Edição 518 | 27 Março 2018

Instinto de agressão preserva a existência

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Ricardo Machado | Edição Vitor Necchi

Angelina Batista salienta que, para além da violência de superfície expressa em atos divulgados pela mídia, há um impulso que leva ao enfrentamento da vida

A violência é inerente à espécie homo sapiens “porque está ligada ao instinto de agressão que, como instinto, pode servir para o bem ou para o mal e existe para preservar a vida”, afirma a professora Angelina Batista em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. “A violência seria uma resposta a uma estimulação inicial desencadeadora de atitudes, entre as quais a de defesa.”

Para que a vida seja preservada, a agressão existe como instinto, e isto é constitutivo do ser. “Vivemos em um mundo que privilegia determinadas práticas, muitas delas altamente violentas”, salienta a professora. “Não estamos falando da violência de superfície, que se expressa em atos amplamente divulgados pela mídia. Falamos de um impulso que nos leva ao enfrentamento da vida”.

O impulso vital consta de todas as dimensões da vida humana e se torna violência quando usado inadequadamente. Nenhuma dimensão humana escapa a esse impulso vital, mas as que menos manifestam o lado negativo (violento) da energia vital, no entendimento de Angelina, são a lúdica e a estética. “Não se dá trégua a instintos. O que podemos é educar nossas práticas sociais. Nossas regras de conduta podem possibilitar uma convivência mais harmoniosa”, afirma.

Angelina Batista é professora aposentada do Departamento de Educação da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - Unesp - Campus de Botucatu. É doutora e mestra em Educação pela Universidade de São Paulo - USP, graduada em Letras, Português, Latim e Grego pela USP e em Pedagogia pelas Faculdades Integradas Campos Salles.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como a violência se constitui em um traço inerente à espécie homo sapiens?
Angelina Batista – A violência é um traço inerente à espécie homo sapiens porque está ligada ao instinto de agressão que, como instinto, pode servir para o bem ou para o mal e existe para preservar a vida. Neste sentido, a violência seria uma resposta a uma estimulação inicial desencadeadora de atitudes, entre as quais a de defesa. Este instinto está presente na energia vital que é força para viver, enfrentar os desafios e levar o homem à construção de si mesmo, por exemplo.

IHU On-Line – Do que se trata o conceito de homo violens, a partir da definição de Roger Dadoun?
Angelina Batista – A meu ver, o conceito de homo violens, segundo Roger Dadoun , apresenta os seguintes aspectos: a) manifesta-se desde sempre no agir humano; b) está intrinsecamente ligado ao impulso vital; participa da energia vital; c) todos os homens e todas as épocas conheceram a violência; d) este impulso vital precisa ser administrado.

IHU On-Line – Qual é a estrutura do homo violens? Como ele se constitui individualmente e socialmente?
Angelina Batista – A agressão, como instinto, existe para preservar a vida. E isto é constitutivo do ser. Determinadas práticas sociais apresentam-se ora mais ora menos violentas. Vivemos em um mundo que privilegia determinadas práticas, muitas delas altamente violentas. Não estamos falando da violência de superfície, que se expressa em atos amplamente divulgados pela mídia. Falamos de um impulso que nos leva ao enfrentamento da vida. A pergunta seria: “em que momento esse impulso que nos leva à vida torna-se um impulso de morte”?

IHU On-Line – De que maneira se pode pensar o aspecto da violência para além de dimensões morais e religiosas?
Angelina Batista – Como impulso vital, o homo violens prescinde das dimensões morais e religiosas. As dimensões morais e religiosas, entre outras práticas simbólicas, existem como norteadoras do existir humano e, portanto, como balizadoras do agir humano. Lembrando sempre que este impulso vital leva ao agir. O agir humano, porque liberto de uma determinação biológica (o instinto nos animais), precisa ser “educado” pelo outro, pelo tempo e espaço, pelas circunstâncias. As práticas simbólicas, como práticas sociais, cumprem esse papel “educador”.

IHU On-Line – Que dimensões da vida são mediadas por violência e que dimensões escapam dessa mediação?
Angelina Batista – Em todas as dimensões da vida humana, o impulso vital está presente. Ele se torna “violência” quando usado inadequadamente. Tomemos como exemplo o homo politicus: o viver em grupo pede uma liderança. Esse serviço de liderança exige uma energia que precisa ser posta a serviço do grupo. Quando essa energia não é usada a serviço do grupo, mas a serviço de outros interesses, ela se torna violência. Nenhuma dimensão humana escapa a esse impulso vital, mas as dimensões que menos manifestam o lado negativo (violento) da energia vital, a meu ver, são a dimensão lúdica e a dimensão estética.

IHU On-Line – Que aspectos históricos constitutivos da espécie homo sapiens levaram suas diferentes dimensões – homo sexualis, homo faber, homo politicus – a orbitar em torno do homo violens?
Angelina Batista – As dimensões do homo sapiens não orbitam em torno do homo violens. Os aspectos históricos e sociais da espécie humana são práticas sociais que levam ao enfrentamento da própria existência.

IHU On-Line – Partindo da premissa de que uma violência ocorre em relação/reação a outra violência, como superar esse ciclo vicioso?
Angelina Batista – A violência ocorre em relação à interação com o outro, seja esse outro eu mesmo, o outro da minha espécie, os outros de outras espécies e em relação ao próprio meio ambiente. Não há uma violência originária. Na origem, há um impulso para a vida e seu enfrentamento. As práticas sociais deveriam favorecer o controle desse impulso.

IHU On-Line – Se a violência é constitutiva da existência, como se pode suspendê-la e dar uma trégua aos próprios instintos?
Angelina Batista – Não se dá trégua a instintos. O que podemos é educar nossas práticas sociais. Nossas regras de conduta podem possibilitar uma convivência mais harmoniosa.

IHU On-Line – No fundo, compreender a espécie humana como homo violens não parece ser o reconhecimento de que a construção social da ideia de humanidade, erigida sobre os pilares da modernidade, fracassou?
Angelina Batista – De que pilares da modernidade estamos falando? Podemos falar não de um fracasso, mas sim de modos de enfrentamento da violência que, de fato, não levaram ainda a um domínio mais adequado do impulso vital.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Angelina Batista – O conhecimento que temos sobre o HOMEM é ainda muito pequeno em relação a toda a sua complexidade. Ao tratar a violência buscando apenas as causas pontuais de sua manifestação, talvez não se chegue ao cerne da questão. Trata-se de HUMANIZAR o humano.■

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