Edição 523 | 04 Junho 2018

Reaproximação das duas Coreias: os Primeiros Passos de uma Longa Caminhada

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Gabriel Adam

No presente artigo, Gabriel Adam destaca que as duas Coreias permanecem oficialmente em guerra desde 1950, posto que a estabilização do conflito e a confirmação da fronteira entre os países no Paralelo 38 foram obtidas a partir de um armistício e não de um tratado de paz formal. Desde então, a relação entre ambas oscilou, com momentos de indiferença mútua (mais raros), tentativas de negociações ocasionais e aumentos da tensão.

Gabriel Adam é formado em Ciências Jurídicas e Sociais, possui mestrado em Relações Internacionais e doutorado em Ciência Política. É professor dos cursos de Relações Internacionais e Direito na Unisinos.

Eis o artigo.

Tradicionalmente um tema impactante no Nordeste Asiático, o confronto coreano ascendeu a outro patamar quando em 2003 a Coreia do Norte reconheceu que possuía armas nucleares, mesmo ano em que o regime de Pyongyang denunciou o Tratado de Não-Proliferação Nucelar, ao qual aderira em 1985. No ano de 2006, a Coreia do Norte anunciou o sucesso de seu primeiro teste com suas armas nucleares. Na década seguinte foi se estabelecendo uma dinâmica de conversações das Seis Partes (Coreia do Norte, Coreia do Sul, China, Japão, Estados Unidos e Rússia), sanções aprovadas na Organização das Nações Unidas - ONU, esgotamento econômico do regime norte-coreano, ameaças feitas por Pyongyang, refreadas em troca de apoios humanitários pontuais, novas negociações etc. Em suma, a situação ingressara em um ciclo aparentemente perene. Contudo, nos dois últimos anos a situação se modificou, tendo primeiro piorado em escala inédita para, depois, parecer se encaminhar para um bom termo.

A fim de entender o segundo momento, o alvissareiro, cumpre reconstruir brevemente aquele marcado pelo pessimismo. No ano de 2017, Donald Trump assumiu a presidência dos Estados Unidos, o que fez a Casa Branca retomar uma política externa de conotações imperialistas e intervencionistas mais abertamente declaradas. Um revival do governo de George W. Bush (2001-2009). Contudo, antes mesmo de Trump assumir, no primeiro dia daquele ano, Kim Jon-un declarou em rede de televisão que testaria um míssil balístico intercontinental. O teste foi realizado com sucesso em 04 de julho. Washington ameaçou atacar a Coreia do Norte caso continuasse com suas políticas. Kim Jon-un retrucou, afirmando que realizaria um ataque nuclear no coração dos Estados Unidos caso estes tentassem derrubá-lo do posto de Supremo Líder norte-coreano, pois possuiria capacidade para tanto. Até o final de 2017 a belicosidade de parte a parte continuou, elevando a tensão a níveis assustadores, seja pelas conquistas técnicas alegadas por Kim Jon-un, seja pela imprevisibilidade e inconsequência que parece ser uma marca de Trump.

Quando o destino da península coreana parecia mais incerto desde 1950, chegou o ano de 2018 e com ele um inesperado relaxamento da situação. Gestos carregados de simbolismo em direção à paz ocorreram logo no começo do ano, nas Olimpíadas de Inverno sediadas pela Coreia do Sul1. Neste evento, televisionado para todo o mundo, as duas Coreias participaram de alguns esportes em conjunto e Kim Yo-jong, irmã do mandatário norte-coreano, visitou o evento. Em março, Kim Jon-un propôs um encontro com o mandatário estadunidense e se dispôs a incluir na agenda de discussão o programa nuclear de seu país. Após um estranhamento e uma quase recusa iniciais, Donald Trump declarou que aceitava se encontrar com o seu par norte-coreano. A princípio, o histórico encontro estaria marcado para 12 de junho próximo.

Em meio à retomada de diálogo diplomático entre Coreia do Norte e Estados Unidos estava o presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, que, com sua estratégia de sanções + diplomacia nas relações com a vizinha do norte, se mostrou, desde o início do ano, receptivo aos atos “pacificadores” vindos de Pyongyang. O ponto alto da reaproximação das Coreias ocorreu em 27 de abril, quando Kim Jon-un se encontrou com Moon Jae-in em um vilarejo na fronteira entre os dois países, ocasião em que apertaram as mãos para a posteridade. Tal reunião possui enorme significação, pois há mais de dez anos líderes das duas Coreias não se encontravam pessoalmente, que dirá apertar as mãos cenograficamente para a mídia. O resultado foi a Declaração de Panmunjom, a qual aborda passos indispensáveis para a pacificação da península coreana. Cabe destacar algumas das resoluções presentes no documento: promessa de cessação de hostilidades terrestres, marítimas e aéreas entre os países; transformação da zona desmilitarizada que divide as Coreias e a fronteira marítima ocidental em Zonas de Paz; suspensão pelos dois Estados da transmissão de propaganda contra o regime rival, e desmantelamento dos equipamentos utilizados para tal fim; e proibição das propagandas realizadas ao longo da fronteira. Neste sentido, no dia 05 de maio 300 policiais sul-coreanos proibiram ativistas de lançarem balões com 5.000 folhetos contra o regime de Kim Jon-un. As atenções, então, se voltaram para a reunião entre Trump e Kim Jon-un. Do lado norte-coreano, o destino de seu programa nuclear é fundamental. E de parte dos EUA, é preciso debater o que será feito das bases estadunidenses alocadas na Coreia do Sul, cuja justificativa principal para a existência é justamente a ameaça sul-coreana. Para Washington, isto significaria perder sua cabeça de ponte no Leste Asiático, o que seria uma perda estratégica. No dia 12 de maio o governo norte-coreano declarou suspensas as negociações de paz com a vizinha do sul em função de exercícios militares aéreos realizados por EUA e Coreia do Sul. Pyongyang considerou que estas exibições de poder são incoerentes com a postura amena que vêm pautando as relações entre as Coreias nos últimos meses. Tendo em foco a relevância que a península possui para os EUA, é perceptível que os interesses de Washington continuam sendo o único foco de suas ações. A isto se acrescenta que a paz coreana beneficiaria a China, pois sua influência político-diplomática e econômica na região ao se relacionar com as Coreias pacificadas ou com uma Coreia unificada por certo aumentaria, o que para os EUA representa uma perda.

Os reveses dos últimos dias demonstram que a paz na península coreana não será atingida de forma fácil. Mas a esperança deve ser mantida, posto que se for mantida a boa vontade das duas Coreias e o apoio chinês ao processo de paz for intensificado, os EUA de Trump não conseguirão avançar como desejam sua agenda unilateral e imperialista.

Expediente
Coordenador do curso de Relações Internacionais da Unisinos: Prof. Ms. Álvaro Augusto Stumpf Paes Leme
Editor: Prof. Dr. Bruno Lima Rocha

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