulo mais Sudeste, Haddad é o nome mais palatável entre os outros nomes que surgem. É mais ou menos consenso hoje na política que o ideal é ter uma aliança, se conseguir, com dois partidos, presidente e vice-presidente, um do Sul e Sudeste e outro do Nordeste. Isso porque são os grandes colégios eleitorais do país. Assim, este seria um desenho: Haddad teria um vice do Nordeste, Ciro teria um vice do Sul/Sudeste, e por aí vai. Se tentar alguma coisa Sul puro ou Sul/Sudeste puro, não tem muita chance; por exemplo, Alckmin e Álvaro Dias, ou, pior ainda, Alckmin e [João] Doria — é só um delírio, pois dois paulistas tucanos na mesma chapa é uma coisa sem pé nem cabeça.

Menos tempo para “levar porrada”

Resumindo tudo isso, penso que a estratégia do PT é, por um lado, garantir até quase o fim a candidatura de Lula e, por outro lado, tentar transferir votos na alta. Agora, isso significa um caminho de manter esse nome oculto muito tempo, o que tem uma vantagem, é verdade, pelo cenário. É o que houve com Marina em 2014. Enquanto Aécio, Dilma e Eduardo Campos “levaram porrada” durante um ano, um ano e meio, Marina, quando surgiu como candidata, tinha um mês e meio de campanha e isso era pouco para “levar porrada”. A desconstrução das candidaturas, que é um traço forte, implacável e até cruel das eleições brasileiras, não ocorreu com Marina e, infelizmente, foi uma semi-inclusão, pois a própria Marina não segurou a onda leve que recebeu; enquanto os outros recebiam um tsunami, ela recebia uma marola e não deu conta disso.

Fato é que um candidato que entre para concorrer em agosto, por exemplo, com 45 dias pela frente, terá sido menos atacado que os demais que já estão sendo atacados. Embora já queiram também em outro processo político indiciar Fernando Haddad, ele está com muito menos bombardeio do que outros.

Não é loucura

Desejo retomar um ponto: essa ideia de manter o candidato até o fim não é louca, pois em 1985, quando ocorreram as primeiras eleições para prefeito de capital depois da ditadura, Jaime Lerner foi liberado para concorrer em Curitiba cinco dias antes das eleições e ganhou. Logo, se o Lula for liberado cinco dias antes das eleições, ele ganha.

Leia mais

- Num Brasil sem diálogo, escola vira arena para disputas. Entrevista com Renato Janine Ribeiro, publicada na revista IHU On-Line número 516, de 4-12-2017.

- "A intolerância cresceu brutalmente na política". Entrevista com Renato Janine Ribeiro, publicada nas Notícias do Dia de 2-9-2014, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

- Dá para pensar a política eticamente, sim ou não? Entrevista com Renato Janine Ribeiro, publicada na revista IHU On-Line número 398, de 11-8-2012.

- "PT permitiu que agenda social se dissociasse da agenda moral". Entrevista especial com Renato Janine Ribeiro, publicada nas Notícias do Dia de 27-3-2013, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

- A essência da técnica não é nada de técnico. Entrevista especial com Renato Janine Ribeiro, publicada nas Notícias do Dia de 14-10-2014, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

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