Edição 208 | 11 Dezembro 2006

O Caminho para Guantánamo

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Ficha Técnica

Nome: O Caminho para Guantánamo
Nome original: The Road to Guantánamo
Cor filmagem: Colorida
Ano produção: 2006
Gênero: Documentário - Drama
Classificação: livre
Direção: Michael Winterbottom

Sinopse:

Quatro jovens de origem paquistanesa ou bengali, moradores em Londres, viajam ao Paquistão para o casamento de um deles. Antes disso, vão ao Afeganistão. Mas, um mês depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, o clima é de paranóia no mundo. Eles acabam acusados de terrorismo e enviados para a temível prisão secreta de Guantánamo, Cuba, sob controle dos americanos.

Folha de São Paulo, 17-11-2006
Mídia dos EUA é racista, acusa cineasta.
Para Winterbottom, de "O Caminho para Guantánamo", imprensa duvida dos protagonistas de seu filme por eles serem muçulmanos.
Obra que estréia hoje mistura ficção e realidade para contar a história de três jovens ingleses detidos sem acusação na prisão dos EUA

LUCIANA COELHO

Acordar as pessoas do torpor político que tomou parte do mundo quanto à guerra ao terror de George W. Bush era a meta do diretor britânico Michael Winterbottom com seu "O Caminho para Guantánamo", que estréia hoje no país. Para tanto, o cineasta, que costuma mesclar realidade e ficção, decidiu contar a história dos Três de Tipton -três jovens muçulmanos britânicos detidos durante quase dois anos por militares americanos sem nenhuma acusação. Munido de horas de depoimento, Winterbottom reproduziu na tela a história que Shafiq, Ruhel e Asif lhe contaram, desde outubro de 2001, quando deixaram Tipton (reduto de imigrantes islâmicos no centro da Inglaterra) rumo ao Paquistão para o casamento de Asif, até março de 2004, quando saíram de Guantánamo. Apesar do limbo legal dos mais de 400 "combatentes inimigos" detidos na prisão dos EUA em Cuba ser um dos principais alvos das críticas ao governo Bush, foi a versão de como os Três de Tipton acabaram presos o que mais atraiu a atenção da mídia americana ao falar do filme. "Racismo" é a leitura de Winterbottom. "Se fossem três cristãos brancos que tivessem ido para algum país para ajudar quem precisasse, ninguém ia achar que eles estavam mentindo", disse o cineasta. A seguir, trechos da entrevista do diretor à Folha, feita por telefone, de Nova Déli (Índia), onde filma "A Mighty Heart".

FOLHA - Como trabalhar simultaneamente com ficção e realidade?

MICHAEL WINTERBOTTOM
- Isso muda de filme para filme. Por exemplo, em "A Festa Nunca Termina" queríamos contar histórias reais, que as pessoas tivessem a sensação de que aconteceram, mas ao mesmo tempo tínhamos um compromisso um pouco mais frouxo com os fatos, o importante era narrar a experiência. Já em "O Caminho para Guantánamo" a idéia era que essas três pessoas passaram por isso, e nós tentamos contar sua história. Em vários sentidos foi bem simples: eles nos contavam o que havia acontecido, e nós tentávamos fazer disso um filme.

FOLHA - Uma reconstituição?

WINTERBOTTOM
- Exatamente. E eu não estou falando de uma versão ficcionalizada da história. Nós nos ativemos ao que eles disseram, não tentamos criar um tipo X de personagem nem momentos dramáticos.

FOLHA - Como você decidiu filmar a história dos Três de Tipton?

WINTERBOTTOM
- Quando foram soltos, contatamos o advogado deles. Nossas conversas duraram uns seis meses até que os três topassem a idéia. Então fomos até a casa deles e praticamente vivemos com eles por um mês -todos os dias íamos lá e gravávamos os depoimentos. Depois, tínhamos horas de gravação e cerca de 400 páginas de transcrições com a versão deles dos fatos. Isso virou uma espécie de manuscrito do filme.

