Edição 484 | 02 Mai 2016

O poder pastoral, as artes de governo e o Estado moderno

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

Redação

“Estamos mergulhados numa era de governamentalização das condutas humanas nos diversos espaços públicos, corporativos e até privados. Esta racionalidade administrativa da vida humana é um dos escopos da denominada biopolítica”. A reflexão é do Prof. Dr. Castor Bartolomé Ruiz no artigo que escreveu com exclusividade para o Instituto Humanitas Unisinos – IHU e que será publicado no Cadernos IHU Ideias. O texto tece nexos entre o poder pastoral, as artes de governo e o surgimento do Estado Moderno. Para isso, usa como referencial teórico fundamental as ideias do filósofo francês Michel Foucault.

 

O texto surge como materialização dos debates surgidos nas aulas do curso Implicações ético-políticas do cristianismo na filosofia de M. Foucault e G. Agamben. Governamentalidade, economia política, messianismo e democracia de massas, ministrado por Ruiz numa parceria entre o IHU e o Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Unisinos. A programação completa dessa atividade pode ser conferida em http://bit.ly/1SzkVSc. 

Considerando os escritos de Foucault, “a origem do Estado moderno está associada aos processos de constituição das técnicas de governo, que a partir do século XVI vemos aparecer de forma abundante por toda Europa. O Estado, muito antes da suposta origem contratualista ou individualista, foi sendo construído nos processos de governamentalização que, de forma discreta, iniciaram-se no século XV e desde então não cessaram de tecer uma densa trama de burocracias, instituições, técnicas e dispositivos governamentais, até se constituir na coluna vertebral do Estado moderno”, argumenta Ruiz.

Acerca da relevância da pesquisa sobre o poder pastoral, o pesquisador da Unisinos destaca que esta se apresenta ao expor as diferenças entre as noções de soberania e governo. “Governar não é a mesma coisa que reinar. Ao reinar comanda-se de forma impositiva e prescreve-se a lei de modo obrigatório. Governar não é ser soberano, nem ser um feitor, um juiz, um patrão, um presidente, etc. O governo dirige-se à condução dos comportamentos. Governar é guiar a conduta dos outros, com seu consentimento. No governo há uma aceitação, implícita ou explícita, das diretrizes orientadoras da conduta. Governar não é impor, mas propor”. 

Ruiz examina, também, a economia política moderna como um discurso que construiu uma categoria nova, a população, como um objeto a ser governado: “A economia não era deliberativa, mas administradora das vontades. A oikononomia gerenciava as vontades das pessoas pertencentes a uma determinada oikos. No lado oposto da oikonomia, a política era um espaço em que as vontades deliberam livremente o que fazer, enquanto a economia realizava o governo das vontades. A distinção tradicional entre economia e política corresponde à diferenciação entre o ato de reinar e o de governar”. 

O pensador alerta, igualmente, para a distinção essencial entre o poder político da soberania e o poder pastoral do governo: “Soberania e governo são duas modalidades de exercício do poder presentes na nossa contemporaneidade, mas que remetem a práticas históricas diferenciadas. A soberania opera no marco jurídico-político dos princípios formais do exercício do poder e de sua legitimação. O governo implementa técnicas específicas de administração de condutas das populações e das pessoas”. 

Há que se notar, ainda, a diferença fundamental entre poder pastor e o modelo democrático de governo. “O princípio da soberania democrática é a isonomia entre iguais. Diferentemente do princípio democrático, o poder pastoral legitima-se porque alguns estão em condição de desigualdade real e necessitam de cuidado. A isonomia democrática exige o exercício da autonomia dos sujeitos como técnica essencial ao autogoverno”, assinala.

Ruiz reflete que “o princípio da democracia é a deliberação consciente das maiorias. Nas sociedades contemporâneas, a deliberação das maiorias cada vez mais é confundida com a denominada opinião pública. A tal de opinião pública passou a substituir o modelo de deliberação coletiva, próprio das democracias. Pareceria que a opinião pública é uma técnica própria do poder democrático. Mas a opinião pública, cada vez mais, está mediada pelo poder dos meios de comunicação de massa. É uma opinião abstrata produzida através de técnicas de persuasão oriundas, em grande parte, dos grandes meios de comunicação de massas. Estabelece-se um estreito vínculo entre a sociedade de massas e a opinião pública e, por sua vez, entre opinião pública e técnica democrática”.

A versão integral do artigo do Prof. Dr. Castor Bartolomé Ruiz será disponibilizada através do Cadernos IHU Ideias impresso, a ser distribuído no campus Unisinos, e na página do IHU clicando em http://www.ihu.unisinos.br/publicacoes.

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição