Edição 209 | 18 Dezembro 2006

Os rumos do republicanismo

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IHU Online

Alessandro Pinzani nasceu em Florença (Itália), em 1966. Doutorou-se em Filosofia na Universidade de Tübingen (Alemanha). De 1997 até 2004, trabalhou como pesquisador e docente nesta universidade, onde, em 2004, obteve a habilitação e a livre-docência em Filosofia. Em 2001-2002, foi Visiting Scholar na Columbia University de Nova Iorque, EUA. Desde julho de 2004 é professor adjunto de ética e filosofia política no Departamento de Filosofia do CFH da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e desde março de 2006 é pesquisador do CNPq.

A entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, foi inspirada na comunicação que o filósofo apresentou no XII Encontro Nacional de Filosofia da Anpof, intitulada Republicanismo ou republicanismos. Pinzani frisa que “onde houver cidadãos tão pobres que eles venderiam seu voto, não pode florescer uma república”. E ser de esquerda, em nossos tempos, “significa ter uma preocupação com a justiça social, sem, contudo, cair numa visão nacionalista”. Sobre a política brasileira, Pinzani afirma que o poder ainda parece ser pensado de “forma patrimonialista: quem ganha as eleições se torna dono do poder e pode fazer dele o que quiser".

Pinzani é autor de Diskurs und Menschenrechte. Hamburg: Dr. Kovac, 2000; Maquiavel e “O Príncipe”. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004; Diritto, politica e moralità in Kant. Milão: Bruno Mondadori, 2004 e Ghirlande di fiori e catene di ferro. Istituzioni e virtù politiche in Machiavelli, Hobbes, Rousseau e Kant. Firenze: Le Lettere, 2006). É um dos organizadores de Ein Ethos für eine Welt? Globalisierung als ethische Herausforderung. Frankfurt a. M. / New York: Campus, 1999 e Habermas em discussão. Anais do Colóquio Habermas realizado na UFSC (Florianópolis, 30 de março-1 de abril de 2005). Florianópolis: NEFIPO, 2005.

IHU On-Line - Partindo das considerações de Habermas sobre o republicanismo, quais são as suas conclusões que demonstram ser a tradição republicana alternativa mais relevante para a teoria política contemporânea do que o republicanismo clássico?

Alessandro Pinzani
- Partirei da definição de “republicanismo kantiano” oferecida por Habermas  num ensaio sobre A paz perpétua (agora publicando em A inclusão do outro): “O republicanismo kantiano parte de uma dupla intuição: Ninguém pode ser livre a custo da liberdade de um outro. Já que as pessoas se tornam indivíduos somente por meio de um processo de socialização, a liberdade de um indivíduo está ligada à de todos os outros não somente negativamente, por meio de limitações recíprocas. Limitações corretas são antes o resultado de uma atividade de autolegislação exercida coletivamente. Numa associação de livres e iguais, todos devem poder compreender-se do ponto de vista coletivo como autores das leis às quais se sentem vinculados como destinatários do ponto de vista individual” (Die Einbeziehung des Anderen. Frankfurt a. M.: Suhrkamp, 1996, pág. 126). Esta idéia de que os cidadãos se vêem ao mesmo tempo como autores e destinatários das leis e se dão conta de que sua liberdade depende da liberdade de todos os outros é o elemento do pensamento republicano que ainda hoje pode pretender uma certa validade teórica e política. É uma idéia que aponta para dois aspectos importantes: o conceito de cidadania implica, em primeiro lugar, uma igualdade política e jurídica e, em segundo lugar, a assunção de uma perspectiva não egoísta, a partir da qual os cidadãos se consideram como indivíduos inseridos numa dimensão pública mais ampla. Este último ponto me parece estar no centro da reflexão sobre o republicanismo efetuada por pensadores brasileiros como Newton Bignotto . De fato, numa sociedade como o Brasil, onde o conceito de “público” parece significar “de ninguém” e não “de todos (portanto também meu)”, é importante recuperar este sentido (e o correspondente sentimento) da res publica, termo latino que indica justamente a coisa pública e, por translado, o Estado. Contudo, esta preocupação com o sentimento da coisa pública não é característica peculiar do republicanismo, mas é compartilhado por autores liberais como John Stuart Mill , Aléxis de Tocqueville  e, nos nossos tempos, o próprio John Rawls , além de pensadores como William Galston, Richard Dagger etc.