FOLHA - A reconstituição foi baseada somente nesses depoimentos?

WINTERBOTTOM
- Houve outros testemunhos que acabaram ajudando a contextualizar, como um livro escrito por um interrogador americano que foi responsável por eles em Candahar. Também para filmar a operação no Afeganistão tínhamos imagens reais de telejornais da época. Da mesma forma, para Guantánamo, também tínhamos muita filmagem de arquivo oficial para reconstituir exatamente como ela é.

FOLHA - Ainda assim, houve críticas na imprensa ao fato de você ter baseado o filme na versão deles.

WINTERBOTTOM -
Quanto a questionarem a versão deles para ir para o Afeganistão, para mim é impossível dizer exatamente o que aconteceu. Você tem três pessoas que dizem que foram até Karachi, ouviram numa mesquita que irmãos muçulmanos precisavam de ajuda no Afeganistão e decidiram ir para lá. Eu estava nessa mesma época no Paquistão e absolutamente todo mundo com quem eu falava achava que, como bom muçulmano, deveria ajudar seus irmãos no Afeganistão. A idéia de que você precisa ser um radical ou um extremista para fazer isso é uma besteira.

FOLHA - Como você acha que essa experiência os afetou?

WINTERBOTTOM
- Só os conheci depois, mas eles dizem ter descoberto com tudo isso uma religiosidade que não tinham.

FOLHA - Cinco anos após o 11 de Setembro, as platéias estão mais sensíveis a esse tipo de história?

WINTERBOTTOM
- Tenho dúvidas. Normalmente eu vinha conseguindo reações positivas, mas quando mostrei o filme nos EUA, para jornalistas, havia essa inferência de que eles [os Três de Tipton] deveriam estar mentindo. Que para estar lá os caras tinham de ser terroristas, porque afinal a América tem de combater as pessoas más [fala de Bush reproduzida no filme], logo eles são pessoas más. Foi deprimente.

A aberração jurídica de Guantánamo

Michael Winterbottom provoca com seu longa ousado, premiado em Berlim

Luiz Carlos Merten – O Estado de S. Paulo, 17-11-2006

Michael Winterbottom soube da história ao ler no The Guardian, importante jornal de Londres. Um jovem paquistanês, que vivia na Inglaterra e deveria se casar com uma noiva prometida na terra de seus pais, marcou encontro com três amigos no Afeganistão. Dali seguiriam para Faisalabad, para o casamento. Quando começaram os bombardeios americanos no Afeganistão, um deles sumiu (foi morto?) e os três restantes, incluindo Asif Iqbal, o noivo, foram levados para a base de Guantánamo, em Cuba, onde o governo do presidente George W. Bush isola suspeitos de terrorismo, após o 11 de
Setembro. “Mesmo se eles fossem culpados, seria uma aberração jurídica”, disse Winterbottom, em Berlim, em fevereiro, onde A Caminho de Guantánamo integrou a competição (e ganhou o Urso de Prata de melhor direção). O filme tem um co-diretor, Mat Whitecross, que foi o montador de Nove Canções.

Fica até difícil dizer qual é o número que Nove Canções ocupa na obra de Michael Winterbottom. Não há diretor mais prolífico no cinema atual. Em pouco mais de dez anos, seu currículo contabiliza uns 15 filmes e, a esta altura, não é difícil imaginar que mais um ou dois já tenham sido feitos por Winterbottom. Ele não se acha prolífico. Diz que as novas tenologias permitem a qualquer um filmar tanto quanto ele. “O que não dá é para ficar montando projetos caros, que vão exigir grandes investidores. Além de demorar muito para dar o sinal verde, eles vão querer segurança, retorno do investimento. Ou seja, além de demorados, os filmes ficam mais conservadores.”

Ao longo de sua carreira, Winterbottom tem feito ficções que integram elementos documentais. Mas ele acha problemático fazer filmes a partir de fatos e personagens reais, como A Caminho de Guantánamo. “Gosto de improvisar e de incorporar o que ocorre no set ao filme acabado, e isso raramente é possível nesses casos.” Quando leu a história dos paquistaneses no inferno de Guantánamo, os três, Shafiq, Ruhel e Asif, estavam prestes a ser libertados. Winterbottom imediatamente se interessou pelo assunto, mas o trio não aceitou nem conversar com ele. Seis meses depois, mudaram de idéia e o contactaram por meio de seu advogado. “Fiquei morando um mês com eles e realizei horas de entrevista, que serviram de base para a elaboração do roteiro.”

No filme, os três são interpretados por atores, mas Shafiq, Ruhel e Asif foram em pessoa ao Festival de Berlim, para o debate com a imprensa mundial, após a exibição do filme. De volta à Inglaterra, foram detidos para interrogatório. Na entrevista que deu ao repórter do Estado, Winterbottom já havia dito que os três podem ter sido libertados de Guantánamo, mas continuam sendo discriminados. “Há uma união Inglaterra/EUA contra os islâmicos, que são sempre culpados, mesmo com prova em contrário. Para todos os efeitos, a suspeita de terrorismo continua pesando sobre Asif.”

No filme, como na realidade, a suspeita baseia-se no fato de que estavam num ônibus, com outros paquistaneses, e os interrogadores americanos afirmaram ter visto fotos deles com seguidores ou integrantes da família Bin Laden. Daí a serem acusados de terrorismo (e enviados para Guantánamo) foi um passo. Se você se lembrar de Fahrenheit 11 de Setembro, por mais que Michael Moore possa ser acusado de parcialidade e manipulação, ele prova, por A mais B, a ligação da família Bush com a família Bin Laden - e que o presidente autorizou a saída de integrantes da família de Osama dos EUA, ao mesmo tempo que iniciava a caçada a suspeitos de terrorismo como os personagens de A Caminho de Guantánamo.Winterbottom tem um método, muito mais que um estilo. Ele gosta de fazer filmes bem diferentes uns dos outros e, por isso, recusou a oferta de dirigir um drama baseado na história do jovem brasileiro que foi morto pela polícia no metrô de Londres. Logo depois de A Caminho de Guantánamo, ele temia repetir-se, com outra história (real) de injustiça baseada na desconfiança. Winterbottom também não acha que tenha um só público. “Meus filmes diferem tanto que imagino que tenha um público para cada um deles.”
O que os une, além do método, é o desejo de combater a indiferença. “Faço filmes para provocar”, ele diz. Sua provocação foi aceita pelo júri de Berlim, presidido por Charlotte Rampling. No recente Festival do Rio, a atriz de Os Deuses Malditos, de Luchino Visconti, e O Porteiro da Noite, de Liliana Cavani, explicou o prêmio para Winterbottom e Whitecross dizendo que o cinema que lhe interessa é político e o filme deles honra uma bela tradição do gênero.

Notícias relacionadas:
Do jornal O Estado de S. Paulo, 9-12-2006.

EUA abrem ala de segurança máxima em Guantánamo. Militares americanos inauguraram ontem, 8-12-2006,  o “Campo 6”, uma nova ala de segurança máxima na prisão de Guantánamo, em Cuba. Um total de 42 detentos foram transferidos para as suas instalações, que contam com 178 celas individuais e custaram US$ 37 milhões. Segundo o comandante Robert Durand, o “Campo 6” foi projetado para limitar o contato entre os presos e prevenir ataques aos guardas. Lá, até o pátio foi dividido em pequenos espaços para serem usados por um único detento. Os EUA mantêm no centro de detenção de Guantánamo cerca de 430 suspeitos de terrorismo, a maior parte sem acusação formal. Em junho, três se suicidaram.”

 

 

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