Edição 208 | 11 Dezembro 2006

Um sonho distante

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IHU Online

O autor do livro Sociologia da Juventude: futebol, paixão, sonho, frustração, violência. Taubaté: Editora Cabral, 2006, Carlos Pimenta concedeu uma entrevista por e-mail a IHU On-Line falando sobre o sonho dos jovens em se tornarem jogadores de futebol.

Pimenta possui graduação em Ciências Jurídicas pela Universidade de Taubaté (1990), mestrado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1995) e doutorado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2001). Atualmente é professor assistente doutor da Universidade de Taubaté. Tem experiência na área de Antropologia, com ênfase em Antropologia Urbana, atuando principalmente nos seguintes temas: educação, violência nos processos de subjetividades, realidade brasileira, pós-modernidade e lazer e futebol.

IHU On-Line - Quais são os fatores socioculturais, políticos, econômicos e simbólicos imbricados nesse sonho dos jovens em se tornarem jogadores profissionais de futebol?

Carlos Pimenta
–  A proposta do livro, resultado de pesquisa de doutoramento, é a de compreender em quais pilares a sociedade contemporânea brasileira constitui no imaginário social juvenil a dimensão do sonho, da expectativa de futuro. Como um elemento desse processo, utilizo as relações promovidas a partir do futebol profissional, tendo como exemplo o sonho de ser jogador de sucesso. Na busca, apreendo que o jogo de futebol não é uma atividade ingênua e está intimamente vinculado com as transformações socioculturais, políticas, econômicas e simbólicas de nosso tempo, tendo a mídia um papel fantástico de
espetacularização e de alimentação desse sonho, este cada vez menos materializável para muitos. No trabalho abordo diversos fatores que colaboram ao despertar desse sonho, desde o surgimento das escolinhas, franquias de marcas de clubes de futebol profissional, passando pela dimensão das legislações e políticas públicas esportivas até as transações administrativas
e financeiras gerenciadas pelos conglomerados econômicos. Portanto, no texto tomo cuidado para não descolar da análise o contexto contemporâneo e suas tendências “hegemônicas”.

IHU On-Line - O que esse sonho revela sobre as perspectivas da juventude brasileira?

Carlos Pimenta
- A questão central da pesquisa gira em torno de uma crítica ao futebol, nos moldes em que ele é apresentado, e, consequentemente, à sociedade em que vivemos. Neste modelo, a instituição futebol parece não produzir nenhum vínculo direto e efetivo com a realidade das relações. Aqui o sonho reveste-se de irrealidades, ilusões e frustrações, uma vez que tem muito pouco laço com a verdade da vida cotidiana, dos sacrifícios do dia-a-dia, das dificuldades presentes no próprio interior dessa instituição. O sonho que poderia ser um canal de possibilidades aos jovens para acessar os “benefícios” de uma vida adulta de qualidade, passa a ser, para a maioria, um canal de frustrações pelo fracasso da busca ou do sonho. Não é só isso, há outras conseqüências, em maior ou menor grau. Uma delas é que muitos jovens apostam todas as suas expectativas nesta busca e abanda, em diversos casos, todas as demais formas de inserção social.       

IHU On-Line - Qual o papel da mídia na solidificação desse ideal a ser alcançado?

Carlos Pimenta -
Resgatando a primeira questão, a mídia tem um papel fantástico de espetacularização e de alimentação desse sonho. A mídia, juntamente com a supervalorização do esporte e do corpo na atualidade, consegue despertar no jovem a idéia de que, por intermédio da carreira de jogador de futebol profissional, poderá ter dinheiro, valorização pessoal e social, fama, mulheres, carros, enfim um melhor acesso ao mundo econômico. Pela mídia pouco se vê de dificuldades na vida de um atleta; na mídia não se vê fracassados, pois otimiza seu espaço aos vencedores. 

IHU On-Line - No que consiste a violência subjetiva a que o senhor se refere em seu livro?

Carlos Pimenta
- A pergunta que venho tentando responder faz algum tempo é: quais os novos processos de subjetividades produzidas na sociedade contemporânea? Como venho
das Ciências Sociais, essa pergunta não é simples de ser respondida, pois envolve questões psicológicas e filosóficas, as quais são relevantes, mas nem sempre bem vindas aos olhos de alguns colegas. Trabalho com a idéia de que o fracasso ou a frustração na busca pela carreira profissional de futebol não é uma violência meramente simbólica, vinculando esse movimento como uma imposição de um determinado padrão ou arbitrário cultural. A partir das pesquisas, leituras e imaginações sociológicas entendo que é inegável a violência nesse processo e ela ganha uma dimensão subjetiva quando  jovem passa boa parte de sua formação, juventude, início de vida adulta, espaços socioculturais, expectativa de futuro, entre outros, reduzidos aos limites de sua experiência com o futebol.    

IHU On-Line - O senhor poderia contextualizar a situação em que o sonho de ser jogador profissional de futebol começou a ser perseguido pela juventude brasileira?

Carlos Pimenta
- Da invenção do futebol brasileiro até os anos trinta o futebol era uma
atividade para poucos. Somente os ingleses, seus filhos, os estrangeiros europeus e a fidalguia brasileira tinham a permissão oficial de sua prática. Dos trinta aos anos setenta, o futebol era lugar de pobres e de possibilidade de mobilidade social, mas tido como coisa de malandro, vagabundo e gente sem ocupação. Nesse período, ser jogador de futebol estava relacionado aos clubes amadores, a várzea e aos olheiros. Dos anos oitenta em diante, dentro do contexto das privatizações, das tecnologias informacionais e das tecnologias de gestão, o futebol profissional ganha uma dimensão empresarial e o prazer de jogar se transforma em uma carreira promissora, com a aderência de todas as classes sociais, em especial da média. Em resumo, é nesse contexto que o sonho da carreira de jogador profissional ganha maior significado aos jovens.   

IHU On-Line - Quais seriam os principais sonhos, ilusões, frustrações e desejos dessa juventude? Como o componente da sedução permeia essas realidades?

Carlos Pimenta
- Os sonhos se traduzem em ter carrões, mulheres, dinheiro, badalações, reconhecimento social; as ilusões quando o jovem descobre da dificuldade desse processo, mas tem que ser perseverante, pois só os melhores vencem; frustrações ao perceber, no fim da linha, mesmo tendo sido profissional da bola, que não teve o sucesso esperado e que tem facilidade de retornar à
realidade do dia-a-dia. Mesmo diante da descoberta da realidade o ex-jogador permanece seduzido e encantado com o futebol, chamando para si a responsabilidade pelo insucesso na
busca. 

Relatos de jovens

A preocupação do livro limita-se à compreensão dos relatos de jovens e de ex-jogadores de futebol profissional, enfatizando suas juventudes, que não tiveram o destaque idealizado. Portanto, embora reconheça os aspectos positivos do sonho, neste trabalho o sonho ganha uma conotação de negatividade, de frustração e de violência. Sobretudo, esse livro desmistifica a crença de que o esporte é somente bom e ser jogador de futebol profissional de sucesso é uma luta, quase sempre, para muitos, inglória. No meu ver, esse é o mérito do livro.  

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