IHU On-Line - Por que, nos últimos anos, houve uma renascença do republicanismo, a partir de Quentin Skinner, Phillip Pettit e Maurizio Viroli? Quais são os pontos positivos e negativos trazidos por essa renascença? O que essa tradição republicana teria de antidemocrático?

Alessandro Pinzani
- Na verdade, o que esses autores tentam “redescobrir” é uma certa versão do republicanismo. Skinner e Viroli se ocupam particularmente com o republicanismo clássico, partindo de Cícero e Salústio , passando por pensadores italianos da Idade Média e do Renascimento (com particular atenção para Maquiavel ), até chegar às vésperas da Revolução Inglesa e, no caso de Viroli, a Rousseau  (uma espécie de “ilha” republicana no mar liberal da sua época). Interessantemente, eles deixam de lado os Jacobinos, que podem ser considerados herdeiros da tradição republicana clássica, mas que constituem, por assim dizer, o seu lado negro: a de uma violência contra os indivíduos em nome da virtude cívica e da Pátria.

No seu Liberty Before Liberalism (1998), Skinner, que se movimenta no âmbito da History of Ideas, analisa o pensamento daqueles que ele chama de New Roman Theorists, que se inspiravam na Roma republicana para articular um discurso antimonárquico ou antiabsolutista. Sua obra visa primeiramente à reconstrução histórica da tradição republicana. Já Viroli afirma que sua intenção é chamar a atenção dos contemporâneos para o republicanismo a fim de fazer dele uma alternativa ao modelo liberal e ao modelo democrático dominantes.

Contudo, nem ele, nem Skinner conseguem (ou querem) definir com clareza em que consistiriam tais modelos. Eles (e Pettit, que possui um viés mais teórico e menos histórico) apontam para o conceito central de liberdade e distinguem entre uma liberdade republicana, uma liberal e uma democrática. Segundo os republicanos (antigos e novos), a verdadeira liberdade consistiria na independência do arbítrio dos outros e pressuporia a igualdade dos cidadãos perante a lei. Tal independência vale, em primeiro lugar, para o Estado. Livre é, então, o Estado capaz de governar a si mesmo. No que diz respeito aos indivíduos, a liberdade consistiria na independência da vontade arbitrária dos concidadãos. Gostaria de apontar para o fato de que, nesta ótica, os autores republicanos clássicos sempre negaram o direito de voto e a participação política ativa àqueles indivíduos incapazes de garantir sua independência econômica, a saber: mulheres, crianças, desempregados e trabalhadores assalariados. Não se trata de preconceitos de gênero ou de classe, mas sim da preocupação com a possibilidade de que estas pessoas possam vender seu voto aos indivíduos dos quais dependem economicamente (respectivamente: os maridos, os pais, os empresários). Desta preocupação se acompanha freqüentemente a idéia de que somente quem possui uma propriedade a ser salvaguardada tem um verdadeiro interesse nos negócios públicos e no bem comum (neste ponto os clássicos republicanos se assemelham muito àqueles liberais ao estabelecer uma ligação direta entre interesse privado – dos proprietários! – e interesse público).

Os neo-republicanos contrapõem a liberdade republicana à liberal e à democrática. Inspirando-se em parte em Constant e na sua distinção entre liberdade dos antigos e dos modernos, e em parte em Berlin e na sua distinção entre liberdade positiva e negativa, Pettit, no seu Republicanism (1997), distingue entre a liberdade negativa como não-interferência proposta pelos liberais, a liberdade positiva como autogoverno das teorias democráticas e a liberdade como independência dos republicanos.

Liberdade e democracia

Nesta leitura, para os liberais, a liberdade seria simplesmente a liberdade que os indivíduos desfrutam ao se verem libertados de qualquer interferência nas suas ações. Contudo, já que a convivência humana precisa de regras, como demonstra o experimento mental do estado de natureza, e já que cada sistema de leis representa uma interferência na liberdade individual, não é possível alcançar uma liberdade absoluta (como querem alguns libertários extremos ou os anárquicos), e a maior preocupação dos liberais seria, então, a de reduzir esta interferência inevitável ao nível mínimo (como queria Locke) ou de torná-la quanto mais eficaz possível, independentemente do seu alcance (como queria Hobbes , segundo Pettit e Viroli). Deste ponto de vista, portanto, o liberalismo seria compatível com qualquer forma de governo, inclusive um governo despótico. Segundo Viroli, nenhum republicano, pelo contrário, chamaria de liberdade a presumida liberdade concedida com espírito magnânimo por um déspota “liberal”, que permitisse, por um lado, aos seus súditos fazer o que eles quisessem, mas, por outro lado, se reservasse o poder de privá-los desta permissão a qualquer momento (Repubblicanesimo. Roma / Bari: Laterza, 1999, pág. 25).

Os neo-republicanos recusam também o conceito positivo de liberdade entendida como autonomia ou autogoverno, e que constituiria uma idéia típica da tradição radical-democrática. Viroli define democracia como a forma de governo na qual o poder de decisão é exercido pela totalidade ou pela maioria dos cidadãos. Portanto, nela haveria um império dos homens e não das leis, e por isso cada lei, também quando resulte de um processo democrático, é arbitrária: “Uma lei aceita voluntariamente pelos membros da mais democrática das assembléias pode igualmente ser uma lei arbitrária que permite que alguns forcem a vontade de outros e, portanto, os privem da sua autonomia” (Ibid., pág.27).

A concepção republicana, pelo contrário, não identifica a liberdade com a autonomia ou com o autogoverno, e se fundamenta no império das leis e não dos homens. A autonomia, entendida como a faculdade de dar a si mesmo leis, é tão-somente um instrumento para viver livremente, mas não é o único nem o decisivo. A garantia para a salvaguarda da independência da república e dos cidadãos não se encontra na criação das leis pelos próprios cidadãos, mas sim no fato de as leis visarem ao bem comum e não ao bem particular de indivíduos ou grupos. O processo democrático de legislação não apresentaria nenhuma garantia neste sentido.

A liberdade republicana consiste, então, não na mera ausência de uma interferência arbitraria real, mas sim na ausência de qualquer interferência arbitraria possível, e não corresponde à autonomia legislativa dos cidadãos, antes à salvaguarda do império das leis. Ambos os pontos me parecem discutíveis.Parece-me que nenhum pensador liberal, com a exceção parcial de Hobbes (por causa da sua peculiar concepção mecanicista da liberdade), pensaria em defender uma definição de liberdade entendida como simples ausência de interferência concreta por parte da autoridade política ou de outros sujeitos. Muito pelo contrário, o liberalismo nasceu da exigência de garantir a todos os indivíduos o respeito incondicionado de um espaço de ação, de uma esfera privada, em suma, de liberdades individuais (sejam essas definidas como forem). Nenhum liberal consideraria aceitável a situação imaginada por Pettit, a saber, a de um déspota benevolente que esteja disposto a conceder tais liberdades, mas reserve-se o direito de violá-las a seu bel-prazer. Um dos pontos sobre o qual todos os pensadores liberais (incluído Hobbes) sempre insistiram foi, em primeiro lugar, a criação de uma situação de segurança jurídica (que foi o germe do Estado liberal de direito): os cidadãos devem possuir a certeza de que seus direitos são invioláveis e subtraídos ao arbítrio do soberano. Pelo menos deste ponto de vista, liberais e republicanos parecem compartilhar a mesma concepção de liberdade como independência da dominação alheia.

A verdadeira diferença existe entre a posição republicana e a radical-democrática. Conforme a leitura desta última, feita pelos neo-republicanos, a soberania popular seria ilimitada e não se deteria perante nada, incluídas as liberdades individuais. Numa democracia radical nos depararíamos justamente com a situação acima mencionada: os direitos individuais dependeriam do arbítrio do soberano, embora neste caso o soberano seja o povo na sua totalidade. Não há contradição entre esta leitura e a definição da república como comunidade política que se autogoverna, pois numa república quem governa são as leis, cuja autoridade é garantida principalmente pela sua antiguidade.

Para finalizar esta breve análise do republicanismo, cabe salientar que os republicanos da tradição clássica apontam todos para a necessidade de que haja entre os cidadãos uma certa igualdade econômica. Onde houver cidadãos tão pobres que eles venderiam seu voto, não pode florescer uma república. Este assunto da igualdade econômica, contudo, é deixado de lado pelos neo-republicanos hodiernos.

IHU On-Line - O que é ser de esquerda hoje? Ainda é possível entendermos a política sob as denominações de esquerda e direita?

Alessandro Pinzani
- Esta é uma questão muito complexa. Tentando simplificar, poderíamos dizer que ser de esquerda significa ter uma preocupação com a justiça social, sem, contudo, cair numa visão nacionalista, mas mantendo uma forte sensibilidade para questões de justiça social em outros países. Sem este viés internacionalista, a “esquerda” não se distinguiria muito de uma direita social ou de um populismo nacionalista. Para dar um exemplo concreto: ser de esquerda significa apoiar não somente o MST brasileiro, mas também a luta dos bolivianos contra a atitude imperialista da Petrobras. Já ouvi colegas “de esquerda” fazer discursos marcadamente nacionalistas, neste respeito. Não é suficiente lutar contra o imperialismo econômico e político norte-americano: é preciso lutar contra o imperialismo em todas as suas formas independentemente do país que o exerce.

Ser de esquerda significa hoje se preocupar com questões de redistribuição das riquezas, mas também com questões de gênero e de reconhecimento de direitos de minorias (culturais, religiosas, sexuais, raciais). Um esquerdista machista ou homófobo ou racista é uma contradição. Deste ponto de vista, tenho a impressão que certos setores da esquerda brasileira tenham ainda muito caminho pela frente... Como há uma esquerda mais “avançada” e uma mais “retrógrada”, dogmática, presa em aparelhos conceituais superados e incapazes de descrever o mundo globalizado e as novas lutas pelo reconhecimento, há uma direita mais esclarecida e uma mais tradicional. A primeira se nutre das idéias neoliberais, cuja força é tal que elas entraram nos programas de muitos partidos de esquerda (deste ponto de vista, acho que o verdadeiro risco não é primeiramente o domínio da esfera de economia sobre a política, pois ele poderia ser revertido; antes o fato de que os políticos de todas as cores pensam só em termos econômicos, como se sua tarefa fosse tão-somente a de garantir a chegada de investimentos estrangeiros, de conter a inflação, de flexibilizar o mundo do trabalho – todas finalidades que se deixam atingir só com altos custos sociais).

Com esta direita “esclarecida” é possível dialogar, pois ela pode aceitar que uma diminuição das desigualdades econômicas e sociais é condição essencial para a estabilidade do país (contudo, dificilmente ela aceitará que se trata de uma questão de justiça, em primeiro lugar).

A direita mais tradicional segue escrava de uma visão do mundo na qual as desigualdades sociais são fatos naturais ou até positivos, e na qual os pobres são tais ou por escolha (por não ter vontade de trabalhar, etc.), ou por razões naturais (pensem nas explicações racistas do tipo “negro é preguiçoso”), ou por razões históricas contra as quais nada pode ser feito. A idéia é de que o País deveria ser governado pela elite (e para a elite...) e de que o interesse desta última corresponde ao interesse do país. Daí o desprezo para os eleitores pobres, que votariam com o estomago ou o coração e não com a cabeça (como se votar num candidato porque promete desagravos fiscais à elite fosse mais racional do que votar num candidato que promete programas de auxílio para os miseráveis).

IHU On-Line - Precisamos repensar a democracia representativa no Brasil? A estrutura partidária ainda tem espaço na sociedade hiperindividualista em que vivemos?

Alessandro Pinzani -
Como estrangeiro, não é fácil falar deste tipo de questões. Contudo, o problema da democracia no Brasil me parece ser menos a estrutura partidária em si e mais a cultura política do país (não esqueçamos que o Brasil é uma democracia de verdade faz menos de vinte anos). Minha impressão é de que no Brasil o poder seja ainda pensado de forma patrimonialista: quem ganha as eleições se torna dono do poder e pode fazer dele o que quiser. Isso vai contra aquele sentimento da coisa pública no qual falava anteriormente e que falta, justamente, no Brasil. Assim, em vez de considerar-se simplesmente o depositário da vontade popular, chamado a exercer o poder em nome de e para o povo, o homem político que assume um cargo faz do poder um uso privado, visando, em primeiro lugar, a favorecer a si mesmo, sua família, os amigos, os companheiros, seus partidários etc. Fico sempre perplexo ouvindo, por exemplo, candidatos ao cargo de governador declararem, depois de uma vitória no segundo turno, que não se vingarão das cidades ou regiões que votaram em sua maioria no adversário; ou uma governadora da oposição pedir ao presidente eleito que não desconsidere o seu estado só por estar nas mãos de um partido adverso. Isso demonstra que a visão patrimonialista do poder perpassa todos os partidos e todos os níveis de exercício do poder (como, no fundo, se pode constatar na própria política acadêmica, que não é isenta deste tipo de fenômenos).

IHU On-Line - É o momento de pensarmos em novos mecanismos políticos? Se sim, quais e como seriam eles? Com mais participação da sociedade civil?

Alessandro Pinzani
- Pessoalmente desconfio da assim chamada “sociedade civil”. O que ela seria, exatamente? Muitas vezes, parece-me que, com tal termo, se queira falar em políticos não-“profissionais”, por assim dizer. Aí, como italiano, penso com horror em Berlusconi, que conseguiu ser eleito, apresentando-se como representante da sociedade civil sã contra a classe política corrupta. Mas é difícil, se não impossível, que um empresário que chega a ser o homem mais rico do País possa ser imune da corrupção – no caso de Berlusconi, ele foi antes um dos principais fomentadores do sistema e dos partidos mais corruptos. Se, pelo contrário, entendemos com tal termo os cidadãos comuns, uma maior participação seria bem-vinda. Só que não é fácil pensar em novos mecanismos. Hannah Arendt , que, com certeza, não era uma comunista ou uma esquerdista, ficou positivamente impressionada pelo sistema dos conselhos que foi utilizado em várias revoluções européias: na Alemanha das Räterrepubliken de Berlim, Munique, etc. (1918-19), na revolta da Hungria de 1956, na própria revolução soviética de 1917 (soviet significa, justamente, “conselho”). Tal sistema representa uma união de democracia direta e de democracia representativa, mas resulta de difícil aplicação em países grandes e em sociedades altamente complexas como a nossa. Acho que seria já um ótimo resultado se os eleitores conseguissem fiscalizar e responsabilizar seus representantes com maior atenção. Mas é difícil mobilizá-los até para discutir questões locais que os atingem diretamente, como demonstra a participação relativamente baixa em mecanismos decisórios como o orçamento participativo. De novo, a solução consistiria em despertar um maior sentimento da coisa pública, mas isso não é coisa que se aprenda na teoria, mas sim na prática, através da participação concreta; só que esta última pressupõe um mínimo de senso da coisa comum, que é justamente o que falta: um círculo vicioso difícil de quebrar.

IHU On-Line - Qual deve ser o papel do intelectual no processo político? E do filósofo?

Alessandro Pinzani
- O intelectual deve, em primeiro lugar, ver-se como cidadão. Ele deve ser o primeiro a possuir aquele sentimento da coisa pública, sem o qual não é possível uma verdadeira democracia. A partir daí, ele pode passar a ser a consciência crítica dos seus concidadãos, o Grilo Falante de Pinóquio, que fala as verdades que incomodam e que, portanto, ninguém quer ouvir – como Sócrates, o grande questionador sempre pronto a abalar com a voz da razão as “certezas” e as crenças tradicionais dos Atenienses. Ele deveria questionar o que parece óbvio, exortar a mudar o que parece imutável. Oferecer aos concidadãos aquelas visões que os políticos já não sabem oferecer, mas sem ter a tentação de tornar-se político ele mesmo. Aliás: claro que ele pode, mas deveria ser consciente de que boas idéias não são suficientes para ser um bom político. E, sobretudo, ser modesto e consciente do fato de que suas idéias e opiniões podem sempre resultar erradas. O que, para muitos intelectuais, não é nada fácil...

 

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